Análise nº 23/2025/CL
Processo nº 53500.052644/2024-94
Interessado: Superintendência de Outorga e Recursos à Prestação
CONSELHEIRA
CRISTIANA CAMARATE SILVEIRA MARTINS LEÃO QUINALIA
ASSUNTO
Recurso interposto por CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA contra a decisão da Superintendência de Outorga e Recursos à Prestação, da Superintendência de Fiscalização e da Superintendência de Controle de Obrigações consubstanciada no Despacho Decisório nº 5.657/2024/ORCN/SOR, de 20 de junho de 2024, que determinou cautelarmente medidas às plataformas de comércio eletrônico, e solicitação de ingresso como amicus curiae formulada pela CÂMARA BRASILEIRA DA ECONOMIA DIGITAL.
EMENTA
MEDIDA CAUTELAR. PLATAFORMAS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO. COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTOS NÃO HOMOLOGADOS. RECURSO ADMINISTRATIVO. INDEFERIMENTO.
Não há qualquer dúvida quanto à validade do art. 162, § 2º, da LGT ou do art. 55 do Regulamento anexo à Resolução nº 715/2019, que, essencialmente, apontam para a necessidade de que produtos transmissores e transceptores que façam uso do espectro eletromagnético destinado aos serviços de interesse coletivo passem pelo processo de homologação e certificação para que possam ser usados ou mesmo comercializados em território brasileiro.
A Cautelar que ora é objeto de recurso prevê medidas razoáveis, cuja adoção foi imposta após extenso período de diálogo com as plataformas de comércio eletrônico.
As sanções previstas na Cautelar objeto da decisão recorrida se destinam às entidades que não se comprometeram com a adoção de medidas para evitar a comercialização de aparelhos não homologados ou que adotaram medidas de maneira absolutamente inefetiva, mantendo elevado volume de anúncios de produtos não homologados e são compatíveis com o porte das referidas empresas.
O art. 19 da Lei nº 12.965, de 2014, o Marco Civil da Internet, por ser destinado à proteção da liberdade de expressão dos cidadãos, não se aplica à comercialização de produtos não homologados.
Recurso conhecido e indeferido.
REFERÊNCIAS
Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.
Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014.
Regimento Interno da Anatel, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013.
Regulamento de Avaliação da Conformidade e de Homologação de Produtos para Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 715, de 23 de outubro de 2019.
Matéria para Apreciação do Conselho Diretor nº 431/2025 (SEI nº 13624663).
RELATÓRIO
Trata-se de Recurso interposto por CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA. (Carrefour) contra a decisão da Superintendência de Outorga e Recursos à Prestação, da Superintendência de Fiscalização e da Superintendência de Controle de Obrigações consubstanciada no Despacho Decisório nº 5.657/2024/ORCN/SOR, de 20 de junho de 2024, que determinou cautelarmente medidas às plataformas de comércio eletrônico quanto à comercialização de produtos não homologados, e solicitação de ingresso como amicus curiae formulada pela CÂMARA BRASILEIRA DA ECONOMIA DIGITAL (CAMARA-E.NET).
Em 20 de junho de 2024, os Superintendentes de Outorga e Recursos à Prestação (SOR), de Fiscalização (SFI) e de Controle de Obrigações (SCO) editaram o Despacho Decisório nº 5657/2024/ORCN/SOR (SEI nº 12160352), que, resumidamente, adota cautelar em desfavor de plataformas de comércio eletrônico consistente em:
estabelecimento de campo obrigatório com o número do código de homologação do telefone celular a ser ofertado como condição à exibição do correspondente anúncio;
validação do código de homologação dos telefones celulares cadastrados em relação aos códigos de homologação da base de dados da Anatel, de modo que se verifique a correspondência entre o telefone celular a ser anunciado com o mesmo produto, marca e modelo homologado na Anatel; e,
retirar os anúncios que não sejam validados e impedir o cadastramento de novos telefones celulares cujo código de homologação esteja em desacordo com a base de dados da Anatel.
O Despacho Decisório estabelece ainda critérios de avaliação em níveis de conformidade das plataformas de comércio eletrônico:
Empresas conforme: totalidade dos anúncios de telefones celulares com homologação da Anatel;
Empresas parcialmente conformes: implementação do processo de validação e percentual de anúncios de celulares não homologados inferior a 30%; e,
Empresa não conforme: não implementação do processo de validação ou percentual de anúncios de celulares não homologados superior a 30%.
As empresas parcialmente conformes teriam ainda um prazo para apresentação de um cronograma de regularização de seus anúncios, sob pena de classificação como empresas não conformes.
As empresas não conformes, por sua vez, estariam sujeitas a multas diárias até a regularização de suas condutas.
Reproduzo abaixo o Anexo I do referido Despacho Decisório, que apresenta o enquadramento das plataformas de comércio eletrônico nos níveis de conformidade estabelecidos na ocasião:
Razão Social |
CNPJ |
Percentual de telefones celulares não homologados |
Classificação da empresa |
AMAZON SERVIÇOS DE VAREJO DO BRASIL LTDA |
15.436.940/0001-03 |
51,52% |
não conforme |
AMERICANAS S.A.- EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL |
00.776.574/0006-60 |
22,86% |
parcialmente conforme |
CARREFOUR COMERCIO E INDÚSTRIA LTDA |
45.543.915/0001-81 |
- |
conforme* |
EBAZAR.COM.BR. LTDA (Mercado Livre) |
03.007.331/0001-41 |
42,86% |
não conforme |
GRUPO CASAS BAHIA S.A |
33.041.260/1201-43 |
7,79% |
conforme |
MAGAZINE LUIZA S/A |
47.960.950/0001-21 |
0% |
conforme |
SHPS TECNOLOGIA E SERVIÇOS LTDA (SHOPEE) |
35.635.824/0001-12 |
- |
conforme* |
Notificadas do Despacho Decisório nº 5657/2024/ORCN/SOR (SEI nº 12160352), as empresas acima indicadas passaram a se manifestar nos autos solicitando vista dos autos, cópia de documentos ou, de forma mais geral, informando providências que foram adotadas em decorrência da cautelar. Doravante, serão apontadas apenas as manifestações mais relevantes.
Em 3 de julho de 2024, destaco a apresentação de Recurso Administrativo com pedido de efeito suspensivo (SEI nº 12230568) por Carrefour, em que sustenta, de maneira bastante resumida que:
a imposição de obrigações deveria ocorrer no âmbito de processo normativo, incluindo consulta pública e análise de impacto regulatório;
há obstáculo operacional e sistêmico decorrente da ausência de dados convergentes entre a base de dados da ANATEL e dos fornecedores/fabricantes dos equipamentos, sobretudo a falta do código EAN de cada produto na base de dados da Agência; e,
as multas fixadas seriam desproporcionais.
O Carrefour ainda apontou as medidas tomadas na ocasião, quais sejam:
Implementação de campo obrigatório para inserção do código de homologação nos anúncios;
Bloqueio de cadastro de novos anúncios sem código de homologação;
Envio de mensagens informativas aos vendedores sobre a obrigatoriedade de homologação;
Criação de canal de denúncias para produtos irregulares; e,
Atualização recorrente de listas de produtos bloqueados e adesão a guias de boas práticas.
Em 23 de julho de 2024, o Recurso foi conhecido pelo Superintendente de Outorga e Recursos à Prestação no Despacho Decisório nº 7541/2024/ORCN/SOR (SEI nº 12322151).
Em 30 de julho de 2024, o Presidente da Agência veio a denegar a concessão de efeito suspensivo pelo Despacho Decisório nº 49/2024/PR (SEI nº 12331190).
Antes disso, contudo, em 8 de julho de 2024, o Superintendente de Outorga e Recursos à Prestação encaminhou consulta à Procuradoria Federal Especializada junto à Anatel questionando sobre os limites de atuação desta Agência em respeito à decisão que concedeu à Americanas a recuperação judicial, que veio a ser respondida em 13 de agosto de 2024, pelo Parecer nº 375/2024/PFE-ANATEL/PGF/AGU (SEI nº 13249863), que opinou "pela ausência de óbices jurídicos à atuação da Anatel no cumprimento da decisão administrativa materializada pelo Despacho Decisório nº 5657/ORCN/SOR em relação às Americanas S/A".
Em 12 de julho de 2024, o Ebazar.com.br LTDA (Mercado Livre) informou sobre a implementação de mecanismos tecnológicos que impedem o cadastramento de telefones celulares não homologados em sua plataforma e a retirada de todos os anúncios de telefones celulares que não tenham passado pelo procedimento de validação.
Em 24 de julho de 2024, o Grupo Casas Bahia S/A informou que o Grupo "adota distintos procedimentos preventivos e detectivos para monitorar ativamente suas plataformas para o combate à venda de Produtos (i) não homologados, (ii) provenientes de mercados não oficiais e (iii) não autorizados pelo fabricante original".
Em 26 de julho de 2024, os Superintendentes envolvidos com a cautelar atualizaram o Anexo I do Despacho Decisório nº 5.657/ORCN/SOR (SEI nº 12160352) para que passasse a refletir o seguinte conteúdo:
ANEXO I - PLATAFORMAS DE COMÉRCIO ELETRÔNICO
Razão Social |
CNPJ |
Percentual de telefones celulares não homologados |
Classificação da empresa |
AMAZON SERVIÇOS DE VAREJO DO BRASIL LTDA |
15.436.940/0001-03 |
* |
* |
AMERICANAS S.A.- EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL |
00.776.574/0006-60 |
34,40% |
não conforme |
CARREFOUR COMERCIO E INDÚSTRIA LTDA |
45.543.915/0001-81 |
5,46% |
parcialmente conforme |
EBAZAR.COM.BR. LTDA (Mercado Livre) |
03.007.331/0001-41 |
0,00% |
conforme |
GRUPO CASAS BAHIA S.A |
33.041.260/1201-43 |
3,56% |
parcialmente conforme |
MAGAZINE LUIZA S/A |
47.960.950/0001-21 |
0,00% |
conforme |
SHPS TECNOLOGIA E SERVIÇOS LTDA (SHOPEE) |
35.635.824/0001-12 |
27,64% |
parcialmente conforme |
* sem classificação em função de decisão judicial
Em 28 de novembro de 2024, a Câmara Brasileira de Economia Digital (CAMARA-E.NET) solicitou sua habilitação como Amicus Curiae, apresentando ainda irresignações contra a Cautelar que podem assim ser resumidas:
A Agência teria extrapolado os limites estabelecidos pela Lei Geral de Telecomunicações;
Argumenta que a determinação de controle prévio de anúncios e remoção de conteúdo sem ordem judicial específica contraria os artigos 18 e 19 do Marco Civil da Internet, que estabelecem a responsabilidade subsidiária dos provedores de aplicações.
Critica as penalidades impostas, considerando-as excessivas e prejudiciais ao setor de comércio eletrônico, especialmente aos pequenos comerciantes que dependem dos marketplaces.
Destaca que o controle prévio de anúncios é inviável devido à complexidade e volume de produtos anunciados, além da possibilidade de burla por parte dos anunciantes.
Em 29 de março de 2025, a Superintendência de Outorga e Recursos à Prestação e a Superintendência de Fiscalização apresentaram o Informe nº 2/2025/ORCN/SOR (SEI nº 13144931), em que analisa as petições do Carrefour e da CAMARA-E.NET, sugerindo o conhecimento e não provimento do recurso do Carrefour e o indeferimento do pedido de ingresso da CAMARA-E.NET como amicus curiae.
Em 15 de maio de 2025, a Matéria para Apreciação do Conselho Diretor nº 431/2025 (SEI nº 13624663) foi distribuída à minha relatoria.
É o que cumpria relatar.
da atuação da anatel no combate à comercialização de produtos não homologados em marketplaces
Antes de adentrar ao mérito, é importante destacar alguns elementos no âmbito deste processo sobre a atuação da Anatel no combate à comercialização de produtos não homologados.
O art. 1º da Lei nº 9.472/97 (LGT) estabelece que compete à União, por intermédio do órgão regulador, organizar a exploração dos serviços de telecomunicações. O parágrafo único do referido artigo estabelece o que é organizar neste caso, conforme segue:
Lei Geral de Telecomunicações
Parágrafo único. A organização inclui, entre outros aspectos, o disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofrequências.
Neste contexto, destacam-se os seguintes artigos da LGT:
Lei Geral de Telecomunicações
Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
(...)
XII - expedir normas e padrões a serem cumpridos pelas prestadoras de serviços de telecomunicações quanto aos equipamentos que utilizarem;
XIII - expedir ou reconhecer a certificação de produtos, observados os padrões e normas por ela estabelecidos;
(...)
Art. 156. Poderá ser vedada a conexão de equipamentos terminais sem certificação, expedida ou aceita pela Agência, no caso das redes referidas no art. 145 desta Lei.
§ 1° Terminal de telecomunicações é o equipamento ou aparelho que possibilita o acesso do usuário a serviço de telecomunicações, podendo incorporar estágio de transdução, estar incorporado a equipamento destinado a exercer outras funções ou, ainda, incorporar funções secundárias.
§ 2° Certificação é o reconhecimento da compatibilidade das especificações de determinado produto com as características técnicas do serviço a que se destina.
(...)
Art. 157. O espectro de radiofrequências é um recurso limitado, constituindo-se em bem público, administrado pela Agência.
(...)
Art. 162. A operação de estação transmissora de radiocomunicação está sujeita à licença de funcionamento prévia e à fiscalização permanente, nos termos da regulamentação.
(...)
§ 2° É vedada a utilização de equipamentos emissores de radiofreqüência sem certificação expedida ou aceita pela Agência.
Destaco, pela sua relevância e clareza, o art. 55 do Regulamento de Avaliação da Conformidade e de Homologação de Produtos para Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 715/2019:
Regulamento de Avaliação da Conformidade e de Homologação de Produtos para Telecomunicações.
Art. 55. A homologação é pré-requisito obrigatório para a utilização e a comercialização, no País, dos produtos abrangidos por este Regulamento.
Portanto, não há qualquer dúvida que produtos para telecomunicações, nos termos estabelecidos pela Anatel nos seus atos normativos, sejam submetidos ao processo de certificação e homologação da Agência para que possam ser utilizados e comercializados em território brasileiro.
Preocupada com o avanço do comércio de produtos de telecomunicações não homologados, desde 2018, a Anatel promove o Plano de Ação de Combate à Pirataria - PACP com o objetivo de fortalecer a atuação da fiscalização da Agência no combate à comercialização e à utilização de equipamentos para telecomunicações sem homologação.
Em 2018, ou seja, 6 (seis) anos antes da Cautelar, a Agência notificou, pelo Ofício nº 147/2018/SEI/ORCN/SOR-ANATEL (SEI nº 12216263) os Marketplaces para sugerir "que seja requisito obrigatório no procedimento de inclusão de anúncios de produtos de telecomunicações na página de Vossa Senhoria a inserção do número do código de homologação do produto junto à Anatel".
Especificamente quanto às medidas para impedir a venda de produtos não homologados nas plataformas de comércio eletrônico, em 2021, ou seja, 3 anos antes da cautelar objeto de recurso, a Agência iniciou o diálogo com as plataformas, para que essas adotassem, de forma proativa, "providências de aspectos preventivo ou repressivo no intuito de minimizar o risco de disponibilização de produtos de telecomunicações não homologados".
Destaco do Informe nº 63/2024/ORCN/SOR (SEI nº 12160346):
"3.47. Em resposta, por meio do Instituto do Desenvolvimento do Varejo (IDV), as pessoas jurídicas responsáveis por alguns das maiores plataformas de comércio eletrônico do país manifestaram a intenção de reunir com a Agência para tratar do assunto. Em 30 de junho de 2021, as referidas empresas se reuniram, de forma remota, com a Anatel, ocasião em que houve uma apresentação sobre a legislação acerca da certificação e homologação de produtos para telecomunicações e sobre a necessidade de as empresas adotarem medidas que evitassem os anúncios e a comercialização de produtos não homologados. Por solicitação das empresas, as reuniões seguintes ocorreram de forma individualizada.
3.48. Com as tratativas entre as empresas, por meio de reuniões, a Anatel sugeriu que cada empresa desenvolvesse ferramentas para impedir o cadastro de anúncios de produtos não homologados, seguindo as etapas: 1º) inclusão do código de homologação opcional no cadastro de um tipo de produto pré-definido; 2º) ampliação da inclusão do código de homologação para outros tipos de produtos, até chegar a todos os produtos para telecomunicações; 3º) inclusão do código de homologação obrigatório no cadastro de todos os produtos; 4º) comparação dos códigos de homologação dos produtos cadastrados nas plataformas digitais com os códigos de homologação na base de dados da Anatel, bloqueando os produtos quando divergentes.
3.49. Como resultado, 3 (três) empresas decidiram seguir as sugestões apresentadas pela Anatel, porém em prazos diferentes. No entanto, estas empresas não concluíram todas as etapas propostas pela Anatel. Algumas foram mais adiante e outras ficaram nas etapas iniciais, razão pela qual ainda se observa, atualmente, produtos não homologados sendo comercializados nas plataformas digitais destas empresas. Saliente-se que algumas das empresas manifestaram a intenção de não adotar medidas para coibir o cadastro de produtos não homologados.
3.50. Em julho de 2022, considerando o teor do Parecer nº 453/2021/PFE-ANATEL/PGF/AGU (SEI nº 7301276), que concluiu pela possibilidade de responsabilização administrativa das plataformas de comércio eletrônico, foram realizadas ações de fiscalização presenciais em Centros de Distribuição (CD) de plataformas de comércios eletrônico, localizados nos Municípios de São Paulo, Cajamar/SP, Louveira/SP e Minas Gerais, ocasião em que foram apreendidos milhares produtos para telecomunicações não homologados. Entre os produtos irregulares encontrados, destacam-se carregadores de celulares, power bank, smartwatch, caixas de som bluetooth, fones de ouvido e telefones celulares.
3.51. Ao término das ações de fiscalização, representantes das empresas procuraram a Agência e manifestaram o interesse de se reunir e discutir o tema. Após a realização de reuniões individuais, algumas empresas continuaram as tratativas para a adoção de medidas de bloqueio de anúncios de produtos não homologados, porém de forma lenta e ineficaz.
3.52. Ressalta-se, que a Anatel sempre fiscalizou, de forma pontual, as denúncias apresentadas de comercialização de produtos para telecomunicações não homologados nas plataformas de comércio eletrônico, conforme competências e atribuições previstas no Regimento Interno da Anatel (RIA), aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013."
Dois anos depois desse primeiro contato, ou seja, um ano antes de expedição da Cautelar, não tendo sido obtidos resultados relevantes, a Anatel decidiu instaurar Procedimentos de Fiscalização Regulatória (PFR) em face das maiores empresas de comércio eletrônico do país, com o intuito de tornar o processo de regularização de anúncios de produtos para telecomunicações nas plataformas mais efetivo e abrangente, e garantir a segurança dos consumidores e das redes de telecomunicações.
Prossegue o Informe nº 63/2024/ORCN/SOR (SEI nº 12160346):
"3.54. Na ocasião, as empresas foram notificadas para apresentação de um Plano de Conformidade, nos moldes do art. 51, do Regulamento de Fiscalização Regulatória, que contemplasse alguns compromissos mínimos, a saber: (i) implementação do campo do código de homologação obrigatório no cadastro de todos os produtos para telecomunicações; (ii) validação do código de homologação dos produtos cadastrados em relação aos códigos de homologação da Base de Dados da Anatel, a fim de bloquear os produtos que apresentem códigos divergentes ou inexistente; (iii) retirada de todos os anúncios de produtos para telecomunicações não homologados já existentes na plataforma digital; e (iv) elaboração e envio à Anatel da lista de fornecedores (sellers) que infringiram (burlaram) as medidas adotadas pelas plataformas para bloqueio de anúncios de produtos não homologados (indicar a data ou a periodicidade de apresentação à Anatel).
3.55. Inicialmente as empresas notificadas alegaram dificuldades técnicas para implementação das medidas solicitadas pela Anatel, porém, apresentaram propostas de Planos de Conformidade. Contudo, as propostas apresentadas careciam de alterações, devido a ausência de compromissos mínimos, razão por que as empresas foram notificadas para adequação das propostas, em observância ao disposto no art. 52, §§ 1º e 2º, do Regulamento de Fiscalização Regulatória.
3.56. Findo os prazos concedidos para manifestação, apenas 2 (duas) empresas, quais sejam, o Carrefour e a Shopee, apresentaram propostas de Plano de Conformidade, que foram devidamente aceitas pela Anatel, em consonância com o disposto no art. 53, do Regulamento de Fiscalização Regulatória (SEI nº 10856157 e nº 10759689)."
Por entender que as ações adotadas previamente à Cautelar trazem contexto adicional e relevante ao julgamento do recurso, passo a ressaltar alguns pontos sobre a tramitação dos processos pretéritos em relação ao ora Recorrente (Carrefour).
Em relação ao Carrefour, foi instaurado, em maio de 2023, o Processo nº 53542.001916/2023-11 para avaliação do procedimento de regularização.
Destaca-se que, no âmbito do referido processo, o Carrefour apresentou Plano de Conformidade (SEI nº 10285585), em que apontava para o desenvolvimento de diversas medidas para o enfrentamento do problema de comercialização de aparelhos celulares não homologados. Dentre as atividades, destaco as seguintes:
Data Proposta |
Atividade |
---|---|
31/07/2023 |
Desenvolvimento da integração para exibição do código de homologação no anúncio |
31/10/2023 |
Validação automatizada pela planilha ANATEL com retorno de erro na integração |
31/12/2023 |
Elaboração e envio à ANATEL da lista de fornecedores (sellers) que infringiram (burlaram) as medidas adotadas pelas plataformas para bloqueio de anúncios de produtos não homologados. |
Após análise da Agência e interação com a entidade, o Plano de Conformidade foi modificado (SEI nº 10829163) para prever ainda a exclusão dos anúncios de produtos não homologados até 31 de agosto de 2023.
O Plano de conformidade foi aceito pelo Despacho Decisório nº 3/2023/GR07/SFI (SEI nº 10856157).
Em Outubro de 2024, ou seja, 10 (dez) meses após findos todos os prazos do plano de conformidade, o Informe nº 8/2024/GR07/SFI (SEI nº 12726223) apontou os seguintes achados em relação ao Carrefour:
22% (vinte e dois por cento) dos anúncios não possuíam o campo do código de homologação;
43,33% eram de produtos não homologados;
6,67% (sessenta e seis vírgula sessenta e sete por cento) possuíam produtos com o número do código de homologação não validado;
O Carrefour não enviou a lista de entidades que, utilizando o seu marketplace, burlaram as medidas adotadas pelas plataformas.
Na Petição SEI nº 12835053, além de tentar demonstrar supostos equívocos na fiscalização realizada pela área técnica, o Carrefour destacou que algumas ações previstas no Plano, como a validação automatizada na base de dados da ANATEL, dependiam da assertividade e padronização das informações fornecidas pela Agência, especialmente na inserção do EAN como campo padronizado para cruzamento de dados.
Nesta fase, a Agência se voltou ao presente processo para realizar um balanço das medidas adotadas até então, constatando, conforme relatado no Informe nº 63/2024/ORCN/SOR (SEI nº 12160346) "percentuais altíssimos de comercialização de telefones celulares não homologados em plataformas de comércio eletrônico de grande penetração com a Amazon (51,52% de celulares não homologados), o Mercado Livre (42,86% de celulares não homologados) e as Lojas Americanas (22,86% de celulares não homologados)", concluindo, diante desse cenário, a urgência na atuação administrativa, o que culminou na edição do Despacho Decisório nº 5.657/2024/ORCN/SOR, de 20 de junho de 2024, que determinou cautelarmente medidas às plataformas de comércio eletrônico quanto à comercialização de produtos não homologados.
Como se observa, a Agência tentou, a todo o momento, cooperar, discutir e envolver os marketplaces na solução menos custosa para um problema sério de compliance regulatório. Infelizmente, as empresas não colaboraram de maneira efetiva. Esse histórico demonstra que a Cautelar não foi uma medida que possa ter causado surpresa às entidades, mas sim, a escalada de uma atuação evidentemente responsiva da Agência, durante anos, quanto a uma atividade patentemente ilícita e irregular .
Do recurso administrativo manejado pelo carrefour (SEI nº 12230568)
Conhecimento do Recurso
Como exposto acima, o Recurso Administrativo manejado pelo Carrefour foi conhecido pelo Superintendente de Outorga e Recursos à Prestação no Despacho Decisório nº 7541/2024/ORCN/SOR (SEI nº 12322151).
De fato, o recurso administrativo foi interposto tempestivamente, por pessoa com poderes para tanto (vide SEI nº 12230569), a entidade tem interesse recursal, a esfera administrativa não estava exaurida e o posicionamento da entidade não contraria entendimento fixado em Súmula da Agência.
Sem mais questões formais a serem tratadas, passo à análise do mérito.
Do mérito recursal
O Carrefour inicia seu recurso resgatando as atividades desenvolvidas pela Agência em função do Plano de Ação de Combate à Pirataria – PACP, no âmbito do qual a Agência vem atuando junto às plataformas de comércio eletrônico, incluindo o Carrefour, para a adoção de medidas objetivando o combate à comercialização e à utilização de equipamentos de telecomunicações sem a devida homologação. Digno de nota que a empresa ressalta sua "surpresa" pela edição da cautelar e consigna que dada a sua postura colaborativa, deveria ter tido um tratamento individualizado.
É oportuno destacar, contudo, que a cautelar foi medida da Agência adotada cerca de 3 (três) anos após o início do diálogo mais próximo com os marketplaces. Não foi uma surpresa que a Agência estava preocupada com o tema da comercialização de produtos não homologados e que, há muito, solicitava a adoção de providências pelos regulados.
Quanto à individualização da conduta, destaco que na ocasião da edição da cautelar, o Carrefour foi considerado uma empresa "conforme", individualizando-se a sua conduta de maneira efetiva ante aos elementos probatórios existentes na ocasião.
Suposta Inobservância do rito regulatório para imposição de obrigações
Passando efetivamente ao mérito recursal, o primeiro argumento do Carrefour é o de que as obrigações estampadas na Cautelar deveriam passar pelo rito regulatório previsto no art. 59 e seguintes do Regimento Interno da Anatel, com consulta pública e Análise de Impacto Regulatório.
Primeiramente, não há qualquer dúvida ou obscuridade de que a comercialização de produtos não homologados é um ato ilícito e infração à regulamentação desta Agência. Nesse sentido, seja uma venda direta, seja pela intermediação de vendas de terceiros em sua plataforma, com ou sem logística integrada, estamos diante de uma irregularidade.
Nesse sentido, em face de uma ilicitude, é dever desta Agência fazê-la cessar, utilizando todos os instrumentos ao seu dispor, inclusive com a utilização de medidas cautelares, conforme previsto no art. 52 de seu Regimento Interno:
Regimento Interno da Anatel
Art. 52. A Agência poderá, motivadamente e observadas as competências estabelecidas neste Regimento, adotar medidas cautelares indispensáveis para evitar dano grave e irreparável ou de difícil reparação, sem a prévia manifestação do interessado.
Veja-se que todas as medidas elencadas no referido despacho cautelar se destinam, exclusivamente, a garantir um processo de verificação mínimo da homologação dos produtos vendidos na plataforma das entidades respectivas e comunicação aos potenciais adquirentes de que os produtos em questão são homologados pela Agência.
Não há, portanto, imposição de "obrigação nova" à entidade em questão, mas apenas a imposição de medidas para que a obrigação previamente existente seja cumprida de maneira adequada por entidades que são responsáveis por uma enorme fatia do mercado de comercialização de produtos não homologados no país.
Sem essas medidas, as plataformas estavam comercializando um elevado volume de aparelhos não homologados, o que não deve, como visto, acontecer e pode, perfeitamente, ser objeto de medidas cautelares, um instrumento há longa data consolidado no direito brasileiro e utilizado em diversos âmbitos, inclusive nesta Agência.
De toda forma, é importante consignar que a Proposta de Reavaliação do Regulamento de Avaliação da Conformidade e de Homologação de Produtos para Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 715, de 23 de outubro de 2019, é o item 18 da Agenda Regulatória 2025/2026 desta Agência, estando em fase de sua aprovação final sob a relatoria do Conselheiro Alexandre Freire.
Suposta impossibilidade de cumprimento das obrigações impostas no Despacho Decisório pela ausência do Código GTIN (Antigo EAN).
Segundo a entidade, a Cautelar "impôs uma série de determinações que dependem não só de ações pelo Carrefour, mas da cooperação e participação da própria Agência para alinhamento e cruzamento das informações".
O cerne da questão é assim descrito: "o obstáculo operacional e sistêmico decorre da ausência de dados convergentes entre a base de dados da ANATEL e dos fornecedores/fabricantes dos equipamentos, sobretudo a falta do código EAN de cada produto na base de dados da Agência".
