AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES
Acórdão nº 389, de 24 de dezembro de 2024
Processo nº 53500.113347/2023-41
Recorrente/Interessado: TIM S.A., OI S.A., CLARO S.A., TELEFÔNICA BRASIL S.A.
CNPJ nº 02.421.421/0001-11, nº 76.535.764/0001-43, nº 40.432.544/0001-47 e nº 02.558.157/0001-62
Conselheiro Relator: Raphael Garcia de Souza
Fórum Deliberativo: Reunião nº 939, de 5 de dezembro de 2024
EMENTA
PROCESSO ADMINISTRATIVO REGULATÓRIO. DIREITO DO CONSUMIDOR. SUSPEIÇÃO. PETIÇÕES EXTEMPORÂNEAS. NÃO CONHECIMENTO. ENUNCIADO Nº 21 DA ANATEL. PEDIDOS DE INGRESSO DE TERCEIROS INTERESSADOS INTEMPESTIVOS E SEM CONTRIBUIÇÕES PARA O DEBATE. INDEFERIMENTO. ENUNCIADO Nº 21 DA ANATEL. PEDIDO DE ANULAÇÃO DO REGULAMENTO GERAL DE DIREITOS DO CONSUMIDOR DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES - RGC. PERDA DE OBJETO QUANTO AO ART. 39, § 2º, DO RGC, POR REVOGAÇÃO. NULIDADE DOS ARTS. 21, § 3º, INCISO IV (EM PARTE), 23, 31, § 2º, 34, § 2º, 39, CAPUT (EM PARTE) E § 1º (POR ARRASTAMENTO), 74, E ART. 72, INCISO I, ALÍNEA "A" (POR ARRASTAMENTO), DEMONSTRADA. VALIDADE DAS DEMAIS DISPOSIÇÕES. ATENDIMENTO DOS OBJETIVOS DO DECRETO PRESIDENCIAL Nº 11.378, DE 18 DE OUTUBRO DE 2023, DO PROGRAMA DE APRIMORAMENTO DA QUALIDADE DA REGULAÇÃO BRASILEIRA - QUALIREG, DAS DIRETRIZES DA ORGANIZAÇÃO PARA COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - OCDE, AOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL - ODS DA AGENDA 2030 DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - ONU. INTERPRETAÇÃO DA REGULAMENTAÇÃO. PEDIDO PARCIALMENTE DEFERIDO. DETERMINAÇÕES DIVERSAS AO GRUPO DE IMPLANTAÇÃO.
1. Embora o egrégio Superior Tribunal de Justiça - STJ entenda que é dispensada a juntada dos atos constitutivos da pessoa jurídica, excepciona-se a sua aplicação quando há dúvidas sobre a existência de poderes de representação.
2. Nos termos do entendimento pacificado do egrégio Superior Tribunal de Justiça, a arguição de suspeição é faculdade exclusiva das partes, não se estendendo a terceiros interessados.
3. Consoante entendimento pacificado no egrégio Supremo Tribunal Federal - STF, não se aplicam os institutos de impedimento e suspeição referidos no Código de Processo Civil - CPC nos processos objetivos, cujo escopo não se relaciona à tutela mediata de interesses subjetivos das partes, mas sim para a avaliação da conformidade de normas do ordenamento jurídico em relação às normas superiores.
4. A coautoria de trabalhos acadêmicos ou a coincidência de instituições frequentadas pelo excepto e pelo autor de parecer juntado ao processo não ensejam o reconhecimento de suspeição por amizade íntima.
5. Afasta-se a ocorrência de conflito de interesses, pois não há demonstração de que o Vistor tenha qualquer vínculo, direto ou indireto, com os requerentes no processo.
6. As petições protocoladas após a data de divulgação da pauta de Reunião na Biblioteca e na página da Agência na internet não devem ser recebidas, nos termos do Enunciado nº 21 da Anatel, exceto quando trouxerem contribuições relevantes para o debate, a critério do Conselho Diretor.
7. Os pedidos de ingresso de terceiros apresentados após o limite temporal estabelecido no Enunciado nº 21 da Anatel devem ser indeferidos.
8. Com amparo no entendimento do STF, a revogação superveniente de dispositivo regulamentar impugnado em pedido de anulação acarreta a perda ulterior do seu objeto, restando esta prejudicada quanto a esse. Assim, declara-se a perda de objeto quanto à anulação do art. 39, § 2º, do RGC.
9. Nos termos do art. 21 do Decreto nº 10.411/2020, é válido o ato normativo aprovado sem o cumprimento das formalidades ali estatuídas.
10. Ressalvados os arts. 21, § 3º, inciso IV (em parte), 23, 31, § 2º, 34, § 2º, 39, caput (em parte) e § 1º, 74, e, por arrastamento, o art. 72, inciso I, alínea "a", os pedidos de anulação não demonstram a nulidade das disposições impugnadas à luz da legislação que lhe é superior.
11. O art. 23 do RGC é nulo por violar o art. 51 do Código de Defesa do Consumidor - CDC, aprovado pela Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, ao impossibilitar a alteração de conteúdo de contrato a priori, mesmo que seja de comum acordo entre as partes, incorrendo no risco de, na intenção de proteger o consumidor, prejudicá-lo, ao obrigá-lo a migrar para uma oferta menos favorável às suas necessidades.
12. O art. 31, § 2º, do RGC, é nulo porque permite a migração automática do consumidor sem garantir que a nova oferta seja compatível com suas necessidades, por se basear somente no critério econômico, podendo gerar desequilíbrio contratual e violar o princípio da boa-fé objetiva, afrontando o art. 422 do Código Civil e o art. 4º, III, do CDC. Ressalva-se que essa nulidade não impede a aferição da conformidade da conduta da prestadora à luz do art. 39 e do art. 54 do CDC. Determina-se ao Grupo de Implantação que avalie o emprego de aplicações de ciências comportamentais em prol do bem-estar do consumidor.
13. O art. 34, § 2º, do RGC, numa avaliação mais detida, ao se imiscuir na forma pela qual os colaboradores das prestadoras são remunerados pela captação de clientes, eleva os custos de transação sem demonstração dos benefícios, imiscuindo-se na autonomia negocial em relações que não são regidas pelo CDC. Sem uma avaliação minimamente precisa de suas consequências, apresenta potencial de abuso regulatório.
14. Os arts. 21, § 3º, inciso IV, e 39, caput, ao fazerem referência a expressões que aludem ao “momento da contratação”, incorrem em parcial violação ao art. 2º, § 1º, da Lei nº 10.192/2002, ao possibilitar, na prática, a proibição de reajustes de ofertas por período superior a um ano, criando mais restrições que o escopo da norma em questão. Por sua vez, o art. 39, § 1º, é nulo por arrastamento consequente da nulidade da expressão eliminada do caput.
15. O art. 74 do RGC viola os arts. 109, inciso II, da Lei Geral de Telecomunicações - LGT, para os serviços concedidos e prestados em regime público, e 129 c/c 130 e 109, inciso II, da LGT, ao impor a prestação de serviços gratuitos, ressalvados os de emergência e o Serviço de Atendimento ao Consumidor - SAC, que são objeto de regulamentação específica. Destaca-se, por outro lado, que a cobrança por serviços não prestados, como a cobrança de serviços de dados sem a devida contraprestação, pode caracterizar prática abusiva, nos termos do art. 39 do CDC.
16. A decisão fundamenta-se no Decreto Presidencial nº 11.738, de 18 de outubro de 2023, que dispõe sobre o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação - PRO-REG, no Decreto nº 12.150, de 20 de agosto de 2024, que instituiu a Estratégia Nacional de Melhoria Regulatória - Estratégia Regula Melhor, e no Memorando de Entendimento firmado entre Brasil e Estados Unidos, com o objetivo de prestigiar boas práticas regulatórias. Esse programa adota princípios, estratégias, ações e procedimentos destinados a promover a melhoria da qualidade da regulação por meio do aperfeiçoamento contínuo e simplificação do processo regulatório.
17. A fundamentação está alinhada com o que a OCDE reiteradamente vem recomendando quanto à inibição dos dark patterns para a promoção do bem-estar do consumidor.
18. Identifica-se sintonia com o Objetivo 16 (metas 16.3 e 16.7) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, com a meta 16.3 das metas brasileiras, devidamente revisadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, voltados à universalização do acesso à justiça e à construção de instituições eficazes, responsáveis e inclusivas, na medida em que se busca uma relação mais harmoniosa entre consumidores e fornecedores.
19. Pedido de anulação parcialmente deferido. Interpretação da regulamentação quanto ao caput do art. 21, para restringir o alcance à oferta principal, e quanto ao § 2º do art. 36, para fixar que é possível a renovação automática em caso de consentimento expresso. Determinação ao Grupo de Implantação, no que diz respeito ao registro de ofertas (para excluir facilidades adicionais do alcance do art. 21, caput), à migração automática à caracterização da renovação automática (a qual não será caracterizada quando houver consentimento expresso do consumidor) e à régua de suspensão (para operacionalização da possibilidade de contratação granular de serviços mediante consentimento expresso e informação em linguagem simples), que faça as devidas conformações no Manual Operacional do RGC para compatibilização com o escopo da presente deliberação, empregando-se aplicações das ciências comportamentais.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, acordam os membros do Conselho Diretor da Anatel:
a) não conhecer da Petição Denúncia de Conflito de Interesses (SEI nº 12050064) e do Pedido de Habilitação como Terceiro Interessado, da ASSOCIAÇÃO NEO (SEI nº 12467554);
b) rejeitar a suspeição arguida, nos termos do art. 49, § 1º, do Regimento Interno da Anatel - RIA;
c) indeferir o pedido de ingresso apresentado por IDEC - INSTITUTO DE DEFESA DE CONSUMIDORES;
d) declarar prejudicado o pedido de anulação quanto ao art. 39, § 2º, do Anexo à Resolução Anatel nº 765, de 6 de novembro de 2023, que aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações - RGC, pela sua revogação superveniente;
e) deferir, em parte, o pedido para anular os arts. 23, 31, § 2º, 34, § 2º, 39, § 1º (por arrastamento), 74, 72, inciso I, alínea "a" (por arrastamento), e anular parcialmente, com redução de texto, o art. 21, § 3º, inciso IV - dele retirando a expressão "da data da contratação", e o art. 39, caput - dele retirando a expressão "contados da data da contratação da Oferta pelo Consumidor", todos do Anexo à Resolução Anatel nº 765, de 6 de novembro de 2023, que aprova o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações - RGC;
f) fixar interpretação, com fundamento no art. 133, inciso XXXII, do Regimento Interno da Anatel - RIA, no sentido de que:
f.1) o sentido e alcance do termo "oferta" no art. 21, caput, do novo RGC compreende apenas a oferta principal, com exclusão de produtos e serviços acessórios; e,
f.2) o termo "renovação automática", no art. 36, § 2º, compreende apenas aquelas situações para as quais não houve consentimento expresso do consumidor em tal sentido, sendo válidas as renovações quando prévia e expressamente autorizadas, seja durante a contratação, seja posteriormente a ela;
g) não conhecer das petições extemporâneas (SEI nº 11596399, nº 11596663, nº 11596717, nº 11613522, nº 11613288 e nº 11613672);
h) rejeitar os pedidos de anulação das disposições não mencionadas na alínea "e";
i) determinar ao Grupo de Implantação a que se refere o art. 93 do RGC que proceda às devidas conformações da presente decisão no Manual Operacional referido no seu art. 95, com observância das seguintes diretrizes:
i.1) para os fins do art. 21, caput, considerar o entendimento no sentido de que o termo "oferta" compreende apenas a oferta principal, com exclusão de facilidades adicionais que não são inerentes ao serviço que se pretende contratar;
i.2) no que diz respeito ao sentido e alcance do art. 36, § 2º, do RGC, fixa-se entendimento no sentido de que o termo "renovação automática" compreende apenas aquelas situações para as quais não houve consentimento expresso do consumidor em tal sentido, sendo válidas as renovações quando prévia e expressamente autorizadas, seja durante a contratação, seja posteriormente a ela;
i.3) para mitigar os riscos de que o consumidor fique sem serviço de telecomunicações em virtude de sua inércia, empregue soluções das ciências comportamentais para estimulá-lo a ter uma postura ativa perante o seu contrato;
i.4) para os fins do art. 39, fazer, caso necessário, os devidos ajustes no Manual Operacional para que ali sejam consignadas as rotinas que permitam ao consumidor internalizar adequadamente a data-base do contrato, de modo a poder avaliar adequadamente se deve ou não contratar determinado produto de telecomunicações;
