Boletim de Serviço Eletrônico em 11/02/2019
Timbre

Análise nº 2/2019/MM

Processo nº 53548.001122/2016-78

Interessado: GLORIA TURBO LTDA-ME

CONSELHEIRO

MOISÉS QUEIROZ MOREIRA

ASSUNTO

Recurso Administrativo interposto em face de decisão que manteve a sanção de multa aplicada em virtude da exploração do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) sem a devida autorização.

EMENTA

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO PARA APURAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES (PADO)​. PRESTAÇÃO CLANDESTINA DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA (SCM). MULTA. COMPETÊNCIA FISCALIZATÓRIA E SANCIONATÓRIA DA SUPERINTENDÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO (SFI). INDEPENDