Boletim de Serviço Eletrônico em 08/03/2024
Timbre

Análise nº 4/2024/RG

Processo nº 53500.113347/2023-41

Interessado: TIM S/A, OI.S/A, Claro S/A, TELEFÔNICA BRASIL S.A

CONSELHEIRO

RAPHAEL GARCIA

ASSUNTO

Pedidos de Anulação de ato normativo

EMENTA

PEDIDO DE ANULAÇÃO DE ATO NORMATIVO. Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC). AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. Improcedência DOS PEDIDOS. PETIÇÕES EXTEMPORÂNEAS. NÃO CONHECIMENTO.

Pedido de anulação se presta a apontar ilegalidade em determinado ato administrativo ou normativo emanado pela Administração Pública.

Ausência de ilegalidade nos dispositivos contestados.

Improcedência dos pedidos.

Petições extemporâneas protocolizadas após a publicação da pauta da Reunião do Conselho Diretor na qual se incluiu o presente processo. Ausência de fatos novos. Não conhecimento.

REFERÊNCIAS

Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicação (LGT);

Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (LPA);

Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013, que aprovou o Regimento Interno da Anatel (RIA);

Resolução nº 765, de 6 de novembro de 2023, que aprovou o Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC).

RELATÓRIO

I. DOS FATOS

Tratam-se de Pedidos de Anulação de ato normativo apresentados por TIM S/A (11297885), OI S/A - Em Recuperação Judicial (11297896), TELEFÔNICA BRASIL S/A (11297895) e CLARO S/A (11315090), em razão de suposta nulidade de dispositivos do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), aprovado pela Resolução nº 765, de 6 de novembro de 2023.

Os autos foram instaurados em 20 de dezembro de 2023 por Despacho Ordinatório (11297764) da Chefe de Gabinete da Presidência da Anatel, que determinou o desentranhamento dos Pedidos de Anulação dos autos do Processo 53500.061949/2017-68 e a instauração do presente procedimento específico.

Ato contínuo, nos termos do que preceitua o art. 78 do Regimento Interno da Anatel, os autos foram remetidos à Procuradoria Federal Especializada junto à Anatel - PFE para manifestação.

A PFE se manifestou em 18 de janeiro de 2024, nos termos do Parecer 17/2024/PFE-ANATEL/PGF/AGU (11396349).

Realizado sorteio em 15 de fevereiro de 2024, fui designado Relator da matéria (11507937).

Em 29 de fevereiro de 2024, o Presidente do Conselho Diretor aprovou a publicação da Pauta da RCD nº 930, a se realizar em 7 de março de 2024, na qual se incluiu o presente processo.

Em 1º de março de 2024, após a publicação da pauta, Telefônica, TIM e Claro protocolizaram petições (11596399, 11596663 e 11596717) requerendo a juntada de Parecer Jurídico emitido pelo Professor Ricardo Campos (11596400, 11596665 e 11596718). Em 5 de março de 2024, protocolizaram novas petições (116135221161328811613672) acompanhadas de síntese de mencionado Parecer Jurídico.

São os fatos.

II. da ANÁLISE

Da admissibilidade dos pedidos de Anulação

O art. 53 da Lei nº 9.784, de 1999, permite que a Administração Pública anule seus próprios atos quando eivados de vício de legalidade.

O procedimento pode ser iniciado de ofício ou mediante provocação. Nesse último caso, o rito está estabelecido no art. 78 do Regimento Interno da Anatel, verbis:

Art. 78. (...)

I - o requerimento será dirigido ao Presidente, que, após a manifestação da Procuradoria, distribuirá a matéria nos termos do disposto no art. 9º;

II - o Conselho proferirá decisão acerca da plausibilidade do pedido deduzido, ocasião em que poderá:

a) determinar o arquivamento dos autos, caso entenda que o pedido formulado não é plausível;

b) determinar o regular processamento do feito pela área competente, na forma disposta neste artigo, caso entenda estar suficientemente demonstrada a plausibilidade do pedido;

c) determinar, concomitantemente à providência prevista na alínea b, a suspensão cautelar da eficácia do ato impugnado, caso entenda haver fundado risco de prejuízo grave e irreparável ou de difícil reparação.

III - o requerente terá legitimidade para apresentar pedido de reconsideração contra a decisão da alínea a do inciso II;

IV - não caberá recurso administrativo ou pedido de reconsideração contra a decisão final do processo.

Parágrafo único. O procedimento de anulação de ato normativo iniciado de ofício observará, no que couber, este artigo.

Conforme ponderado pela PFE no Parecer 17/2024/PFE-ANATEL/PGF/AGU (11396349), é preciso delimitar o objeto do pedido de anulação, como segue com grifos meus:

9. O pedido de anulação se presta a apontar ilegalidade em determinado ato administrativo ou normativo emanado da Administração Pública. Uma vez provocada, tomando conhecimento de algum vício em ato normativo, passa a Administração Pública a ter o dever de anulá-lo.

10. Estabelecida essa simples delimitação, é forçoso dizer que o procedimento de anulação não se presta a revisar atos que já foram objeto de análise, manifestação e exaurimento das vias administrativas em outros procedimentos. Isto é, o procedimento de anulação é utilizado para instar a Administração Pública da ilegalidade em ato administrativo, não sendo cabível como nova instância decisória.

11. Assim, carece de amparo legal ou regimental a tentativa de rediscutir argumentos já expostos em outro processo administrativo e que já foram objeto de análise e decisão da Administração Pública. O inconformismo do administrado em face de um determinado ato administrativo não lhe franqueia o direito de eternamente questioná-lo junto à Administração Pública sob o fundamento de direito de petição. O próprio direito de petição, por sua vez, encontra contraponto nos limites ao exercício do direito (abuso de direito) e no dever de boa-fé do administrado estampado no art. 4º, inciso II, da Lei nº 9.784/99.

Dos dispositivos atacados

A PFE, em seu Parecer, organizou em itens específicos os temas e dispositivos atacados pelas Requerentes, conforme tabela a seguir:

Passo a tratar do mérito de cada pedido, na sequência dos itens acima mencionados.

Do Sistema de Registro de Oferta (Arts. 21 e 23)

Os dispositivos questionados pela TIM estabelecem o que segue:

Art. 21. Toda Oferta de serviços de telecomunicações deverá ser registrada em sistema da Anatel antes de sua comercialização.

Art. 23. Durante a vigência da Oferta registrada nos termos do art. 21, é vedado à Prestadora alterar qualquer característica de preço, acesso e fruição constante da Oferta, exceto mediante determinação da Anatel conforme previsto no art. 25 ou, no caso do SeAC, em decorrência de cessação de contrato de distribuição de conteúdo sobre o Canal de Programação, ou de descumprimento das regras relativas à classificação indicativa do conteúdo.

Em seu Pedido de Anulação, a Requerente apresentou os seguintes argumentos:

o modelo de regulação estipulado pelo RGC seria ineficaz em razão do ônus administrativo prejudicial e desnecessário que a Anatel impõe a si mesma ao ter que gerenciar milhares de Ofertas em seu sistema;

impacto na dinamicidade concorrencial existente no setor, uma vez que a rigidez das Ofertas diminui a assimetria de informação a respeito do comportamento futuro de cada concorrente, não permitindo uma adaptação rápida de cada player;

a medida busca resolver um problema inexistente, não sendo possível identificar os riscos relevantes que justifiquem a imutabilidade das condições comerciais estabelecidas em Ofertas aos usuários, sendo que os prejuízos advindos da medida superariam qualquer benefício que possa embasar sua adoção.

Não há, na argumentação da TIM, qualquer apontamento de ilegalidade, senão mero inconformismo já enfrentado nos autos do Processo nº 53500.061949/2017-68, que tratou do novo RGC.

Logo se vê que as alegações fogem ao objeto do procedimento de anulação, sendo uma mera tentativa de forçar uma nova instância decisória.

A PFE, em seu Parecer, examina minuciosamente cada um dos argumentos transcrevendo trechos da Análise de Impacto Regulatório, bem como da Análise do Conselheiro Relator.

Tais transcrições demonstram não só a existência de um problema, consistente na desinformação dos consumidores em relação às Ofertas, nos moldes como regulamentado pelo RGC aprovado pela Resolução nº 632, de 2014, e pelos regulamentos de cada um dos serviços, levando à regulamentação prevista no novo RGC, como também afasta qualquer alegação de engessamento comercial das prestadoras ou de ônus desmensurado para a Anatel.

Entendo desnecessário transcrever os trechos mencionados do Parecer, uma vez que as alegações da TIM não apresentam qualquer argumento de ilegalidade que possa fundamentar a nulidade dos arts. 21 e 23 do RGC aprovado pela Resolução nº 765, de 2023. No entanto, considero o conteúdo do referido Parecer como base para a decisão.

Do Reajuste de Ofertas (Art. 21, §3º, inciso IV, e 39)

O reajuste de preços das Ofertas foi regulamentado como segue:

Art. 21 Toda Oferta de serviços de telecomunicações deverá ser registrada em sistema da Anatel antes de sua comercialização.

(...)

§ 3º Quando do registro da Oferta no sistema previsto no caput, deverá ser informado o Prazo de Comercialização, bem como as seguintes condições de preço, acesso e fruição do(s) serviço(s): (...)

IV - critérios e data base de reajuste, que não poderá ser inferior a 12 (doze) meses da data da contratação, observado o disposto no art. 39; (...)

 

Art. 39. Os reajustes dos valores das tarifas ou preços cobrados pelos serviços de telecomunicações não poderão ser realizados em prazos inferiores a 12 (doze) meses contados da data da contratação da Oferta pelo Consumidor.

§ 1º A Prestadora poderá definir datas-bases para a realização de reajustes, desde que, cumulativamente:

I - observe o prazo previsto no caput;

II - informe ao Consumidor a data-base a que está vinculado no momento da contratação; e,

III - faça constar as datas-bases na Oferta quando de seu registro na Anatel.

§ 2º Excetuam-se da disposição do caput os reajustes das Ofertas de Plano Básicas, do Plano Alternativo de Serviço de Oferta Obrigatória - PASOO e do Serviço de Acesso Individual Classe Especial - AICE do Serviço Telefônico Fixo Comutado.

§ 3º O Grupo de Implantação disporá sobre o cumprimento das determinações contidas no parágrafo único do art. 3º da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, relativas à divulgação, pela Prestadora, do valor das tarifas e preços praticados e a evolução dos reajustes realizados nos últimos 5 (cinco) anos.

A legalidade dos dispositivos foi questionada pela Telefônica e pela Claro.

Para a Telefônica, e tais argumentos se aplicariam a todos os dispositivos por ela questionados, a despeito da existência de uma AIR inicial e do lapso temporal entre ela e a aprovação final da proposta, os impactos econômicos e sociais de algumas propostas não foram devidamente materializados nos autos. Um desses casos seria a proposta de reajuste de ofertas que, embora presente na AIR, sofreu substancial alteração durante a tramitação do processo sem uma nova análise, o que violaria diretamente a Lei nº 13.874, de 2019 (Lei da Liberdade Econômica).

Especificamente sobre o dispositivo em comento, como o cerne da discussão reside na transparência e informação clara, seria mais eficaz fortalecer mecanismos que assegurassem a compreensão e ciência do usuário em relação às cláusulas contratuais. No entanto, adotou-se regra que viola os princípios constitucionais da livre iniciativa, da legalidade e da razoabilidade, bem como os arts. 5º, 6º, 126 e 128 da Lei 9.742, de 1997 (LGT), na medida em que a legislação não prevê qualquer óbice ao reajuste em data-base fixa prevista no instrumento contratual, sendo essa uma prática costumeira do mercado.

A obrigação imporia ônus excessivo às prestadoras que deverão gerir 365 datas-base diferentes para o reajuste de cada plano, o que é inviável e oneroso. Ademais, ao estipular tratamento distinto para as Ofertas de Plano Básico, do Plano Alternativo de Serviço de Oferta Obrigatória - PASOO e do Serviço de Acesso Individual Classe Especial - AICE, teria havido nítida quebra de isonomia entre os usuários, que receberão tratamento diferente. Da mesma forma, cria um cenário propício de tratamento discriminatório entre usuários que aderem a um mesmo plano em momentos distintos.

Por fim, alega que a AIR, embora reconheça haver custos de adaptação de sistemas, não os estimou.

Por todo o exposto, requereu a anulação dos dispositivos, mantendo a mesma sistemática do RGC aprovado pela Resolução nº 632, de 2014, que prevê apenas que o reajuste não pode se dar em prazo inferior a 12 (doze) meses.

A Claro, por sua vez, questiona a proporcionalidade do dispositivo baseada em três pilares: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. No primeiro caso, afirma que a regra não soluciona o problema de falta de informação identificado na AIR. Quanto à necessidade, a AIR deveria prever meios alternativos, como o envio de SMS para consumidores. Por fim, quanto à proporcionalidade em sentido estrito, não teria havido tal etapa, uma vez que não se comparou custos e benefícios da medida imposta.

O RGC aprovado pela Resolução nº 632, de 2014, estabelece que o consumidor tem direito ao prévio conhecimento e à informação adequada sobre as condições de contratação, prestação, meios de contato e suporte, formas de pagamento, permanência mínima, suspensão e alteração das condições de prestação dos serviços, especialmente os preços cobrados, bem como a periodicidade e o índice aplicável, em caso de reajusteTal informação deveria ser prestada antes da contratação, além de constar em um Sumário, no Espaço Reservado e no documento de cobrança.

Além disso, estabelece que os reajustes não podem ser realizados em prazos inferiores a 12 (doze) meses.

Apesar de todas essas regras, a AIR identificou a falta de informação adequada quanto às regras de reajuste como um problema que persistia, mesmo após vários anos de vigência do RGC, restando evidenciada, durante a Tomada de Subsídios, duas formas de reajuste praticadas no mercado: (i) a data da contratação pelo consumidor; ou (ii) a data do lançamento comercial da oferta.

Em sendo assim, imperioso notar que a regra vigente que previa diversas formas de informação sobre reajuste não surtiu o efeito desejado. Logo, o argumento da Telefônica e da Claro não deve ser acatado. 

A escolha da alternativa que prevê a padronização dos reajustes entre as demais analisadas foi tomada após verificação das vantagens e desvantagens de cada uma delas. Ademais, não houve alteração substancial da proposta, mas sim o seu incremento, possibilitando o reajuste por datas-base.

O fato de a legislação não obrigar o reajuste em uma data-base fixa não proíbe que a Anatel assim o regule. De toda forma, ao dispor sobre a possibilidade de adoção de datas-base distintas, a Anatel ainda permitiu que a Prestadora gerencie sua administração financeira e reduza a quantidade de datas-base a serem geridas. 

Frágil também é a afirmação de haver cenários de tratamento discriminatório, na medida em que todos que se encontrarem na mesma situação (por exemplo, contrataram na mesma data) receberão tratamento igual.

Quanto ao argumento de inadequação trazido pela Claro, a PFE citou entendimento do Min. Luis Fux, trazido pela própria interessada, para afastar a alegação, no seguinte sentido: "a adequação é satisfeita com a simples escolha de um meio que promova minimamente o fim, mesmo que não seja o mais intenso, o melhor, nem o mais seguro".

No que se refere à necessidade, a PFE chancelou que na AIR a Anatel avaliou outras medidas, inclusive as de caráter informacional como a mencionada pela Claro, o que demonstra a improcedência do argumento.

Por fim, no que se refere à proporcionalidade em sentido estrito, a PFE também ressalta que os custos e benefícios para a análise dessa proporcionalidade não se limitam apenas aos aspectos financeiros ou mensuráveis. A AIR ponderou entre os direitos fundamentais patrimoniais e de livre iniciativa das prestadoras, e os benefícios da nova regra para os consumidores.

A PFE vai além e consigna que nem a Lei nº 13.848, de 2019 (Lei das Agências), nem a sua regulamentação feita pelo Decreto nº 10.411, de 2020, exigem que haja precificação de todos os custos e benefícios envolvidos.

Rechaçam-se, assim, todos os argumentos de ilegalidade trazidos pelas Prestadoras.

Da migração automática de Ofertas (Art. 31, §§1º e 2º)

O novo RGC assim disciplina a matéria:

Art. 31. As Prestadoras deverão comunicar ao Consumidor, com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, preferencialmente por meio eletrônico, entre outros:

I - a extinção de Oferta com Prazo de Vigência indeterminado;

II - o término do Prazo de Vigência determinado da Oferta;

III - o término do Prazo de Permanência;

IV - os reajustes que passarão a vigorar; e,

V - a alteração da lista de canais disponibilizados na Oferta contratada de SeAC, nos casos previstos no art. 23.

§ 1º As comunicações relacionadas aos incisos I e II deverão alertar o Consumidor sobre a necessidade de adesão a uma nova Oferta e as consequências de não a fazer no prazo estabelecido.

§ 2º Caso o Consumidor não manifeste sua adesão a uma nova Oferta antes da extinção ou do término do Prazo de Vigência daquela à qual está vinculado, a Prestadora poderá habilitá-lo em outra Oferta, registrada em sistema da Anatel nos termos do art. 21, que seja de igual ou menor valor e sem Prazo de Permanência.

Tim, Telefônica e Claro requereram anulação do dispositivo, mais especificamente do §2º do art. 31. Vale notar que a Tim também requereu a anulação do §1º, mas sua argumentação se refere unicamente ao §2º.

Em suma, a irresignação das Prestadoras consiste no que segue:

para a Tim, o duplo requisito da nova Oferta (ser de igual ou menor valor e sem Prazo de Permanência) é incompatível com a dinâmica de mercado, em dispor de Ofertas mais alinhadas às necessidades do consumidor, e implica na vedação à recomposição do valor de um serviço continuado, se opondo ao ordenamento jurídico aplicável aos contratos;

para a Telefônica e para a Claro, a regra apresenta vício formal por não constar da AIR ou da Consulta Pública. No mérito, a migração de Oferta pautada exclusivamente no preço poderá negligenciar aspectos como qualidade dos serviços oferecidos, a cobertura da rede, a velocidade de conexão entre outras características técnicas. Para a Telefônica, seria necessário garantir uma abordagem prévia do consumidor, juntamente com garantias para rescindir o contrato sem multa ou optar por uma oferta diferente, caso não esteja de acordo com a escolha da Prestadora;

a Claro sustenta que a regra prejudica o consumidor, pois, em razão da inflação, uma oferta equivalente à extinta ou expirada provavelmente teria um preço maior, o que implica em colocar o consumidor em uma oferta com menos benefícios. Além disso, a regra violaria os deveres de estimular a expansão do uso de redes, incremento da oferta e ampliação da conectividade e da inclusão digital, previstos no art. 2º da LGT.

Inicialmente, é importante ressaltar que o novo RGC teve como um de seus objetivos reduzir a assimetria informacional dos consumidores em relação às Ofertas. Para tanto, uma das revisões mais amplas foi justamente a referente a esse instrumento, que será único e englobará em seu teor todos os descontos, prazos, limites, entre outros aspectos. 

O novo RGC estabeleceu que o Prazo de Vigência de uma Oferta pode, a critério da Prestadora, ser determinado ou indeterminado. Contudo, a intenção do regulador é que se pratique a comercialização de Ofertas mais longevas, justamente para que o consumidor possa assimilar todas as condições contratadas.

Para tentar evitar Ofertas com Prazos de Vigência muito curtos, sem tempo hábil para a assimilação do consumidor, o novo RGC deu ênfase à necessidade de comunicação prévia quando do término desse prazo, como também nos casos de extinção de Ofertas de prazo indeterminado, devendo, especialmente, a Prestadora alertar sobre as consequências de não aderir a uma nova Oferta. Criou-se assim, uma obrigação para a Prestadora, para que ela gerencie de forma mais atenta a sua base de usuários, cuidando de cada consumidor de forma mais próxima, buscando oferecer produtos mais interessante para cada Consumidor, sob pena de ver sua base se esvair.

O cumprimento desse requisito de comunicação prévia demonstrará a boa-fé da Prestadora em tomar todas as medidas para permitir que seu consumidor, de livre e espontânea vontade, contrate uma nova Oferta que melhor se encaixa em seu perfil.

Vale notar que o §2º do art. 31 foi inserido como uma alternativa a ser utilizada apenas em último caso, quando o consumidor não se manifesta em tempo hábil, tão somente para não causar maiores prejuízos às partes: ao consumidor, para que não fique sem serviço ou mesmo para que não perca seu código de acesso; à Prestadora, para que não sofra redução em sua base de clientes em razão da insatisfação de um consumidor desatento aos comunicados prévios.

Imagina-se que essa migração automática seja temporária, apenas até o consumidor buscar uma nova Oferta que melhor lhe atenda, de forma que não se está vedando uma recomposição de valor, o estímulo à expansão de redes, nem qualquer outro empecilho suscitado pelas Prestadoras.

E se houve migração automática, a escolha não foi de livre iniciativa do consumidor. Portanto, não há que se falar em vinculação a uma Oferta com Prazo de Permanência, uma vez que um dos requisitos desse tipo de Oferta é a concessão de um benefício em troca do COMPROMETIMENTO do consumidor em permanecer vinculado a ela por um determinado período de tempo. Ora, se ele não se comprometeu, se não aderiu espontaneamente, contraria todos os princípios que regem uma relação contratual impor ao consumidor a obrigatoriedade de se manter naquela Oferta por um prazo mínimo.

O critério de preço escolhido pelo regulador para que ocorra a migração, em detrimento de benefícios ou qualidade, conexão, entre outros, visou preservar o equilíbrio contatual, evitando prejuízo financeiro inesperado ao consumidor. Novamente, é de se esperar que a Prestadora aja com boa-fé e não migre o consumidor para uma Oferta com benefícios e qualidade muito aquém da Oferta extinta ou daquela cujo Prazo de Vigência que atingiu seu termo, sob o risco de perder seu consumidor para uma Prestadora concorrente.

Entende-se o receio das Prestadoras em suas colocações, especialmente em um mercado extremamente competitivo. Contudo, a presente explanação demonstra justamente a compatibilidade da norma com a dinâmica de mercado, ao contrário do que alegam a TIM, Claro e Telefônica. O que o novo RGC busca é que as Prestadoras fortaleçam a sua comunicação com o consumidor, a confiança deste em suas marcas, evitando ao máximo que sua conduta seja geradora de insatisfações. 

Tecidas essas considerações sobre o mérito, o que por si só já afasta qualquer alegação de ilegalidade da norma, cumpre analisar o questionamento de vício formal em razão da inexistência de AIR sobre a norma específica.

Como já destacado, a regra advém de uma das premissas do novo RGC, de reduzir a assimetria informacional, sem se descuidar da legislação pátria, especialmente a que rege os contratos e as relações de consumo.

Nesse sentido, a PFE destacou, em seu Parecer, o equívoco das interessadas em supor que a Lei nº 13.874, de 2019, a Lei 13.848, de 2019, o Decreto nº 10.411, de 2020, ou mesmo o Regimento Interno da Anatel, exijam que todo dispositivo normativo deva ser precedido de uma AIR. Esclarece a PFE:

76. O que essas normas estatuem é a necessidade de AIR para a edição de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal. No presente caso, por se tratar de uma remodelação integral do Regulamento Geral do Consumidor – RGC, a área técnica produziu a AIR (SEI n. 3639816), datada de dezembro de 2018, cuidando de temas a serem reavaliados no âmbito do novo RGC. Tanto assim o foi que a AIR está subdivida em eixos, temas e subtemas; cada um dele analisando aspectos macro do direito dos consumidores de serviços de telecomunicações. (grifei)

Expôs também que a não realização de AIR sequer é motivo idôneo para anular o ato, conforme Decreto nº 10.411, de 2020, verbis:

Art. 21. A inobservância ao disposto neste Decreto não constitui escusa válida para o descumprimento da norma editada e nem acarreta a invalidade da norma editada.

Nesse contexto, vale observar que a questão foi objeto de uma análise macro na AIR, ao contrário do que alegam as Prestadoras. O Tema 1 se ocupou das condições gerais da oferta, sendo o dispositivo mencionado o desenvolvimento operacional da alternativa proposta que, na visão do Conselheiro Vistor, acompanhada posteriormente de seus pares, seria menos gravosa ao consumidor e para a Prestadora que a opção de a suspensão do serviço, prevista na versão da área técnica.

Ademais, o Regimento Interno da Anatel permite emendas ao texto original por qualquer Conselheiro, como segue:

Art. 64. Caberá ao Relator da proposta final de ato normativo encaminhar à apreciação do Conselho Diretor a proposta de instrumento deliberativo, bem como as críticas e sugestões derivadas da Consulta Pública e, quando houver, da Audiência Pública, com a análise da respectiva Superintendência, assim como aquelas formuladas pelos Comitês de que trata o art. 60 do Regulamento da Agência.

Parágrafo único. Qualquer Conselheiro poderá propor emendas ao texto original, assim como apresentar proposta substitutiva.

É certo que até a aprovação final da norma, debates irão existir e mudanças serão promovidas, o que é natural do processo e não enseja a realização de uma nova Consulta. Caso contrário, não seria permitido qualquer emenda pelos Conselheiros.

Portanto, não há qualquer ilegalidade na norma questionada.

Da Oferta por Canais Terceirizados (Art. 34, §§ 1º e 2º)

Todas as interessadas questionaram a legalidade do art. 34, §2º (sendo que a Tim questionou, adicionalmente, o §1º), que estabelece:

Art. 34. O oferecimento de serviços de telecomunicações por meio de canais terceirizados, agente autorizado, credenciadas, franquias, representantes comerciais ou quaisquer parcerias comerciais similares atenderá às condições previstas neste Regulamento.

§ 1º A Prestadora deve assegurar a existência de mecanismos de combate a fraudes e utilização dos dados pessoais dos Consumidores de acordo com o disposto em lei, inclusive nos contratos celebrados por intermédio dos terceiros de que trata o caput.

§ 2º A vigência do contrato de serviços de telecomunicações com o Consumidor de parâmetro para o pagamento de remuneração ou comissão relativa ao esforço de vendas, que será efetuado ao longo da sua vigência, de maneira proporcional ao tempo decorrido, com um período mínimo de 12 (doze) meses.

As alegações foram resumidas pela PFE em seu Parecer, conforme transcrevo:

98. A TIM alega violação ao art. 42 da LGT e art. 59, § 4º, do Regimento Interno da Agência pela norma não ter sido submetida à Consulta Pública, além de não ter sido objeto de análise pormenorizada no âmbito da AIR. Alega, ainda, questões relativas ao mérito administrativo, qual seja, incapacidade da norma de mitigar eventuais fraudes e a desnecessidade da norma.

99. A Telefônica afirma que teria ocorrido violação aos arts. 170 e 173 da Constituição Federal e aos arts. 5º e 128, da LGT, tendo a norma sido incluída “sem amparo legal e sem estudos econômicos ”, violando, ainda, o art. 55, do RST. Aduz que se trata de uma relação jurídica puramente comercial, fugindo a competência estabelecida no art. 1º da LGT e violando o § 3º, do art. 61 do RST.

100. A Oi alega violação aos arts. 1º, inciso IV, 170, 173 e 174 da Constituição Federal, aduzindo que a Agência teria promovido uma interferência indevida na relação jurídico contratual das prestadoras com terceiros. Alega que a solução contida no art. 34, §2º seria inviável tecnicamente para a Oi, com reformulação do seu modelo de negócios, além de poder ser inviável financeiramente para o seu parceiro comercial. Conclui que o custo regulatório da medida, portanto, precisaria ser mais bem estudado e detalhado.

101. A Claro alega violação ao art. 9º, §§1º e 3º da Lei das Agências c/c o art. 6º do Decreto nº 10.411/2020, já que a norma não teria sido cogitada em AIR e nem submetida à Consulta Pública. Afirma que teria ocorrido interferência indevida da Agência em uma relação comercial das prestadoras com os seus representantes e dealers, contrariando o art. 94, §2º da LGT e o art. 61 do RGT.

Assim como tratei na análise do tópico anterior, repiso aqui os mesmos argumentos discorridos nos itens 4.52 a 4.56 para afastar qualquer ilegalidade da norma no que se refere à ausência de AIR e/ou de Consulta Pública.

Como bem apontado pela PFE, o tema 4 da AIR tratou de questões de telemarketing e a revisão da norma em si tinha por fulcro todo o modelo de proteção do consumidor. 

Da diligência efetuada pelo Conselheiro Vistor Vicente Aquino, resta claro que o dispositivo questionado tem relação com o tema telemarketing, com o combate a práticas abusivas e comportamento predatório de representantes comerciais, como também com a proteção de dados pessoais, matéria já prevista em Lei, assim como com o combate a fraudes que, em seu sentido mais amplo já é um dever endereçado às Prestadoras no Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 73, de 1998.

E é justamente nesse sentido que, embora se trate de uma relação contratual entre Prestadora e terceiros, o serviço objeto desse contrato é um serviço de telecomunicações com impacto direto no consumidor. Portanto, pode e deve a Anatel definir contornos dessa atividade quando entender cabível para manter a regularidade da prestação do serviço.

Por fim, corroboro com o opinativo da PFE no sentido de que discutir se o mérito da proposta é ou não capaz de mitigar a ocorrência de eventuais fraudes não é cabível em Pedido de Anulação. Para isso existem outros instrumentos, entre eles a Análise de Resultado Regulatório - ARR. Caso a norma venha a se mostrar ineficiente ou insuficiente, uma nova revisão do RGC pode ser incluída na Agenda Regulatória.

Do exposto, não há ilegalidade no dispositivo questionado.

Da renovação automática de Oferta com Prazo de Permanência (Art. 36, § 2º)

O art. 36, §2º, ora questionado, possui a seguinte redação:

Art. 36. A Oferta poderá prever Prazo de Permanência de no máximo 12 (doze) meses, durante o qual o Consumidor se comprometerá a permanecer a ela vinculado, em contrapartida a um benefício concedido pela Prestadora.

[...]

§ 2º É vedada a renovação automática de Oferta com Prazo de Permanência

O dispositivo foi questionado pela Claro e pela Telefônica, pelas seguintes razões:

para a Claro, o dispositivo viola a liberdade de escolha dos usuários, prevista no art. 3º, II, da LGT e no art. 6º, II, do CDC;

para a Telefônica, a norma acarretaria supressão de vantagens comercias para a prestadora e para o consumidor e desconsidera o ambiente competitivo e dinâmico do setor, havendo violação dos princípios constitucionais da livre iniciativa, da legalidade, da razoabilidade, assim como os pressupostos que tutelam a imposição de novas regras pela Administração.

Absolutamente infundadas as alegações da Claro e da Telefônica.

Como mencionei acima, a vinculação do consumidor a uma Oferta com Prazo de Permanência depende de sua aceitação a um benefício concedido pela Prestadora. Dessa forma, não há que se falar em renovação automática. Esta sim, violaria a sua liberdade de escolha.

Vale notar que o RGC aprovado pela Resolução 632, de 2014, continha disposição semelhante, que dispunha que a Prestadora poderia OFERECER benefícios ao consumidor e, em contrapartida, exigir a sua permanência mínima a um contrato. Caso não se interessasse pelo benefício, o consumidor poderia aderir a qualquer serviço sem a necessidade de permanência mínima. 

As disposições do RGC aprovado pela Resolução nº 765, de 2023, apenas se diferenciam em razão da alteração ampla nas disposições sobre a Oferta.

A norma não proíbe a renovação da Oferta, mas sim a renovação AUTOMÁTICA. Deve a Prestadora entrar em contato com o consumidor e lhe propor a adesão a uma nova Oferta ou à mesma Oferta, caso ainda esteja dentro do Prazo de Comercialização, com benefícios que se sujeitam a uma contrapartida, qual seja, a permanência mínima. 

Por tal razão, demonstrada a legalidade da norma, também não há que se falar em violação a princípios constitucionais como deseja a Telefônica.

Do impedimento de cobrança de assinatura durante a suspensão parcial (Arts. 70 e 74)

Os arts. 70 e 74, ora questionados, possuem a seguinte redação:

Art. 70. A Prestadora poderá suspender o provimento do serviço após o decurso de 15 (quinze) dias da data em que notificar o Consumidor quanto à existência de débito vencido, do término dos créditos ou de seu prazo de validade.

Art. 74. É vedada a cobrança de assinatura ou qualquer outro valor referente à utilização do serviço durante o período de suspensão.

A legalidade do dispositivo foi suscitada por todas as Prestadoras interessadas, apesar da ampla discussão sobre seu teor quando da aprovação do novo RGC. 

Na discussão previamente à aprovação as Prestadoras alegavam prejuízos financeiros consideráveis com a proposta sem, contudo, conseguir demonstrá-los.

Tim e Oi voltam agora a pautar a discussão em prejuízos advindos da medida que não teriam sido considerados pela Anatel, além de a regulamentação incentivar a inadimplência. A Claro, em sentido semelhante, afirma que a norma fere o Decreto 10.411, de 2020, pois os custos de manutenção do serviço não foram avaliados na AIR, sendo dever da Anatel apurá-los.

A Claro ainda alega violação ao art. 126 da LGT, no sentido de que a Prestadora não está obrigada a suportar custos sem a devida contrapartida financeira.

A Telefônica, por sua vez, além de também afirmar que os impactos econômicos não foram considerados, em afronta ao art. 20 da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro - LINDB, adiciona que “ a alegação de desoneração em relação a outras obrigações não constitui justificativa suficiente, devendo a Agência comprovar que as restrições à liberdade e à propriedade guardam relação de necessidade às questões econômicas, competitivas e consumeristas, sob pena de afronta o art. 4º, V, da Lei nº 13.874/2019 e o art. 4º da Lei das Agências”.

Primeiramente, tem-se que, atualmente, os serviços prestados durante a suspensão são aqueles que não impõem custos aos consumidores, como o recebimento de chamadas e a realização de chamadas para serviços públicos de emergência, e representam custos marginais para a própria Prestadora, que não demonstrou o contrário.

De toda forma, a proposta do novo RGC ainda apresentou uma desoneração de obrigações para as prestadoras em relação à regulamentação vigente, conforme tabela apresentada pela área técnica no Informe nº 4/2023/SRC (10050318):

Logo se vê que as regras são mais rigorosas que as do RGC vigente para o consumidor, razão pela qual menos sentido faz continuar permitindo a cobrança de valores de assinatura no período de suspensão. 

Questões que especulam eventual incentivo à inadimplência podem, futuramente, caso comprovada pelas Prestadoras, vir a ser revistas em uma nova regulamentação, mas esse aspecto foi amplamente discutido pelo Conselho Diretor com a área técnica previamente à aprovação da norma, não havendo, de antemão, qualquer preocupação nesse sentido.

Quanto aos supostos prejuízos que as Prestadoras poderão sofrer, como dito, não houve demonstração inequívoca que pudesse ensejar a alteração da proposta aprovada. Nesse sentido, o Informe nº 4/2023/SRC (10050318) trouxe as seguintes considerações:

11.1. Os custos incorridos pelas prestadoras para a prestação dos serviços de telecomunicações podem ser classificados, de forma geral, em custos variáveis e custos fixos. Os custos variáveis são, normalmente, custos relacionados ao uso da rede, que variam conforme o consumo dos serviços de telecomunicações pelos usuários, enquanto os custos fixos são aqueles que não sofrem alterações devido ao consumo dos serviços pelos usuários, como os dispêndios relacionados às despesas administrativas e comerciais.

11.2. Quanto à primeira categoria de custos - custos variáveis - o usuário que efetua a ligação é quem remunera a rede, ou seja, por mais que os clientes inadimplentes estejam recebendo ligações, os custos relacionados à chamada já estão sendo remunerados pela outra ponta. No que se refere aos custos fixos, mesmo que as prestadoras tivessem a prerrogativa de desligar o cliente imediatamente após esse se tornar inadimplente, essas despesas não se modificariam a curto prazo, já que elas não estão diretamente relacionadas aos usuários e ao seu uso da rede, mas sim à prestação do serviço como um todo.

11.3. Por outro lado, existem serviços de emergências para quais os usuários inadimplentes poderiam realizar ligações sem que essas sejam remuneradas. Todavia, a quantidade de ligações e, como consequência, os custos incorridos pelo uso da rede que não estão sendo remunerados, são inexpressivos.

11.4. Assim, mesmo que as prestadoras tivessem uma base de clientes inadimplentes demasiadamente ampla, em que uma frustração de receita por apenas 60 dias fosse capaz de impactar substancialmente a sustentabilidade do negócio, é importante lembrar que a empresa certamente incorpora todos os custos, inclusive de inadimplência, nas suas práticas de preço.

11.5. Por esses motivos, esta área técnica não enxerga justificativas para efetuar qualquer cobrança aos usuários inadimplentes que estiverem sob suspensão.

11.6. Por fim, vale a pena lembrar que o modelo de custos é utilizado como um remédio regulatório concorrencial para estimular a competição nos mercados de atacado, assim como separação contábil e medidas de controle de preços de produtos de atacado nos moldes do PGMC. Tais medidas se aplicam ao relacionamento entre prestadores com poder de mercado significativo (em mercados de atacado) e demais prestadores de serviços de telecomunicações. Nunca entre prestadores e usuários. Assim, a utilização de elementos de custos para práticas comerciais de varejo é medida extrema e, adicionalmente, envolveria também a aplicação de obrigação de prestação de informações de custos para as empresas de pequeno porte.

[...]

12.3. De acordo com a teoria clássica da economia, as decisões de consumo do indivíduo buscam a maximização da utilidade esperada do consumidor, tendo em conta o seu rendimento. A maximização da utilidade (na ausência de risco e incerteza) é obtido a partir de dois pressupostos principais: a) a função de utilidade do indivíduo que corresponde a um universo de curvas de indiferença; b) o constrangimento orçamental que limita as possibilidades de cesta de consumo do indivíduo.

12.4. Desta forma, o consumidor maximizará a sua utilidade ao consumir uma determinada cesta de bens ao selecionar as quantidades que traduzem a melhor combinação. Além disso, os indivíduos racionais, quando beminformados, são capazes de antecipar os riscos envolvidos na aquisição de determinado produto e de chegar à conclusão de que o pagamento atrasado diminui sua utilidade global, pois o indivíduo pagará mais pelo consumo do mesmo produto se comparado ao pagamento tardio. Portanto, o consumidor é capaz de fazer boas escolhas quando bem informado, inclusive levando em consideração seus efeitos intertemporais, como a interrupção da fruição de seu consumo.

12.5. Já existe um claro estímulo econômico previsto nas relações entre prestadoras e consumidores com o objetivo de incentivar a não incorrência de inadimplência: multas e juros de mora. Esses instrumentos tratam-se, naturalmente, de um contra incentivo pecuniário que diminui a utilidade do indivíduo quando se faz o pagamento de determinado consumo fora dos prazos acordados. Portanto, sob o ponto de vista do instrumento econômico-comportamental aplicado, não se verifica qualquer diferença entre a imposição de uma assinatura “permanente” durante o tempo de suspensão do serviço e a aplicação de uma multa ou a incidência de juros. Todos esses instrumentos estariam tratando da aplicação de um mesmo remédio comportamental, apenas de espécies distintas de um mesmo gênero.

12.6. Logo, a inexistência de uma cobrança de outro tipo durante o período de suspensão do serviço não se configura em uma inexistência de uma penalidade financeira ao usuário com pagamento em atraso. A partir daí já se pode tirar uma primeira conclusão no sentido de que não existe um estímulo à inadimplência pela inexistência de tal cobrança.

[...]

12.12. Existem diversos estudos disponíveis na literatura sobre o impacto da incidência de multa na correção do comportamento dos indivíduos e, quase todas, corroboram o fato de existe uma necessária correlação de causalidade entre a existência de uma penalidade (multa) e a mudança do comportamento do indivíduo. Isso particularmente se acentua na medida em que a penalidade for mais gravosa. Não obstante, mesmo penalidades extremas não impedem a ocorrência de comportamentos, caso contrário, por exemplo, não mais existiram assassinatos, já que tal comportamento impõe uma extrema penalidade. Logo, a dosimetria das penalidades deve ser sopesada com outros aspectos que são tão importantes quanto os meramente econômicos.

12.13. Mesmo que se reconheça que a incidência de penalidades pecuniárias cumpra funções importantes para desincentivo de comportamentos indesejados, regulação de mercados, incentivo ao cumprimento de prazos, promoção de comportamento pró-social, dentre outras, o uso excessivo tende a gerar efeitos negativos, criando ressentimentos, incentivando a evasão ou mesmo a inadimplência assumida, ou levando as pessoas a adotarem estratégias para ludibriar os sistemas para evitar as penalidades. Portanto, sob o ponto de vista da economia comportamental, é fundamental equilibrar o uso de multas com outras abordagens, como incentivos positivos e estratégias de design no produto (e dos processos relacionados ao produto) que tornem o comportamento desejado facilitado e atraente.

12.14. Assim, o objetivo das mais modernas abordagens da economia comportamental é criar um ambiente que promova escolhas melhores e mais alinhadas com os objetivos desejados, sem recorrer constantemente à punição. Exemplos práticos recentes na economia comportamental têm mostrado que essas abordagens mais sutis, e menos intervencionistas, tem gerado melhores respostas no sentido de estimular os comportamentos para o objetivo desejado.

12.15. Na economia comportamental é bastante usual se recorrer ao conceito de nudges quando se avaliam os processos de tomada de decisão dos indivíduos. Isto é, em um contexto de tomada de decisão em que existe determinada arquitetura de escolhas, o conceito de nudges trata-se de estímulos que podem ser aplicados nas diversas etapas da tomada de decisão que influenciam na mudança do comportamento do indivíduo de maneira presumível. No entanto, esse estímulo não pode ser uma imposição ou uma proibição ou mesmo uma alteração significativa dos estímulos econômicos.

12.16. Os nudges desempenham um papel fundamental na economia comportamental ao oferecer uma abordagem sutil, mas eficaz, para melhorar as escolhas individuais e coletivas. Esses empurrões suaves, muitas vezes baseados em insights psicológicos e comportamentais, têm o poder de influenciar as decisões das pessoas de maneira positiva, sem impor restrições ou mudanças drásticas. Ao tornar mais fácil para as pessoas fazerem escolhas que beneficiem sua saúde, finanças ou meio ambiente, os nudges podem levar a resultados significativamente melhores. Eles capitalizam a propensão natural para a inércia das ações, simplificando a tomada de decisões e alinhando-a com objetivos mais benéficos a longo prazo, tornando-se assim uma ferramenta valiosa para impulsionar a tomada de decisões mais informadas e benéficas para o indivíduo e para as empresas.

12.17. Sendo assim, em particular ao tema da adimplência, outras abordagens tais como alternativas de contratação com pagamento antecipado, modalidades de cobrança com maior garantia de sucesso na captura, oferta de recompensas para usuários que atuam com comportamentos responsáveis, análise do enquadramento do perfil do usuário àquilo que ele contrata, notificações amigáveis e pouco intrusivas, dentre outras, tendem a ser melhores alternativas para estimular a adimplência dos consumidores. Isso ganha particular força no contexto em que já existe uma penalidade pecuniária aplicável ao contexto das cobranças dos serviços de telecomunicações: as multas e os juros.

12.18. Além disso, entende-se que o novo texto proposto para o RGC, que endurece os serviços que devem continuar a serem prestados durante o período de suspensão se comparados à versão vigente, é maior incentivo à adimplência do que a cobrança de uma taxa do consumidor durante o período de suspensão. Isso porque o consumidor não conseguirá usufruir do serviço após a suspensão, limitando-se a poder receber chamadas e realizar chamadas de emergência, no caso dos serviços de voz. Vale lembrar que, na maior parte dos casos, as prestadoras já oferecem aos seus clientes linhas telefônicas fixas gratuitas no caso dos combos com o SCM e o SEAC e que os serviços pré-pago já permitem o recebimento de chamadas e a realização de chamadas emergenciais mesmo que o consumidor não possua crédito.

12.19. Portanto, nesse caso concreto de avaliar se a incidência da proposta do art. 75 poderia servir como um estímulo à inadimplência recorrente do consumidor, deve-se sopesar os argumentos não estritamente econômicos no sentido da manutenção do texto tal como proposto pela área técnica. Primeiramente, porque já existe na relação contratual estabelecida entre prestadoras e consumidores uma penalidade pecuniária na forma de multa e juros, tratando-se a incidência de uma cobrança durante o período de suspensão de mera variação de um mesmo gênero de penalidade. Em segundo lugar, as ferramentas mais modernas da economia comportamental têm mostrado que outros tipos de intervenções têm alcançado resultados particularmente interessantes e mais eficazes do que os fluxos punitivistas para o usuário. Adicionalmente, os fatores morais e jurídicos que já foram pontuados apontam para a não viabilidade desse tipo de cobrança, repisa-se:

a) a ausência de prestação de serviços que resultem em ônus ao usuário durante o período de suspensão capaz de justificar uma contraprestação;

b) que os custos de inadimplência devem ser suportados pelas multas e juros devidos em decorrência da mora (art. 56, V, c/c art. 80, § 1º da Minuta de Resolução SEI nº 9389461), e não pela cobrança de "assinatura" ou de outros valores;

c) que o não incremento da dívida do usuário durante o período de suspensão colabora para a regularização do débito; e

d) não ter sido demonstrada a construção dos cálculos apresentados pelas Prestadoras peticionantes, os quais teriam a finalidade de comprovar a alegação quanto ao impacto financeiro da proposta prevista na Minuta de Resolução SEI nº 9389461.

 

Não há, portanto,  qualquer violação ao Decreto nº 10.411, de 2020, haja vista que a proposta aprovada foi precedida de exaustivos debates e análise aprofundada da matéria. Pela mesma razão, não há qualquer violação ao art. 20 da LINDB ou dos pressupostos a serem observados pela Administração Pública.

Do prazo para rescisão (Art. 73)

O dispositivo questionado estabelece o que segue:

Art. 73. Transcorridos 60 (sessenta) dias da suspensão do serviço, a Prestadora poderá rescindir o contrato de prestação de serviço mediante prévia notificação do Consumidor.

A Oi, com fundamento no art. 20 da LINDB, argumenta que o prazo de 75 (setenta e cinco) dias entre a notificação de inadimplência e a rescisão contratual não teve seu impacto aprofundado na AIR, de forma que seria ilegal. Além disso, estaria se impedindo a cobrança de um serviço oneroso.

Os argumentos sobre o impedimento de cobrança são basicamente os mesmos apresentados para os dispositivos tratados no item anterior, de  forma que entendo desnecessário abordar novamente a questão, uma vez que já restou demonstrada a ausência de ilegalidade nesse ponto.

Ao contrário do que a Oi alega, a AIR analisou, em uma das alternativas, a de se reduzir o prazo de suspensão, a qual se demonstrou menos vantajosa não só para o consumidor, como também para a Prestadora que, em razão de um prazo exíguo, poderia perder o usuário de sua base em razão da ausência de tempo hábil para se recompor e quitar seu débito. 

Entendeu-se, adicionalmente, que o prazo representa um custo marginal para as Prestadoras, sendo exatamente o mesmo prazo da norma que estaria sendo revogada.

Do exposto, não há que se falar em ilegalidade do dispositivo.

Das medidas assimétricas (Arts. 90 e 91)

As medidas assimétricas se aplicam a Prestadoras de Pequeno Porte - PPP e foram assim tratadas na regulamentação:

Art. 90. Aplicam-se às Prestadoras de Pequeno Porte o disposto no art. 1º; art. 2º, art. 3º; art. 4º; art. 5º; art. 6º; art. 7º; § 1º do art. 8º; caput e inciso I do art. 9º; caput e § 1º do art. 10; incisos I e II e §§ 2º, 4º e 5º do art. 13; art. 14; incisos I e II do art. 15; art. 17; incisos I, II e III e § 2º do art. 18; art. 19; art. 23; art. 24; art. 25; art. 26; art. 27; art. 28; art. 29; art. 35; art. 36; art. 37; art. 39; art. 40; art. 41; art. 42; art. 43; art. 44; art. 45; art. 46; art. 47; art. 49; art. 51; art. 52; caput e §§ 1º, 2º e 4º do art. 54; incisos I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, XI e XII do art. 55; art. 56; art. 57; art. 58; art. 60; art. 61; art. 62; art. 63; art. 64; art. 65; art. 66; art. 67; art. 68; art. 69; art. 70; art. 71; art. 72; art. 73; art. 74; art. 75; art. 76; art. 77; art. 78; art. 79; art. 80; art. 81; art. 82; art. 83; art. 85; art. 86, art. 92; art. 97; art. 98 e art. 99 deste Regulamento, sem prejuízo das obrigações constantes da Lei nº 8.078, de 1990, da Lei nº 9.472, de 1997, e da Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, ou outras que as substituam. (Retificação publicada no DOU em 26 de dezembro de 2023)

Art. 91. O Atendimento Telefônico das Prestadoras de Pequeno Porte funcionará, no mínimo, pelo período de 8 (oito) horas, ininterruptamente, nos dias úteis.

Para a Tim, as medidas são ilegais por violarem o princípio da isonomia sob a ótica do consumidor.

A Telefônica argumenta no mesmo sentido, detalhando o prejuízo que os consumidores das PPPs teriam com a não aplicação dos seguintes dispositivos: § 2º, do art. 10, art. 12 inciso II, do § 3º, do art. 18, art. 32, art. 33, art. 34 e inciso XIII, do art. 55. Para ela:

A dispensa de cumprimento de algumas regras do RGC parece impactante para qualquer usuário, de modo que aqueles atendidos por PPPs deixarão de ter direitos tais como: acesso no primeiro menu eletrônico para falar com atendente, fazer reclamação e rescisão do contrato; ausência de consulta ao histórico do perfil de consumo dos últimos seis meses; ausência de atendimento 24x7; e opção de contratar sem fidelização.

Igualmente são as alegações da Claro, pois, no seu entender, apenas seriam válidas assimetrias a serem cumpridas em face da Administração, mas não poderia haver regramentos diversos para os consumidores.

Telefônica e Claro fundamentam seu argumento em voto do Min. Alexandre de Moraes, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 7416, no seguinte teor:

Ainda, é preciso destacar que o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte não pode obstar a proteção ao consumidor, nem irem de encontro ao acesso dos clientes a uma informação adequada.

A PFE, em seu Parecer, cita sua análise feita nos autos do processo nº 53500.061949/2017-68 que tratou do novo RGC, oportunidade em que se manifestou sobre a possibilidade do uso de medidas assimétricas, como segue:

Parecer nº 00383/2019/PFE-ANATEL/PGF/AGU (4256592)

64. Pois bem, feitas essas considerações, verifica-se que a proposta da área técnica cria assimetrias para prestadoras de pequeno porte. A ideia de criação de uma assimetria regulatória encontra-se diretamente relacionada com a premissa de se estabelecerem condições jurídicas para que seja possível o implemento da concorrência efetiva, de modo a se reduzirem as barreiras de fato existentes ao ingresso de novos operadores de mercado de telecomunicações.

65. A assimetria regulatória pressupõe duplicidade de regimes jurídicos aplicáveis, um mais gravoso e outro mais fluido. Desse modo, para que seja possível a inserção efetiva de novos entrantes no mercado, exsurge necessária a adoção de intervenções regulatórias que permitam o estímulo aos operadores emergentes.

66. Por outro lado, é importante considerar que o Poder Público possui como dever a garantia de prestação de um serviço ao usuário que seja adequado e de qualidade, bem como a proteção dos direitos dos usuários do serviço.

67. Assim, não há óbice jurídico à implementação do modelo de assimetria regulatória, desde que todas as prestadoras estejam sujeitas a um padrão razoável de qualidade no atendimento. Tais medidas não podem ocasionar prejuízos aos usuários do serviço em sua interação com a Prestadora de Serviços de Telecomunicações, devendo ser garantido a todos os usuários um atendimento eficiente e com qualidade.

Na presente oportunidade, frisa que a assimetria regulatória sobre direitos dos consumidores não é novidade no setor, já constando do RGC aprovado pela Resolução nº 632, de 2014.

Até mesmo a regulamentação do tempo máximo de contato direto com o atendente e horário de funcionamento do Serviço de Atendimento ao Consumidor, objeto da Portaria do Ministério da Justiça nº 2.014, de 13 de outubro de 2008, que regulamentou o Decreto nº 6.523, de 31 de julho de 2008, conhecido como Decreto do SAC, já trazia a possibilidade de medidas assimétricas para o setor, como segue:

Art. 3º O SAC estará disponível, ininterruptamente, durante vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana.

§ 1º Poderá haver interrupção do acesso ao SAC quando o serviço ofertado não estiver disponível para fruição ou contratação, vinte e quatro horas por dia e sete dias por semana, nos termos da regulamentação setorial em vigor.

§ 2º Excetua-se do disposto no caput do presente artigo, o SAC destinado ao serviço de transporte aéreo não regular de passageiros e ao atendimento de até cinqüenta mil assinantes de serviços de televisão por assinatura, cuja disponibilidade será fixada na regulação setorial. (destaquei)

No Judiciário, há casos em que o Superior Tribunal de Justiça afasta inclusive a incidência de regras do Código de Defesa do Consumidor a alguns planos de saúde, verbis:

Súmula 608: "Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão." (grifei)

Portanto, não há que se falar em inobservância ao princípio da isonomia, tratando-se de regramentos aplicados a prestadoras em situações fáticas diversas. Tais medidas voltam-se a incentivar a entrada e crescimento de pequenos prestadores em favorecimento à concorrência e consequentemente aos consumidores, de forma semelhante a outros casos previstos na legislação brasileira, como visto.

Tampouco há que se falar em impossibilidade de regramentos assimétricos em normas consumeristas, conforme demonstrado.

Quanto ao trecho do voto do Min. Alexandre de Moraes a PFE esclareceu o que segue:

Parecer 17/2024/PFE-ANATEL/PGF/AGU (11396349)

190. Da leitura da passagem colacionada pelas Interessadas não é possível extrair o argumento de ser juridicamente impossível criar assimetrias regulatórias sobre direitos dos usuários. O que está dito pelo Min. Alexandre de Moraes é somente que o “tratamento favorecido às empresas de pequeno porte não pode obstar a proteção ao consumidor ”. Logo, é possível conferir tratamentos favorecidos às empresas de pequeno porte desde que não obste a proteção ao consumidor.

191. No caso da ADI n.º 7416, ela versou sobre a constitucionalidade da Lei 5.885, de 24.5.2022, do Estado de Mato Grosso do Sul, que obriga as empresas prestadoras de serviços de internet móvel e de banda larga na modalidade pós-paga a apresentarem, na fatura mensal, informações sobre a entrega diária de velocidade de recebimento e envio de dados pela rede mundial de computadores. Não havia nessa lei qualquer assimetria regulatória, pois todas as empresas prestadoras de SMP e SCM no Estado do MS deveriam prestar aquelas informações.

192. De acordo com a autora da ADI n.º 7416, a Lei 5.885, de 24.5.2022, do Estado de Mato Grosso do Sul, violaria: “ (i) a livre iniciativa, porquanto adentra nas relações privadas ao adicionar obrigações que superam os termos contratuais devidamente ajustados entre as partes; (ii) a ordem econômica; e (iii) a equação econômico-financeira dos contratos firmados entre os prestadores de serviços de telecomunicações e seus consumidores; além de minar a competitividade dos micro, pequenos e médios provedores regionais, afetando sobremaneira a própria prestação de serviços à população do Estado do Mato Grosso do Sul.”

193. Não há qualquer discussão sobre assimetria regulatória, mas de ser a Lei estadual atacada prejudicial aos pequenos provedores. Inclusive, sobre o último tema (“minar a competitividade dos micro, pequenos e médios provedores regionais”), a PGR em seu parecer afirma que não houve comprovação sobre essa alegação:

Por fim, a requerente não se desincumbiu do ônus de comprovar de que maneira a Lei 5.885/2022, do Estado de Mato Grosso do Sul, poderia ameaçar a segurança jurídica quanto aos contratos previamente celebrados entre as empresas prestadoras de serviços de internet e os consumidores, bem como tais disposições normativas teriam a força de comprometer a subsistência das empresas de pequeno porte e das microempresas do ramo, em afronta ao art. 179 da Constituição Federal.

Consoante destacado pelo Governador do Estado de Mato Grosso do Sul, a requerente, no que se refere à violação da proteção especial às pequenas e microempresas, serviu-se de argumentos baseados em prognósticos obscuros, sem que tenha sido juntada qualquer documentação que servisse de lastro, fático ou técnico, apta a corroborar tais previsões.

194. Percebe-se, portanto, que a passagem colacionada do voto do Min. Alexandre de Moraes, relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 7416, não aborda o tema da assimetria regulatória. E isso se dá pela ausência de alegação nesse sentido pela autora, tendo ela se restringindo a defender a existência de um dano a ser sofrido pelos pequenos e médios provedores regionais.

195. Diante disso, não é possível extrair a conclusão defendida pelas Interessadas de que seja ilegal conferir um tratamento favorecido às empresas de pequeno porte quando o tema for direito dos consumidores. Novamente, o que voto do Min. Alexandre de Moraes defende é a impossibilidade de o tratamento favorecido às empresas de pequeno porte obstar a proteção ao consumidor. O que se permite concluir que desde que haja uma proteção ao consumidor, conforme o Código do Consumidor, Decreto SAC (Decreto nº 11.034/2022) e outros diplomas normativos pertinentes, é possível existir um tratamento favorecido às empresas de pequeno porte.

196. É justamente isso o que faz o Novo RGC, pois para as empresas com menor carga regulatória, as PPP com até 5.000 (cinco mil) acessos em serviço, ainda assim é aplicável todos aqueles diplomas legais básicos de proteção do consumidor, conforme o §5º do art. 90 do Novo RGC.

197. Não se trata, portanto, de um prevalecer um direito (proteção ao consumidor) e em face de outro (tratamento favorecido às empresas), como aduz as Interessadas (de modo mais evidente, o §87 da petição da Claro). Mas sim de uma compatibilização entre dois direitos: tratamento favorecido às empresas de pequeno porte e a proteção ao consumidor.

Resta, assim, afastada qualquer hipótese de ilegalidade nas medidas assimétricas.

Das petições extemporâneas

Conforme mencionei anteriormente ao relatar os fatos, em 1º de março de 2024, após a publicação da pauta da RCD na qual se incluiu o presente processo, as interessadas protocolizaram petição (11596399, 11596663 e 11596717) requerendo a juntada de Parecer Jurídico emitido pelo Professor Ricardo Campos (11596400, 11596665 e 11596718).

Em 5 de março de 2024, protocolizaram novas petições (11613522, 11613288, 11613672) acompanhadas de síntese de mencionado Parecer Jurídico.