i.5) caso haja transcurso do prazo do art. 70 sem pagamento, emprego de default de suspensão total dos serviços, com exceção dos serviços gratuitos por força de Lei, Decreto ou Regulamento, sem que haja cobrança do consumidor a partir daí; e,
i.6) a critério da prestadora, em avaliação objetiva e não-discriminatória, possibilidade de o consumidor optar pela continuidade dos demais serviços prestados mediante cobrança - isto é, de forma onerosa - desde que atendidos os seguintes pontos:
i.6.1) manifestação expressa do consumidor após a suspensão do serviço, que denote sua intenção inequívoca nessa contratação. Trabalha-se com a premissa de que a suspensão dos serviços pagos, mas sem a possibilidade de cobrança a partir do transcurso do prazo do art. 70 do RGC, é mais benéfica ao usuário, empregando-se, aqui, um nudge (SUNSTEIN, 2021, p. 9-10). No entanto, permite-se-lhe que proceda a tal contratação após um processo de escolha com mais obstáculos, de forma que a confirmação se transforme em instrumento que lhe permita refletir sobre as suas consequências, especialmente as de caráter financeiro;
i.6.2) identificação granular dos serviços que serão efetivamente fornecidos, com indicação do valor individual de cada um deles e do valor total a ser pago pelo consumidor; e,
i.6.3) emprego de linguagem simples, intuitiva e direta que permita que o consumidor facilmente compreenda as consequências da escolha realizada;
j) dar conhecimento da presente decisão ao Centro de Altos Estudos em Comunicações Digitais e Inovações Tecnológicas - Ceadi, para adoção das providências que entender cabíveis relativamente ao Nudge.lab; e,
k) cumpridas as determinações acima, arquivar o processo.
Com relação às alíneas "d" a "f" e "i" a "k", a decisão foi por maioria de quatro votos, nos termos propostos pelo Conselheiro Alexandre Reis Siqueira Freire por meio do Voto nº 15/2024/AF (SEI nº 12633519), integrante deste acórdão. Votou vencido nestes pontos o ex-Conselheiro Substituto Raphael Garcia de Souza, Relator, que havia registrado seu posicionamento na Reunião nº 930, de 7 de março de 2024, por meio da Análise nº 4/2024/RG (SEI nº 11509210), também integrante deste acórdão.
Quanto às alíneas "g" e "h", a decisão foi por unanimidade, nos termos propostos pelo ex-Conselheiro Substituto Raphael Garcia de Souza, Relator, nos termos da Análise nº 4/2024/RG (SEI nº 11509210).
O Conselheiro Substituto Daniel Martins D Albuquerque não proferiu voto manifestando seu entendimento em relação às alíneas "d" a "k", nos termos do § 2º do art. 5º do Regimento Interno da Anatel, por suceder o ex-Conselheiro Substituto Raphael Garcia de Souza, Relator, que havia registrado seu posicionamento na Reunião nº 930, de 7 de março de 2024, participando da deliberação referente a estas alíneas o Presidente Carlos Manuel Baigorri, os Conselheiros Alexandre Reis Siqueira Freire e Vicente Bandeira de Aquino Neto, o Conselheiro Substituto Vinícius Oliveira Caram Guimarães e o ex-Conselheiro Substituto Raphael Garcia de Souza, Relator.
No tocante às alíneas "a" a "c", a decisão foi por unanimidade, nos termos propostos pelo Conselheiro Alexandre Reis Siqueira Freire por meio do Voto nº 15/2024/AF (SEI nº 12633519). Nestes pontos, o Conselho Diretor entendeu ser possível a manifestação do Conselheiro Substituto Daniel Martins D Albuquerque por se tratar de fato superveniente, participando da deliberação referente a estas alíneas o Presidente Carlos Manuel Baigorri, os Conselheiros Alexandre Reis Siqueira Freire e Vicente Bandeira de Aquino Neto e os Conselheiros Substitutos Daniel Martins D Albuquerque e Vinícius Oliveira Caram Guimarães.
Presentes na Reunião nº 939, de 5 de dezembro de 2024, o Presidente Carlos Manuel Baigorri, os Conselheiros Alexandre Reis Siqueira Freire e Vicente Bandeira de Aquino Neto e os Conselheiros Substitutos Daniel Martins D Albuquerque e Vinícius Oliveira Caram Guimarães.
| Documento assinado eletronicamente por Carlos Manuel Baigorri, Presidente, em 24/12/2024, às 12:33, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel. |
A autenticidade deste documento pode ser conferida em http://www.anatel.gov.br/autenticidade, informando o código verificador 13076635 e o código CRC 7B76E532. |
Referência: Processo nº 53500.113347/2023-41 | SEI nº 13076635 |