O Informe nº 2/2025/ORCN/SOR (SEI nº 13144931) assim se pronuncia quanto a esse ponto:
3.33. Primeiro, verifica-se que o código GTIN (antigo código EAN) é largamente utilizado, em nível mundial, por fabricantes em geral, e mesmo por plataformas de comércio eletrônico, para controle de estoque, processo de vendas e a logística, sendo essencial em operações de varejo e distribuição, e que, por intermédio dele, é possível identificar univocamente um produto e estabelecer sua origem. Nesse ponto, esclareça-se que os 3 primeiros dígitos indicam onde o produto é fabricado ou quem é o seu responsável, sendo que para o Brasil os códigos são 789 ou 790.
3.34. E, em relação aos códigos de homologação, a Anatel disponibilizou base pública com todos os produtos já homologados, para que as plataformas de comércio eletrônico a consultassem, o que não se afigura legítimo arguir como impeditivo do controle debatido e nem da incompletude da base. Ademais, se há dúvidas sobre a legalidade do produto, a publicação do anúncio não deve ser feita até que a dúvida seja dirimida, preservando-se assim o consumidor, e não ao contrário (como quer o agente econômico).
3.35. Conforme apontado, é dever de cautela da plataforma no contrato firmado com o anunciante, como pressuposto de validade do negócio jurídico, verificar a licitude do que será anunciado, sendo o código de homologação do produto e o seu código GTIN ferramentas eficazes nesse controle.
De certo, a utilização do Código GTIN (antigo EAN) e a apresentação de um maior volume de informações deve ser conveniente à entidade sob o ponto de vista operacional, todavia, o fato é que o dever de correspondência entre o produto que está sendo comercializado e o código de homologação é da Recorrente.
A Agência PODE colaborar com o provimento de informações, disponibilização de dados abertos, criação de APIs (em português, Interfaces de Programação de Aplicações) e outros elementos similares, como forma de facilitar o compliance, todavia, a obrigação prevista na cautelar está relacionada ao código de homologação dos produtos.
No presente caso, inclusive, indo além do que seria necessário, esta Agência articulou junto a fabricantes e outras entidades o cruzamento entre os códigos GTIN e os Códigos de Homologação dos aparelhos e forneceu a lista à Recorrente, que a entendeu insuficiente indicando apenas, em seu recurso, que 18 (dezoito) aparelhos não teriam sido identificados pelo código GTIN.
Destacamos que se a lista apresentada é insuficiente para seus processos internos, cabe à entidade Recorrente montar a sua própria lista para cruzamento das informações e adequação de seu site por meio do contato com seus fornecedores, bancos de dados públicos disponíveis ou verificação das informações constantes da caixa dos aparelhos que comercializa e não meramente indicar uma dificuldade genérica. Uma vez alimentado o código EAN no banco de dados da empresa, novas consultas seriam desnecessárias visto que esse é permanente para cada um dos modelos.
Não se trata, de forma alguma, de obrigação impossível, como quer fazer crer a entidade.
Da suposta ofensa ao princípio da razoabilidade pela não previsão de um "percentual de irregularidade aceitável"
O Carrefour também sustenta uma suposta "ofensa ao princípio da razoabilidade" já que pelo dinamismo e "formato comercial inerente às plataformas de comércio eletrônico, é natural e intuitivo concluir pela inviabilidade de retirada de 100% anúncios irregulares", citando exemplos em que a Agência teria previsto percentuais mínimos de descumprimento. Sugere margem de tolerância de 10% (dez por cento) para que a empresa seja considerada "Conforme"
Nos termos da Decisão recorrida, a empresa tem sua classificação de conformidade vinculada a dois fatores: (a) percentual de anúncios irregulares; e (b) aderência às providências determinadas na cautelar.
Ignorando os critérios temporários, que vigoraram até 15 (quinze) dias após a edição da cautelar, a empresa é classificada da seguinte forma:
Conforme, se tem 0% de anúncios irregulares, independentemente da aderência às providências determinadas na cautelar (art. 2º);
Parcialmente conforme, se tem até 30% de anúncios irregulares E aderiu às medidas indicadas na cautelar (art. 3º); ou
Não conforme, se tem mais do que 30% de anúncios irregulares OU não aderiu às medidas indicadas na cautelar (art. 4º).
Somente as empresas NÃO CONFORMES serão sancionadas, nos termos do art. 6º da Cautelar.
Dessa forma, verifica-se que para as empresas que aderem às medidas, há margem de descumprimento sem implicação das sanções previstas no art. 6º.
O que não é possível, todavia, é que a Agência atribua à referida empresa que tem até 10% (dez por cento) de anúncios irregulares a nomenclatura de "Conforme" simplesmente porque essa não é a realidade de quem tem um volume tão expressivo de anúncios irregulares.
Das questões relacionadas à dosimetria das sanções previstas
Segundo o Carrefour, não teria sido indicada a motivação para a cominação das multas constantes da decisão recorrida, que ainda se afigurariam extremamente "gravosas" e "desproporcionais".
Preliminarmente, é oportuno destacar que a Decisão Recorrida foi adotada 6 (seis) anos após a primeira recomendação de que os marketplaces realizassem procedimento de validação dos Códigos de Homologação, 3 (três) anos após os primeiros diálogos com as empresas e 1 (um) ano após a abertura dos processos de fiscalização regulatória em desfavor dos marketplaces.
Adicionalmente, é importante registrar que existem 2 (dois) grupos de anúncios nos sites das plataformas de comércio eletrônico: (a) os anúncios realizados pelas próprias plataformas; e (b) os anúncios realizados por terceiros, na condição de "parceiros". Estes últimos se subdividem em dois grupos: (b.1) aqueles em que a logística está a cargo da plataforma; e (b.2) aqueles em que a logística está integralmente a cargo dos parceiros.
Para o Grupo "a" (produtos da própria plataforma, conhecidos como "first party"), o controle ponta a ponta da cadeia está a cargo das plataformas e a aquisição de produtos não homologados está inteiramente sob sua responsabilidade.
Para o Grupo "b" (produtos de terceiros, conhecidos como "third party"), as plataformas tem um relevante incentivo econômico para "fechar os olhos" para eventuais ilicitudes de seus parceiros.
O primeiro desses incentivos econômicos é a comissão.
O Carrefour, por exemplo, quando da adesão de um parceiro, realiza um "pré-aceite" (https://carrefourbr.vtexassets.com/arquivos/Pre-Aceite-marketplace.pdf, acesso em 08/06/2025) que prevê comissão provisória de 14% sobre o valor de vendas:
"Contrato Pré-Aceite Carrefour"
3.2. Para o período anterior à assinatura do CONTRATO pelo VENDEDOR será aplicada a comissão de 14% sobre o GMV (produto + frete)
O valor efetivo da Comissão é decorrente do contrato com a empresa, todavia, utilizando a referida Comissão "provisória" como referência, na comercialização de um produto não homologado de R$ 3.000,00 (três mil reais), o Carrefour receberia, sem quaisquer outros custos além dos de manutenção da plataforma onde comercializa seus próprios produtos, R$ 420,00 (quatrocentos e vinte reais) pela mera exibição do anúncio, recolhimento e repasse dos valores.
O segundo é o "escudo" da responsabilidade do terceiro em face de suas obrigações regulatórias.
Apreendidas as mercadorias pela fiscalização da Anatel, essas são de responsabilidades dos terceiros, cabendo apenas à plataforma o fullfilment do pedido (logística de entrega e armazenamento). Na prática, o que se verifica, por exemplo, é que é até conveniente a essas plataformas que a Agência apreenda - e não efetue simplesmente a lacração dos lotes de produtos irregulares na sede da empresa - porque caem os seus custos de armazenagem.
É um cenário em que essas empresas ganham de todos os lados e as medidas adotadas pela Agência devem ser aptas a gerar um desincentivo efetivo a empresas com relevante poder econômico.
Dessa forma, a Agência não teve outra alternativa senão estabelecer valores de multa compatíveis ao porte econômico dos marketplaces.
De fato, como visto no tópico anterior, as sanções em questão são adotadas em face de entidades que: (a) não se comprometeram com a regularização de suas condutas; ou (b) mesmo que tenham se comprometido, ainda mantêm mais de 30% (trinta) por cento dos anúncios irregulares.
Ou seja, as sanções são destinadas a entidades que, de maneira resumida, não se comprometeram com a adoção de medidas para evitar a comercialização de aparelhos não homologados ou que adotaram medidas de maneira absolutamente inefetiva.
A progressão da multa diária e das consequências adicionais pode ser resumida na forma da tabela a seguir:
|
Astreintes |
Consequências adicionais |
Dias 1 a 10 |
Multa diária de R$ 200.000,00 (Inciso I) |
- |
Dias 11 a 20 |
Multa diária majorada para R$ 1.200.000,00 (inciso I + Inciso II) |
Retirada de anúncios de telefones celulares (inciso II) |
Dias 21 a 25 |
Multa Diária majorada para R$ 7.2000.000,00 (Inciso I + Inciso II + Inciso III) |
Retirada de anúncios de todos os equipamentos que utilizem radiofrequência (inciso III) |
Dias 26 e seguintes |
Sem novos agravamentos |
Bloqueio do domínio da plataforma até regularização dos anúncios (inciso IV) |
Ao fim do 25º dia, a sanção atinge o valor de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), não tendo sido, até o momento, adotadas as sanções previstas no inciso IV do art. 6º da Decisão Recorrida em face de qualquer plataforma.
O valor mencionado no parágrafo anterior - frise-se: caso extremo de descumprimento - ainda assim é correspondente a 3,4% do EBITDA do Carrefour no 1º Trimestre de 2025 (Vide dados em https://ri.grupocarrefourbrasil.com.br/wp-content/uploads/sites/174/2025/05/Q125_Presentation_VF_PT.pdf) não sendo, portanto, incompatível com o seu porte econômico.
Dessa forma, considerando que: (a) o valor da sanção é compatível com uma pequena parcela dos valores financeiros do grupo em questão; (b) a sanção seria aplicada apenas em caso de flagrante descumprimento das obrigações da cautelar, entende-se que, ao contrário do ressaltado pela entidade, o valor da referida sanção não se revela gravoso ou desproporcional, tendo sido desenhado para desincentivar a eventual adoção de práticas ilícitas por plataformas de comércio eletrônico com elevado poderio econômico.
Por todo o exposto, entendo por conhecer e indeferir os pedidos formulados no Recurso Administrativo interposto pelo Carrefour.
Do pedido de ingresso como terceiro interessado formulado por Câmara-e.Net
Como exposto, em 28 de novembro de 2024, a Câmara Brasileira de Economia Digital (Câmara-E.NET) apresentou petição solicitando a sua habilitação como amicus curiae neste processo.
Preliminarmente, destaco esta Agência nunca regulamentou a possibilidade de aplicação do art. 138 do Código de Processo Civil aos Processos Administrativos no âmbito desta Agência, por força do art. 15 do referido diploma, para assegurar a participação no processo de pessoa, órgão ou entidade especializada, com representatividade adequada.
Todavia, entendo que o interesse da entidade que postula seu papel de amicus curiae, em realidade, se confunde com os próprios interesses das partes envolvidas.
De fato, segundo o seu site (https://camara-e.net/), a Câmara-e.net indica representar Amazon, Carrefour, Magazine Luiza, Americanas e Mercado Livre, em outras palavras, representa 5 (cinco) das 7 (sete) entidades envolvidas na Cautelar. Essa informação é reiterada por documentos constantes deste processo, a exemplo das fls. 62 e 103 do Documento SEI nº 12947084.
Dessa forma, a sua atuação não se dá como amicus curiae, mas sim, como legítima representante dos interesses das entidades contra a qual esta Agência praticou o ato - o que se observa de sua manifestação, bastante parcial -, motivo pelo qual não vislumbro, no caso concreto, contribuições que a referida entidade poderia trazer ao presente processo que se desvinculem das contribuições de seus próprios associados, já partes legítimas a atuar administrativamente por serem destinatários da cautelar exarada e combatida.
Destaco, sobre o assunto, precedente do Supremo Tribunal Federal:
"CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AMICUS CURIAE. PEDIDO DE HABILITAÇÃO NÃO APRECIADO ANTES DO JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE NULIDADE NO ACÓRDÃO RECORRIDO. NATUREZA INSTRUTÓRIA DA PARTICIPAÇÃO DE AMICUS CURIAE, CUJA EVENTUAL DISPENSA NÃO ACARRETA PREJUÍZO AO POSTULANTE, NEM LHE DÁ DIREITO A RECURSO. 1. O amicus curiae é um colaborador da Justiça que, embora possa deter algum interesse no desfecho da demanda, não se vincula processualmente ao resultado do seu julgamento. É que sua participação no processo ocorre e se justifica, não como defensor de interesses próprios, mas como agente habilitado a agregar subsídios que possam contribuir para a qualificação da decisão a ser tomada pelo Tribunal. A presença de amicus curiae no processo se dá, portanto, em benefício da jurisdição, não configurando, consequentemente, um direito subjetivo processual do interessado. 2. A participação do amicus curiae em ações diretas de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal possui, nos termos da disciplina legal e regimental hoje vigentes, natureza predominantemente instrutória, a ser deferida segundo juízo do Relator. A decisão que recusa pedido de habilitação de amicus curiae não compromete qualquer direito subjetivo, nem acarreta qualquer espécie de prejuízo ou de sucumbência ao requerente, circunstância por si só suficiente para justificar a jurisprudência do Tribunal, que nega legitimidade recursal ao preterido. 3. Embargos de declaração não conhecidos”. (STF, ADI 3460-ED, rel. min. Teori Zavascki, Plenário, DJe de 11.03.2015)
Por esse motivo, nego o ingresso da Câmara-e.net como amicus curiae nesse processo.
Porém, recebo o documento SEI nº 12947084 como mero exercício do direito de petição das interessadas neste processo, por meio de sua associação representativa.
Superada a questão do ingresso da entidade e adentrando ao mérito da referida petição, a Câmara-E.Net aponta que a Anatel não teria competência para expedir a cautelar em questão, aduzindo que isso teria sido admitido pelo próprio "Diretor-Presidente" (sic) da Anatel em matéria jornalística.
Optei por acessar o link fornecido e verifiquei que houve evidente distorção da fala do Presidente da Agência, que se deu no contexto do debate sobre o Projeto de Lei nº 2.630/2020 e da EXPANSÃO das competências desta Agência para a Regulação de Plataformas de maneira mais ampla e não uma "confissão" específica sobre a falta de competência frente às questões tratadas neste processo.
O caso dos autos trata de questão relacionada à comercialização de produtos não homologados, o que é um evidente ilícito e está abrangido, sem qualquer margem para dúvidas, sob as competências desta Agência.
