Boletim de Serviço Eletrônico em 07/03/2024
Timbre

Análise nº 15/2024/AC

Processo nº 53520.002822/2022-36

Interessado: ASSOCIACAO COMUNITARIA DE DESENVOLVIMENTO CULTURAL E ARTISTICA ESPERANCA DE PAPANDUVA - SC

CONSELHEIRO

ARTUR COIMBRA DE OLIVEIRA

ASSUNTO

Recurso Administrativo interposto no Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações (Pado) em face de execução, sem a devida outorga, de Serviço de Radiodifusão Sonora em Frequência Modulada (FM) e de uso de radiofrequência. 

EMENTA

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES (PADO). USO NÃO AUTORIZADO DE RADIOFREQUÊNCIA. EXECUÇÃO DO SERVIÇO RADIODIFUSÃO SONORA EM FREQUÊNCIA MODULADA (FM) SEM A DEVIDA OUTORGA DE SERVIÇO E DE USO DE RADIOFREQUÊNCIA.  LACRAÇÃO E APREENSÃO DE EQUIPAMENTOS. INFRAÇÃO DE NATUREZA GRAVE. RECURSO ADMINISTRATIVO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. ADVERTÊNCIA E MULTA. 

1. Materialidade e autoria da prestação de Serviço de Radiodifusão Sonora em Frequência Modulada (FM) e do uso de radiofrequência sem a devida outorga foram confirmadas.

2. Constatando-se o desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação, o Agente de Fiscalização poderá interromper cautelarmente o funcionamento de estação, bem como lacrar e apreender bens, produtos e serviços, lavrando os correspondentes termos, conforme determinam os art. 34 e art. 35 da Resolução nº 746, de 22 de junho de 2021.

3. O uso não autorizado de radiofrequências deve ser considerado infração de natureza grave, nos termos do art. 9º, § 3º, inciso VIII, do Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas (RASA/2012), aprovado pela Resolução nº 589, de 7 de maio de 2012.

4. A sanção pecuniária  foi aplicada conforme metodologia que considera os parâmetros objetivos estabelecidos na regulamentação.

5. Recurso Administrativo conhecido e não provido.

REFERÊNCIAS

Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações (LGT);

Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (LPA);

Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, a qual dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras, e dá outras providências;

Decreto nº 52.795, de 31 de outubro de 1963.

Decreto nº 5.371, de 17 de novembro de 2005.

Regulamento de Fiscalização Regulatória, aprovado pela Resolução nº 746, de 22 de junho de 2021;

Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas (RASA/2012), aprovado pela Resolução nº 589, de 7 de maio de 2012;

Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências (RUER), aprovado pela Resolução nº 671, de 3 de novembro de 2016; e

Regimento Interno da Agência Nacional de Telecomunicações (RIA), aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013.

Portaria nº 642, de 26 de julho de 2013, que disciplina os casos de manifestação obrigatória da Procuradoria Federal Especializada junto à Anatel;

Resolução nº 637, de 24 de junho de 2014, que aprova o Regulamento de Parcelamento de Créditos Não Tributários Administrados pela Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel;

Resolução nº 671, de 3 de novembro de 2016, que aprova o Regulamento de Uso do Espectro de Radiofrequências e altera o Regulamento de Cobrança de Preço Público pelo Direito de Uso de Radiofrequências e o Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas;

Resolução nº 715, de 23 de outubro de 2019, que aprova o novo Regulamento de Avaliação da Conformidade e de Homologação de Produtos para Telecomunicações;

Resolução nº 746, de 22 de junho de 2021, que aprova o Regulamento de Fiscalização Regulatória;

Portaria nº 2.106, de 15 de novembro de 2021, que aprova a Instrução de Fiscalização sobre Preparação, Execução e Conclusão de Inspeções no âmbito da Atividade de Fiscalização Regulatória;

Resolução Interna Anatel nº 188, de 06 de fevereiro de 2023, que dispõe sobre a metodologia de cálculo do valor-base das sanções de multa relativa à execução sem outorga de serviço de telecomunicações ou ao uso não autorizado do espectro de radiofrequências.

RELATÓRIO

Trata-se de Recurso Administrativo interposto pela ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE DESENVOLVIMENTO CULTURAL E ARTÍSTICO DE PAPANDUVA, inscrita no CNPJ nº 23.372.095/0001-70, contra o Despacho Decisório nº 121/2023/CODI/SCO (SEI nº 10190810) que negou provimento ao recurso em face do Despacho Decisório nº 35/2023/GR09CO/GR09/SFI (SEI nº 9954730), que aplicou sanção de multa e advertência pela execução de Serviço de Radiodifusão Sonora em Frequência Modulada sem outorga de serviço e sem autorização para uso de radiofrequência, no Município de Papanduva, no Estado de Santa Catarina, onde ocorreu a ação de fiscalização. 

I - DOS FATOS

Em 7 de dezembro de 2022, a fiscalização da Anatel autuou a entidade (SEI nº 9545186) por uso não autorizado de radiofrequência para prestação de serviço de radiodifusão em frequência modulada. Foram anexados ao Auto o Termo de Clandestinidade (SEI nº 9545204), o Termo de Apreensão (SEI nº 9545254) e o Registro Fotográfico (SEI nº 9553928). Também foi anexado ao processo a gravação das transmissões de entidade (SEI nº 9555185). 

Por meio do Despacho Ordinatório (SEI nº 9553960), o Gerente da Gerência Regional nos Estados do Paraná, Santa Catarina da Anatel aprovou o Relatório de Fiscalização (SEI nº 9574421).

De ofício, em 14 de dezembro de 2022, A Procuradoria da República foi informada (SEI nº 9554020) sobre a ação de fiscalização.

Intimada por meio do Auto de Infração a apresentar defesa administrativa no prazo de 15 dias, a entidade o fez por meio do documento Defesa Administrativa (SEI nº 9574421), protocolado em 16 de dezembro de 2022.

Na estrita observância do devido processo legal, a entidade foi notificada (SEI nº 9574421) para apresentação de alegações finais em 30 de dezembro de 2022.

Em 5 de janeiro de 2023, foi protocolado na Unidade da Anatel em Santa Catarina, documento de Alegações Finais (SEI nº 9653451). Nas alegações, além da argumentação no âmbito de defesa administrativa, a entidade solicitou devolução dos equipamentos apreendidos, ensejando tratamento em processo próprio (SEI nº 53520.002869/2022-08).

As argumentações apresentadas nas Alegações Finais foram tratadas no âmbito do Informe nº 41/2023/GR09CO/GR09/SFI (SEI nº 9947478), propôs a sanção de advertência, pelo cometimento de infração artigo 83, inciso I, do anexo à Resolução nº 715/2019, e de multa, no valor de R$ 5.054,83 (cinco mil cinquenta e quatro reais e oitenta e três centavos), pelo cometimento de infração ao artigo 15 c/c o artigo 59, inciso I, do anexo à Resolução nº 671/2016, c/c o artigo 163 da Lei nº 9.472/1997, com fundamento no artigo 173, I e II, da Lei nº 9.472/1997.

Notificada em 3 de abril de 2023, por meio do Ofício nº 141/2023/GR09CO/GR09/SFI-ANATEL (SEI nº 9995284), da aplicação das sanções, em 10 de abril de 2023, a recorrente apresentou Recurso Administrativo (SEI nº 10075731).

Em atenção ao Recurso apresentado, a área técnica elaborou o Informe nº 39/2023/GR10CO/GR10/SFI (SEI nº 9995284), rechaçando os argumentos trazidos pela recorrente. Com base neste Informe, a Superintendência de Controle e Obrigações, por meio do Despacho Decisório nº 121/2023/CODI/SCO (SEI nº 10190810), decidiu negar provimento ao Recurso Administrativo e manter a decisão recorrida.

Oficiada por meio do Ofício nº 68/2023/GR10CO/GR10/SFI-ANATEL (SEI nº 10640886), em 14 de agosto de 2023, sobre a decisão proferida no Despacho Decisório, a recorrente, em 17 de agosto de 2023, apresentou novo Recurso Administrativo (SEI nº 10726105) repisando os mesmos argumentos trazidos no Recurso anterior.

Em sede de análise, a área técnica elaborou o Informe nº 86/2023/GR10CO/GR10/SFI (SEI nº 10794415) e sugeriu ao Superintendente de Controle e Obrigações conhecer do Recurso e, ao Conselho Diretor da Anatel, negar-lhe provimento.

Em consonância com Informe, o Superintendente de Controle e Obrigações emitiu o Despacho Decisório nº 200/2023/CODI/SCO (SEI nº 10803010), decidindo por conhecer do recurso e encaminhar os autos ao Conselho Diretor para análise do mérito.

Por conseguinte, o Superintendente Executivo encaminhou a Matéria para Apreciação do Conselho Diretor nº 686/2023 (SEI nº 10803012) em 5 de dezembro de 2023.

Em 7 de dezembro de 2023, conforme consta da Certidão de Distribuição (SEI nº 11238839), o processo foi distribuído para minha relatoria.

É o relatório.

 

II - DA ANÁLISE

Inicialmente, verifica-se que a instauração e a instrução do presente Procedimento para Apuração de Descumprimento de Obrigações (Pado) está aderente às disposições contidas no Regimento Interno da Anatel, atendendo à sua finalidade, tendo sido observados os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, e, especialmente, o da motivação, conforme dispõe o art. 50 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. 

Quanto à admissibilidade do presente recurso administrativo, verifica-se, conforme consta do Informe nº 86/2021/GR08CO/GR08/SFI (SEI nº 10794415), que atende aos requisitos de: a) tempestividade, tendo sido observado o prazo fixado no art. 115, § 6º do Regimento Interno da Anatel; b) legitimidade, posto que a peça recursal foi assinada por procurador devidamente habilitado; e, por fim, de c) interesse em recorrer, uma vez que a entidade é a destinatária direta da decisão contra a qual se insurge, razão pela qual considero acertada a decisão pelo seu conhecimento, contida no Despacho Decisório nº 200/2023/CODI/SCO (SEI nº 10803010). Dessa forma, passa-se à análise dos argumentos do Recorrente. 

A recorrente, em seu recurso administrativo (SEI nº 10726105), arguiu:

que não se trata de atividade clandestina, uma vez que possui documentação comprobatória de pedido de outorga junto ao Ministério da Comunicações para prestação do serviço de Radiodifusão Comunitária.

que a tipicidade da conduta da recorrente deve ser afastada porque restou demonstrada a intenção de não agir na clandestinidade; 

que ao caso em tela deve ser aplicado o Princípio da Insignificância, com respaldo no valor da potência medida pela fiscalização, 10.19W, na inexistência de periculosidade social, no reduzido grau de reprovabilidade da conduta e da inexpressividade da lesão jurídica provocada;

que desenvolvia atividade de radiocomunicação não remunerada e de relevante interesse da comunidade.

que desenvolve trabalho de caráter fortemente educativo, razão pela qual deve ser afastada a reprovabilidade de sua conduta;

que, a teor da Constituição Federal de 1988, bem como do Pacto de San José da Costa Rica, não pode haver restrição ao direito e liberdade de expressão;

que qualquer sanção pecuniária aplicada levaria a Associação à bancarrota. 

Por fim, requer provimento do Recurso Administrativo, pedindo a nulidade processual e das sanções de advertência e multa aplicadas. 

Frisa-se que a recorrente não inovou em relação aos recursos anteriores (SEI nº 95744219653451, 10075731), repisando argumentos já afastados pela área técnica. Desta forma, com a devida vênia, pede-se para empregar as mesmas considerações apresentadas no Informe nº 39/2023/GR10CO/GR10/SFI (SEI nº 10178733), as quais considero plenamente eficazes para rechaçar as argumentações apresentadas pela recorrente:

3.10. Inicialmente, tem-se que não procede a alegação da Recorrente, no sentido de que resta inserta no "Plano Nacional de Outorgas de 2022, aguardando a publicação do Edital nº 5, e possuir documentação comprobatória de pedido de outorga para o Serviço de Radiodifusão Comunitária".

3.11. Tal assertiva não se faz verdadeira porque, em verdade, não são entidades inseridas no Plano Nacional de Outorgas, exarado pelo Ministério das Comunicações, e sim os Municípios a serem futuramente contemplados com a prestação do Serviço de Radiodifusão Comunitária.

3.12. Dessa forma, não há como aceitar a tese da Recorrente, visto que, à época da fiscalização, sequer era candidata formal ao processo seletivo que possibilitaria a prestação do Serviço, por não haver sequer entidades já candidatas ou contempladas para tanto.

3.13. Destaque-se que o Plano Nacional de Outorga (PNO), nada mais é que um documento que externa as localidades que serão contempladas com a oportunidade de novas outorgas do Serviço de Radiodifusão Comunitária, com cronograma específico a cada etapa do processo, sendo elas, consoante o sítio eletrônico do Ministério das Comunicações (https://www.gov.br/mcom/pt-br/assuntos/radio-e-tv-aberta/radcom-radio-comunitaria):

I - Publicação do Plano Nacional de Outorgas (PNO): será publicado o PNO contendo previsão com todos os editais que serão publicados nos meses subsequentes e quais serão os municípios contemplados em cada um deles.

II - Publicação do Edital de Seleção Pública: o Ministério das Comunicações publica edital contemplando certos municípios e especificando, dentre outras coisas, os documentos que as entidades interessadas devem encaminhar para se inscreverem na Seleção Pública e qual o prazo para tanto.

III - Habilitação: uma vez recebidos os documentos, eles serão transformados em um processo e, já na Coordenação-Geral de Outorgas (CGOU) passarão por criteriosa análise inicial, em que será verificado se todos os documentos foram encaminhados, se a requerente já executou a Radiodifusão sem outorga do Poder Concedente ou se é vinculada.

IV - Seleção: para essa fase passarão apenas as entidades que foram habilitadas e somente se existir concorrência. Nesse momento o Ministério das Comunicações tentará fazer com que as entidades concorrentes se associem para prestar conjuntamente o serviço e, apenas caso reste fracassada essa possibilidade é que se verificará a quantidade de manifestações em apoio que cada concorrente tem, selecionando-se assim aquela que obtiver maior representatividade.

V - Instrução: nessa fase, o processo de outorga da entidade selecionada terminará de ser instruído com os documentos que não precisavam obrigatoriamente ser enviados na habilitação (Formulário de Dados de Funcionamento da Estação).

VI - Proclamação do resultado: finda a fase de instrução e estando a entidade selecionada regular (isto é, sendo ela comunitária e sem vínculos), o Ministério das Comunicações a proclamará vencedora e declarará encerrada a Seleção Pública, de tudo comunicando às entidades interessadas.

VII - Portaria de autorização: proclamado o resultado, o processo será enviado ao Ministro de Estado das Comunicações para que decida acerca da regularidade do processo e expeça de Portaria de Autorização.

VIII - Fase externa: após a publicação da Portaria de Autorização no Diário Oficial da União (DOU), o Ministério encaminhará o processo à Presidência da República, que fará uma revisão e, em seguida, encaminhará os autos ao Congresso Nacional.

3.14. Pelo exposto, e verificando-se que à época da fiscalização, 07/12/2022, não havia sido publicado o Edital nº 209/2022/SEI-MCOM, de 30/12/2022 (SEI nº 10181399), que contemplou a Localidade de Papanduva/SC como destinatária de futura Estação de Radcom, não há como prosperar a tese da Recorrente de licitude em sua conduta.

3.15. Ademais, até que findem todas as etapas do processo licitatório para a outorga do Serviço de Radiodifusão Comunitária, não se permite a exploração do serviço.

3.16. Não é outro o próprio alerta consignado pelo Ministério das Comunicações em seu site, a saber (https://www.gov.br/mcom/pt-br/assuntos/radio-e-tv-aberta/radcom-radio-comunitaria):

A emissora não poderá funcionar apenas com a publicação da Portaria de Autorização, devendo aguardar a deliberação do Congresso Nacional. Todavia, após decorridos 90 (noventa) dias sem deliberação do Congresso, o Ministério expedirá automaticamente autorização de operação, em caráter provisório, que terá duração até a apreciação final do ato de outorga pelo Congresso Nacional. A entidade receberá um comunicado informando sobre essa autorização em caráter provisório.

3.17. Por ilação basilar, se a emissora não poderá funcionar, mesmo após a última etapa do processo seletivo, devendo ela aguardar a compulsória deliberação do Congresso Nacional para tanto, que se dirá de entidade que se reputa autorizada a funcionamento pela mera publicação do PNO.

3.18. Sobre a segunda argumentação da entidade, no sentido de que só funcionara em face da mora do Ministério das Comunicações em conceder-lhe autorização, restando "desconstruído o caráter da tipicidade da conduta", tem-se que tal justificativa também não se sustenta.

3.19. Como já visto, a Recorrente sequer é candidata formal à outorga do Serviço de Radiodifusão em sua localidade, visto que não há, até o momento, lista de participantes publicada para o Edital nº 209/2022/SEI-MCOM, de 30/12/2022 (SEI nº 10181399), que contempla a Localidade de Papanduva. Ainda se o fosse, eventual morosidade do Poder Público não é motivo suficiente para descaracterizar a infração administrativa em apreço, pois não se pode admitir que a suposta falha da Administração venha a permitir que o administrado aja como se a outorga estivesse regular. Ademais, inexiste em quaisquer dos regulamentos infringidos a possibilidade de autorização automática em caso de atraso do Poder Concedente.

3.20. Se a Recorrente se sentiu prejudicada com a demora no andamento do PNO de 2022, a solução seria diligenciar para que este fosse agilizado e não atuar irregularmente. A alegada mora do Ministério das Comunicações não justifica a exploração não autorizado do espectro radioelétrico. Todavia, pode o administrado, ante a inércia da Administração na apreciação do seu requerimento, ingressar com medida judicial pleiteando que o Poder Judiciário estipule prazo razoável para que haja manifestação sobre seu requerimento. Desta forma, a eventual demora do Ministério no andamento do PNO não justifica ou chancela a entidade entrar em atividade quando lhe aprouver.

3.21. Quanto à alegada insignificância da conduta e de seus consequentes, verifica-se inaplicável ao caso concreto. Os fatos foram tipificados em normas reguladoras, o que por si só, já demonstra a preocupação do legislador com o uso desordenado do espectro de radiofrequências.

3.22. Além de não estar expresso em lei, destaca-se que o princípio da insignificância é uma construção de Direito Penal, geralmente levado em consideração nos crimes contra o patrimônio, que tem como ponto de partida a concepção de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justifica quando indispensável para assegurar a incolumidade de todos os bens jurídicos essenciais à sociedade em face de agressão que contenha ao menos um mínimo de lesividade. Desta feita, o foco principal desse postulado de Direito Penal não é a pena pecuniária, mas sim as privativas de liberdade e restritivas de direito, o que não se coaduna com a infração objeto do presente feito.

3.23. Ademais, os princípios aplicáveis aos processos administrativos se encontram alinhados no art. 2º da Lei nº 9.784/1999, dentre os quais não figura o da insignificância, tornando temerária sua aplicação por parte da Administração Pública, pela manifesta ausência de parâmetros legais o que, além de insegurança jurídica, pode gerar expectativa de impunidade.

3.24. Ainda nesta esteira, alega a Recorrente que sua conduta apresentou baixa ofensividade da conduta, inexistência de periculosidade social, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressiva lesão jurídica.

3.25. A natureza da infração constatada dispensa a aferição de eventual lesão, sendo suficiente a sua mera ocorrência, pois é considerada infração de cunho técnico e objetivo, devendo o interessado obedecer ao disposto na norma reguladora, que lhe impõe a obrigação de primeiro regularizar-se para só então iniciar o uso de radiofrequências.

3.26. Tal entendimento se dá em razão da relevância do bem jurídico tutelado, com o objetivo de lhe garantir maior proteção. O bem jurídico tutelado neste caso é o espectro de radiofrequências, recurso escasso e limitado, constituindo-se bem público. Deve-se observar, que o seu uso irregular põe em risco a operação de diversos serviços de telecomunicação, regularmente instalados, em virtude de seu grande potencial para provocar interferências nas comunicações de outros serviços imprescindíveis à sociedade.

3.27. Nesse sentido, para que esteja configurada a infração administrativa, não é necessário que haja dolo ou má-fé, bastando conduta contrária às normas administrativas. Trata-se de responsabilidade administrativa objetiva, não existindo nenhum dispositivo legal que autorize a dispensa das obrigações por ausência de dolo ou culpa.

3.28. Acrescendo-se à inicial ilegalidade verificada, no caso presente, teve-se que a Recorrente fazia uso, para a exploração de serviço de Radiodifusão Sonora em Frequência Modulada não outorgado, de equipamento sem homologação da Anatel, e com potencial significativo de interferência em aparelhos e/ou serviços regularmente operacionalizados.

3.29. Sobre o tema, nos termos do art. 162, § 2°, da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, quaisquer equipamentos transmissores de radiofrequência devem possuir homologação da Agência, sujeitando sua inobservância a aplicação de sanções administrativas e penais, além de medida cautelar de apreensão (como no caso), com fundamento no art. 35, III do Regulamento de Fiscalização da Anatel, aprovado pela Resolução nº 746, de 22 de junho de 2021.

3.30. A próxima tese ventilada pela Recorrente trata do caráter educativo e social da rádio, que não admite ganhos financeiros a quaisquer integrantes e possui amplo e irrestrito apoio da comunidade Papanduvense.

3.31. Tais objetivos, não obstante nobres, não escusam a Recorrente de sua culpabilidade, nem tampouco descaracterizam a infração por ela cometida.

3.32. Em seguimento, no que tange ao aventado Pacto de San José da Costa Rica, repise-se que nenhuma emissora de rádio pode funcionar sem autorização estatal, conforme disposição constitucional estabelecida no art. 223 da Carta Magna. Sendo assim, o Pacto de São José da Costa Rica não se aplica ao caso, por colidir frontalmente com a Constituição Federal na parte em que confere à União competência para explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão os serviços de radiodifusão.

3.33. Nesse sentido, a Jurisprudência dos Tribunais já assentou que a obrigatoriedade de outorga para a execução de serviço de radiodifusão não contraria o disposto no Pacto de São José da Costa Rica, senão vejamos:

PENAL. SERVIÇOS DE RADIODIFUSÃO. FALTA DE AUTORIZAÇÃO, PERMISSÃO OU CONCESSÃO. TIPICIDADE. LEI N. 4.117/62, ART. 70. LEI N. 9.472/97, ART. 183. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIBERDADE DE MANIFESTAÇÃO DE PENSAMENTO. EXERCÍCIO DE DIREITOS CULTURAIS. PACTO DE SAN JOSÉ DA COSTA RICA. RÁDIOS COMUNITÁRIAS. LEI N. 9.612/98. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Os serviços de telecomunicações caracterizam-se pela comunicação à distância, compreendendo os serviços de radiodifusão, que se resolve na comunicação à distância por intermédio de ondas eletromagnéticas. O exercício de serviços de radiodifusão configura tipo penal, seja o art. 70 da Lei n. 4.117, de 27.08.62, seja o art. 183 da Lei n. 9.472, de 16.07.97, a qual revogou a legislação anterior por força do seu art. 215, I. 2. A Emenda Constitucional n. 8, de 15.08.95, deu nova redação ao art. 21 da Constituição da República, de modo que os serviços de telecomunicações encontram-se regulados no seu inciso XI, ao passo que os serviços de radiodifusão no seu inciso XII, a. A alteração da norma constitucional, porém, tende a possibilitar a exploração daqueles serviços por particulares, sem contudo alterar a natureza mesma desses serviços, de maneira que os serviços de radiodifusão, na esteira da hermenêutica anterior, continuam compreendidos pelos serviços de telecomunicações. 3. A necessidade de autorização, permissão ou concessão para os serviços de radiodifusão é imposta pela própria Constituição da República (CR, art. 21, XII, a), inclusive para as rádios comunitárias (CR, art. 223). A Lei n. 9.612, de 19.02.98, art. 6º, igualmente exige autorização estatal para a exploração dos serviços de radiodifusão comunitária. Os requisitos legais não são abusivos, razão pela qual a norma não conflita com o Pacto de San José da Costa Rica, promulgado pelo Decreto n. 678, de 06.11.92, em especial seu art. 13, n. 1 a 3. 4. A Constituição da República garante a liberdade de expressão (CR, art. 5º, IX) e de manifestação do pensamento (CR, art. 220), assegurando também o exercício de direitos culturais. Mas não é incompatível com tais garantias a exigibilidade de autorização estatal para os serviços de radiodifusão, pois esta é estabelecida pela própria Constituição da República, em cujos termos devem ser desfrutadas as faculdades por ela asseguradas. 5. Prescrição. Inocorrência. Por se tratar do tipo penal previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/97, cuja pena máxima cominada é de 4 (quatro) anos de detenção, sendo a data dos fatos 24.08.05 , a pretensão punitiva estatal não foi atingida pela prescrição, impondo-se a reforma da sentença, para que seja recebida a denúncia, com o regular prosseguimento do feito 6. Recurso em sentido estrito provido.

(TRF-3 - RSE: 3780 SP 2006.61.81.003780-7, Relator: JUÍZA CONVOCADA LOUISE FILGUEIRAS, Data de Julgamento: 18/07/2011, QUINTA TURMA) Grifou-se.

3.34. Quanto à relevância das Rádios Comunitárias, também invocada pela Recorrente, necessários alguns esclarecimentos.

3.35. Conforme fartamente destacado, para a caracterização da entidade como exploradora do Serviço de Radiodifusão Comunitária, premente que seja a entidade regularmente outorgada junto ao Poder Concedente. A exploração não outorgada do serviço imputa à entidade a condição de clandestina no Serviço de Radiodifusão Sonora em Frequência Modulada.

3.36. Tem-se, pois, a Radiodifusão Comunitária como uma derivação da Radiodifusão Sonora em Frequência Modulada, sendo aquela explorada em condições especiais concomitantemente verificadas, e com a imperativa autorização estatal.

3.37. Não foi o que se verificou, in casu.

3.38. Por derradeiro, suscita a Recorrente que qualquer valor que lhe fosse aplicado, a título de sanção pecuniária, causaria sua "bancarrota".

3.39. No que toca ao pagamento do valor da multa inviabilizar a mantença das atividades da Recorrente, esclarece-se que esta Agência somente procedeu à sua penalização por irregularidade por ela cometida. Outrossim, não há empecilho a que solicite ela o parcelamento da pena pecuniária imposta, nos termos do Regulamento de Parcelamento de Créditos Não Tributários Administrados pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, aprovado pela Resolução nº 637/2014.

Desta forma, entendo que a recorrente não demonstrou ocorrência de fato ou circunstância relevante que justificasse a reforma da decisão recorrida. 

Portanto, pelas alegações apresentadas no Recurso Administrativo interposto, em face do Despacho Decisório nº 110/2021/CODI/SCO (SEI nº 7064285), exarado pelo Superintendente de Controle de Obrigações, que negou provimento ao recurso em face do Despacho Decisório nº 35/2023/GR09CO/GR09/SFI (SEI nº 9954730), que aplicou sanção de multa e advertência pela execução de Serviço de Radiodifusão Sonora em Frequência Modulada sem outorga de serviço e sem autorização para uso de radiofrequência, no Município de Papanduva, no Estado de Santa Catarina, não há quaisquer argumentos que propiciem a reforma da decisão. Assim, sugiro o não provimento da espécie.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, proponho conhecer e negar provimento ao Recurso Administrativo.

É como considero.


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