A Súmula nº 21, de 10 de outubro de 2017, fixou entendimento deste Conselho acerca do tratamento a ser concedido a tais petições, como segue:

"As petições extemporâneas, quando não caracterizado abuso do exercício do direito de petição, devem ser conhecidas e analisadas pelo Conselho Diretor desde que protocolizadas até a data de divulgação da pauta de Reunião na Biblioteca e na página da Agência na internet.

É facultado o exame dessas petições, no caso concreto, pelo Conselheiro ou pelo Conselho Diretor após o prazo estipulado e até o julgamento da matéria, sobretudo se a manifestação do interessado trouxer a lume a notícia de fato novo ou relevante que possa alterar o desfecho do processo.

Não há necessidade de desentranhamento de petições extemporâneas, ainda que não conhecidas por esse órgão colegiado".

No caso, o exame de referidas petições é facultativo.

Inicialmente, é imperioso registrar que todas as petições tem por intuito anexar um mesmo Parecer, de lavra do Ilmo. Prof. Ricardo Campos. Embora os Pedidos de Anulação tenham sido protocolizados em dezembro de 2023, apenas após o Parecer da PFE as petições extemporâneas foram protocolizadas e, ainda assim, na sexta-feira, dia 1º de março, após as 21h27.

O Parecer juntado pelas Interessadas, obviamente que pela notoriedade de sua autoria, aprofunda o debate, mas não o incrementa, notando-se apenas uma tentativa exasperada de ver os Pedidos de Anulação reconhecidos.

Em sua introdução, a peça trata dos limites da intervenção do Estado na liberdade econômica e tece considerações sobre a transformação do direito administrativo, com fulcro no art. 128, III, da LGT, que trata dos condicionamentos impostos à Anatel, com fulcro em dispositivos Constitucionais e também da Lei nº 13.874, de 2019 - Lei de Liberdade Econômica.

Com isso, pretende pautar os supostos vícios e ilegalidades do RGC em cinco pontos específicos, a saber:

A desproporcionalidade da intervenção estatal no domínio privado, implicando violações concretas à liberdade de iniciativa;

A violação do princípio da razoabilidade, decorrente de uma regulação ex ante intrusiva;

O efeito-surpresa das normas aprovadas, que ignoram a boa-fé processual em razão da ausência da realização de Análise de Impacto Regulatório adequada;

A necessidade de observância da neutralidade regulatória;

Aos vícios de competência, caracterizados pela extrapolação das atribuições da Anatel.

Quanto à desproporcionalidade da intervenção, repete argumentos acerca do lapso temporal entre a AIR e a aprovação do RGC, defendendo que os dados deveriam ter sido atualizados, já que muitos problemas teriam deixado de existir ou tido uma redução no volume de reclamações, rebatendo também os aspectos da avaliação da AIR, que teriam sido qualitativos e não econométricos.

Especificamente sobre os dispositivos do RGC, mantém como ponto primordial dos questionamentos os custos envolvidos, os quais seriam sem precedentes, impactando decisivamente na própria estruturação setorial, desorientando relações já estruturadas há longo prazo.

Nesse contexto, afirma ter havido violação concreta aos princípios constitucionais da livre iniciativa, o qual também é um princípio basilar previsto na LGT.

Reafirmando a ilegalidade de cada um dos dispositivos já atacados pelas Prestadoras, o Parecer apenas repisa os argumentos já apresentados, refutando alguns pontos da análise feita pela PFE, além de citar exemplos de outros mercados regulados e questionar a qualidade e profundidade da avaliação feita na AIR ou mesmo a ausência dessa avaliação, o que ensejaria a nulidade das disposições regulamentares. Afirma, ainda, não ter havido participação ativa dos regulados na tomada de decisão, já que os impactos econômicos de algumas regras inseridas mais recentemente na proposta não foram devidamente debatidas.

Ao final, resume os argumentos, como segue:

As inovações regulatórias trazidas no RGC que apresentam vícios formais e implicações materiais negativas inerentes podem ser resumidas da seguinte maneira:

i. A alteração no regime de data-base para a autorização de reajustes, presente nos art. 21 §3º e art. 39 do novo RGC, evidencia a desproporcionalidade da intervenção estatal no domínio privado, implicando violações concretas à liberdade de iniciativa;

ii. O novo modelo de migração de ofertas, presente nos artigos art. 21, art. 23 e 31, §2º do novo RGC, além de não fomentar claramente objetivos centrais da Agência, traz impactos negativos para o consumidor;

iii. A inserção da vedação de cobrança durante período de suspensão em razão de inadimplência do consumidor, disposta no art. 74 do novo RGC, viola preceitos como o princípio da boa-fé, uma vez que não foi objeto de devida análise durante a AIR;

iv. A interferência no relacionamento entre prestadoras e parceiros comerciais, presente no Art. 34, §2º do novo RGC, demonstra a inobservância dos limites de competência da própria Anatel para regular a matéria;

v. A vedação à renovação automática de ofertas, prevista no art. 36 § 2º do novo RGC, configura regulação ex ante intrusiva a qual viola o princípio da razoabilidade;

vi. A ausência de isonomia entre consumidores de PPPs e não PPPs, presentes nos art. 90 e art. 91 do novo RGC, desconsidera o dever de observância da neutralidade regulatória, sobretudo a partir de uma análise do seu impacto para os consumidores. 

Nos aspectos específicos do RGC aqui discutidos, resta evidente o distanciamento do Estado, representado pela Anatel, na utilização de procedimentos administrativos, conforme previstos em lei, para a geração de conhecimento necessário à regulação de mercados complexos e dinâmicos. Tal regulação deveria buscar não apenas mitigar as externalidades negativas das próprias normas, mas também criar alternativas regulatórias viáveis, com objetivos claros de eficácia e eficiência das medidas para o consumidor. A postura da administração em relação às disposições do Regulamento elencadas não somente fere pilares centrais da “nova ciência do direito administrativo” (neue Verwaltungswissenschaft), mas, acima de tudo, revela uma série de vícios formais e materiais. Se, por um lado, a existência desses vícios afasta o Regulamento da realidade fática e do melhor cenário regulatório, seja para o consumidor, seja para as próprias prestadoras, por outro ela se desdobra em consequências mais diretas, credibilizando o caminho para o questionamento da nulidade do próprio RGC.

Embora em suas 160 (cento e sessenta) páginas o Parecer juntado pelas Interessadas venha trazer julgados, fatos históricos, doutrinas etc, o Parecer da PFE já afastou todas as questões suscitadas, conforme tratei pontualmente na presente Análise.

Vale mencionar que a AIR, assim como a minuta de Resolução, foram objeto de Consulta Pública, oportunidade em que as Prestadoras interessadas poderiam ter questionado todos os seus aspectos, alternativas, aprofundado a avaliação feita. Poderiam ainda ter trazido, não só naquela oportunidade como em outras ocasiões a pedido desde próprio Conselho, os custos e prejuízos que alegavam, sem, contudo, fazê-lo.

Portanto, pela faculdade que me é concedida pela Súmula nº 21, uma vez que o Parecer apenas reitera os argumentos já expostos nos Pedidos de Anulação, não implicando em alteração no desfecho do processo, proponho não conhecer das petições.

Por todo o exposto na presente Análise e no Parecer 17/2024/PFE-ANATEL/PGF/AGU (11396349), que adoto integralmente como razão de decidir, voto pela improcedência dos pedidos de anulação apresentados por TIM S/A (11297885), OI S/A - Em Recuperação Judicial (11297896), TELEFÔNICA BRASIL S/A (11297895) e CLARO S/A (11315090) e pelo não conhecimento das petições extemporâneas (11596399, 1159666311596717, 11613522, 11613288 e 11613672).

Cumpre mencionar que a proposta de encaminhamento contida na presente Análise relaciona-se com o Objetivo 16 da Agenda 2030, o qual busca desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, voto:

pela improcedência dos pedidos de anulação apresentados por TIM S/A, OI S/A - Em Recuperação Judicial, TELEFÔNICA BRASIL S/A e CLARO S/A;

pelo não conhecimento das petições extemporâneas (11596399, 11596663,  1159671711613522, 11613288 e 11613672);

por determinar o arquivamento dos autos.


logotipo

Documento assinado eletronicamente por Raphael Garcia de Souza, Conselheiro, Substituto(a), em 07/03/2024, às 16:42, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


QRCode Assinatura

A autenticidade deste documento pode ser conferida em http://www.anatel.gov.br/autenticidade, informando o código verificador 11509210 e o código CRC A72178D0.




Referência: Processo nº 53500.113347/2023-41 SEI nº 11509210