Consignado este desagravo público, destaco que a petição confirma a consciência da ilicitude da conduta de comercialização de produtos não homologados pelas entidades representadas pela Câmara-e.net:
"35. Em seus Termos de Uso e/ou em políticas específicas de Itens Proibidos para serviços de Marketplace, as plataformas possuem regras próprias, que vedam o anúncio de determinados tipos de produtos, destacandose a previsão da vedação da comercialização de produtos não homologados pelos órgãos competentes. Nesse sentido, a título exemplificativo, a previsão contratual de alguns dos maiores marketplaces:
(...)
36. E, para o cumprimento da legislação e das regras da plataforma, por compliance interno e no atendimento de demandas judiciais e uma infinidade de reguladores públicos, em face da variedade de produtos ofertados (SENACON, ANVISA, ANATEL, ANP, etc), as empresas investem em métodos de controle cada vez mais sofisticados.
(...)
37. As empresas de e-commerce investem grandes volumes de recursos financeiros, humanos e tecnológicos para realizar a moderação do conteúdo veiculado em suas plataformas e coibir a violação da lei ou de seus Termos de Uso.
38. Em especial, e tendo em vista a constatação da veiculação por usuários anunciantes de produtos proibidos, as plataformas, de uma forma geral, desenvolveram diversos meios de controle interno e externos, a exemplo:
- Moderação Interna Proativa – desenvolvimento de soluções técnicas, baseadas em Inteligência Artificial (o que gera uma retirada proativa e exponencial de anúncios de produtos proibidos) para proteção da propriedade intelectual, identificação de produtos irregulares e destinação de equipes para análise de anúncios e de denúncias.
- Ferramentas de detecção e remoção de ofertas de produtos contrafeitos, não homologados ou proibidos – as plataformas investem em recursos tecnológicos que permitam a identificação rápida de conteúdo desconforme, possibilitando sua suspensão ou remoção mesmo antes de denúncia por outro usuário ou detentor de propriedade intelectual.
(...)
- Inclusão do Campo do Número de Homologação nos Anúncios de produto sujeitos – As plataformas, em colaboração com os órgãos governamentais, exigem a indicação do número de homologação nos anúncios de produtos sujeitos a tal, antes do anúncio poder ser veiculado na plataforma.
(...)
- Programas Específicos de Colaboração com Órgãos Governamentais – as plataformas, ainda, destinam canais específicos para denúncias por órgãos públicos, facilitando a localização, a denúncia de eventuais anúncios de produtos irregulares na plataforma, permitindo também a obtenção facilitada de informações sobre os respectivos usuários vendedores/fornecedores infratores.
39. São diversos os mecanismos de controle empregados, visando uma identificação prévia dos anúncios irregulares. Do mesmo modo, de uma maneira geral, para além dos canais gerais de denúncia, disponibilizados em cada link de anúncio, as plataformas disponibilizam canais específicos aos fabricantes e aos órgãos públicos interessados, a fim de tornar mais rápida e automática a derrubada de anúncios irregulares."
A entidade, contudo, aponta que existiriam "dificuldades técnicas envolvendo a vasta quantidade de anúncios veiculados nas plataformas, como também o fato de que o controle prévio de conteúdo disponibilizado pelos usuários é inviável em face da possibilidade quase infinita de busca de meios de burla a cada novo processo de fiscalização".
De pronto, abro um parêntese para pontuar que as entidades que, efetivamente, tivessem adotado as medidas indicadas na transcrição acima, muito provavelmente estariam ao menos na categoria "parcialmente conforme" da decisão recorrida, não se sujeitando a sanções, como já apontado nesta Análise.
O restante da petição tem elementos bastante similares aos contidos no Recurso do Carrefour e devidamente tratado no Informe nº 2/2025/ORCN/SOR (SEI nº 13144931), o qual acolho para os fins do art. 50, § 1º, da Lei nº 9.784, de 1999, e nesta Análise.
Passo, contudo, a tratar de alguns pontos que entendo serem mais relevantes.
O primeiro deles é o argumento no sentido de que a Anatel não teria competência para fiscalizar as plataformas, apenas para regular o uso de equipamentos de telecomunicações. Na visão da Associação, tal competência não teria sido expressamente atribuída pela Lei à Agência.
A questão já foi tratada mais acima nesta Análise, quando do enfrentamento do recurso do Carrefour e fixação do entendimento de legalidade das medidas adotadas pela Agência com fulcro na LGT e na Resolução nº 715/2019.
Todavia, entendo oportuno ressaltar que, mesmo que admitíssemos que a LGT traria apenas competência expressa para que a Agência regulamente o USO de produtos de telecomunicações, ainda assim o STF vem adotando de maneira recorrente a chamada Teoria dos Poderes Implícitos (ou inerentes), pela qual, quando uma lei confere uma competência expressa a um órgão, automaticamente se lhe atribuem os meios e poderes necessários para a exercer de forma eficaz e completa.
Como didaticamente destacado no Informe nº 2/2025/ORCN/SOR (SEI nº 13144931):
"3.92. No paradigmático caso McCulloch v. Maryland, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos da América no ano de 1819, o Chief Justice John Marshall considerou que não havia nenhuma frase na Constituição dos Estados Unidos da América que excluía poderes incidentais ou implícitos e que exigisse que cada competência fosse expressa e minuciosamente descrita [McCulloch v. Maryland, 17 U.S. 406 (1819)].
3.93. Estavam lançadas as bases para a doutrina dos implied powers (poderes implícitos), segundo a qual a Constituição, quando confere atribuição a determinado órgão estatal, assegura, correlatamente, ainda que de modo não expresso, os meios necessários para o seu efetivo cumprimento (a teoria dos poderes implícitos é de longa data reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal - STF. Como exemplo, podemos citar o emblemático RE de nº 76.629/RS, em que o Ministro Aliomar Baleeiro afirmou que, “se o legislador quer os fins, concede os meios (...) se a L. 4.862 expressamente autorizasse o regulamento a estabelecer condições outras, além das que ela estatuir, aí não seria delegação proibida de atribuições, mas flexibilidade na fixação de standards jurídicos de caráter técnico, a que se refere Stati”. Mais recentemente, foi criada a figura da "Reclamação" no STF, exatamente, com base nessa doutrina, como se constata na Rcl 48476 DF).
3.94. Ante o exposto, infere-se que as referências legislativas ao poder/dever de fiscalização por parte da Anatel devem ser interpretadas no sentido de que possuem suficiente densidade normativa para permitir que a função reguladora que lhe foi atribuída por parte da Constituição Federal seja eficazmente desempenhada, devendo ser utilizados todos os meios lícitos a ela inerentes e necessários.
3.95. Ou seja, é inerente à previsão legal de necessidade de que os equipamentos de telecomunicações sejam certificados/homologados para segurança do sistema de telecomunicações e do consumidor que a Anatel tenha a possibilidade de impedir a venda de tais produtos no comércio. Com todas as vênias, entendimento diverso retira por completo a eficácia do ordenamento jurídico setorial, na medida que aparelhos telefônicos móveis e outros equipamentos similares muitas vezes não são adquiridos das prestadoras de serviços de telecomunicações, mas no comércio."
No caso, a forma mais eficiente de vedar o uso de produtos de telecomunicações seria exercer o seu controle de entrada no país e a sua comercialização quando já dentro do território brasileiro, pelo que tais poderes poderiam ser considerados implicitamente deferidos à Agência.
Destaco o argumento apenas para enfrentamento retórico do exposto pela entidade, que se baseia numa interpretação literal e extremamente restritiva das competências atribuídas pela LGT à Anatel e que conduziria a conclusões irrazoáveis caso aplicado no caso concreto.
Adicionalmente, em outro enfoque e numa linha argumentativa ad absurdum, as plataformas de comércio eletrônico estariam vendendo a consumidores finais produtos que, sabidamente, não podem ser utilizados no mercado brasileiro, o que parece um contrassenso. Recairia, então, a responsabilidade ao consumidor hipossuficiente, que, ludibriado pela credibilidade da marca de uma grande plataforma de comércio eletrônico para orientar a sua decisão de consumo de aquisição de produtos legais, regulares e seguros, pagaria por um produto que não pode ser utilizado no território brasileiro e que ainda pode, potencialmente, causar-lhe danos. Tudo isso num cenário em que a plataforma se veria livre de toda e qualquer responsabilidade escudada ainda em seus termos de uso.
De outro lado, é oportuno consignar que na decisão recorrida, a Agência não está se arvorando na condição de censora ou de reguladora das atividades genéricas das plataformas de comércio eletrônico. O que se está realizando são as atividades necessárias para fazer cessar a comercialização ilícita de produtos que não podem ser utilizados no país.
A entidade ainda aponta que existiria uma suposta ofensa aos arts. 18 e 19 da Lei nº 12.965, de 2014, o Marco Civil da Internet, visto que existem precedentes que enquadram os sites intermediadores de comércio eletrônico como provedores de aplicações. Dessa forma, segundo os referidos dispositivos, caberia à Agência procurar o Poder Judiciário para que os conteúdos fossem excluídos, indicando o conteúdo e a URL específica.
O Supremo Tribunal Federal já iniciou o julgamento do Tema de Repercussão Geral nº 987, sob Relatoria do Min. Dias Toffoli, que, em seu voto, proferiu o seguinte entendimento quanto à tese levantada pela Câmara-e.net:
Excerto do Voto do Min. Dias Toffoli, Relator do RE 1037396, leading case do Tema nº 987 no STF
"5. Os provedores que funcionarem como marketplaces respondem objetiva e solidariamente com o respectivo anunciante nas hipóteses de anúncios de produtos de venda proibida ou sem certificação ou homologação pelos órgãos competentes no país (quando exigida), sem prejuízo da responsabilidade por vício ou defeito do produto ou serviço, conforme o Código de Defesa do Consumidor, e da aplicação do regime do art. 21 do MCI, na forma do item 2 desta tese, nas hipóteses residuais;"
Em que pese o julgamento da referida tese ainda estar pendente de conclusão nesta data, me filio ao referido entendimento, cuja tese central - a inconstitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet - já recebeu votos da maioria do Supremo Tribunal Federal ao menos pela sua procedência parcial.
De toda forma, destaco ainda que a finalidade do art. 19, como plasmado no dispositivo de maneira literal, é a proteção de liberdade de expressão dos cidadãos:
"Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário."
As plataformas de comércio eletrônico são efetivamente provedores de aplicações de internet, todavia, o conteúdo por elas administrado não tem vinculação - senão indireta - com a liberdade de expressão.
Veja-se que é até viável discutir se conteúdos como livros, filmes, música e outras expressões intelectuais, artísticas, científicas e de comunicação alcançadas pelos arts. 5º, IX, c/c art. 220 da Constituição Federal eventualmente comercializados nas plataformas representadas pela Câmara-e.net atrairiam a proteção do art. 19 do Marco Civil.
Todavia, este não é o caso dos autos. Não se está diante de uma situação prática que abra essa margem hermenêutica para discussão.
Não. Não há liberdade de expressão envolvida na comercialização de produtos de telecomunicações não homologados quando há ampla e evidente oferta de produtos legais no mercado brasileiro.
Também é pouco provável que o legislador tenha pretendido erigir em norma a interpretação extremada em que plataformas de comércio eletrônico podem se ver livres de qualquer controle administrativo e responsabilidade civil pelo que comercializam.
Alguém cogita razoável que há, no direito brasileiro, uma norma que permitiria que as plataformas em questão comercializem, sem repercussão jurídica, drogas ilícitas, inclusive cobrando vultosas comissões sobre a venda, e que esse conteúdo só possa ser removido após ordem judicial precedida de um alongado levantamento de informações?
Obviamente que não. No caso concreto, estamos apenas trocando o produto ilícito. Saem as drogas, ingressam os aparelhos não homologados, com uso vedado no País.
Por todo o exposto, recebo o documento SEI nº 12947084 como exercício do direito de petição, e, no mérito, indefiro os seus pedidos.
Do Requerimento DE Questão de Ordem SEI nº 13830276
Em 10 de junho de 2025, a Câmara Brasileira da Economia Digital apresentou petição em que junta aos autos Acórdão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região no Processo nº 5016469-10.2024.4.03.6100 e de matéria jornalística sobre a mesma decisão e sustenta que o referido entendimento deveria ser aplicado no presente julgamento.
Não conheço da referida petição, nos termos da Súmula nº 21, de 10 de outubro de 2017, do Conselho Diretor Agência:
Súmula Anatel nº 21
"As petições extemporâneas, quando não caracterizado abuso do exercício do direito de petição, devem ser conhecidas e analisadas pelo Conselho Diretor desde que protocolizadas até a data de divulgação da pauta de Reunião na Biblioteca e na página da Agência na internet.
É facultado o exame dessas petições, no caso concreto, pelo Conselheiro ou pelo Conselho Diretor após o prazo estipulado e até o julgamento da matéria, sobretudo se a manifestação do interessado trouxer a lume a notícia de fato novo ou relevante que possa alterar o desfecho do processo.
Não há necessidade de desentranhamento de petições extemporâneas, ainda que não conhecidas por esse órgão colegiado".
Destaco que a pauta da Reunião do Conselho Diretor de 12 de junho de 2025 foi divulgada em 5 de junho de 2025.
Ademais, em que pese a análise da referida petição seja facultada pela referida súmula, entendo que isso é desnecessário, especialmente por três motivos: (a) a decisão em questão ainda será objeto de recurso por parte desta Agência, não tendo havido seu trânsito em julgado; (b) o acórdão mencionado produz efeitos inter partes, não alcançado as demais entidades; e (c) a decisão é trazida apenas como reforço argumentativo, tendo sido os elementos trazidos pela entidade já devidamente rebatidos nesta Análise.
CONCLUSÃO
Face ao exposto, voto por:
conhecer e negar provimento aos pedidos formulados no Recurso Administrativo SEI nº 12230568, interposto por CARREFOUR COMÉRCIO E INDÚSTRIA LTDA;
negar o ingresso da CÂMARA BRASILEIRA DA ECONOMIA DIGITAL como amicus curiae nesse processo;
receber o documento SEI nº 12947084 como exercício do direito de petição, e, no mérito, indeferir os seus pedidos; e,
não conhecer da Petição SEI nº 13830276, nos termos da Súmula nº 21, de 10 de outubro de 2017, do Conselho Diretor Agência.
| Documento assinado eletronicamente por Cristiana Camarate Silveira Martins Leão Quinalia, Conselheira, Substituta, em 13/06/2025, às 19:28, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel. |
A autenticidade deste documento pode ser conferida em http://www.anatel.gov.br/autenticidade, informando o código verificador 13713149 e o código CRC 3E7F58FD. |
Referência: Processo nº 53500.052644/2024-94 | SEI nº 13713149 |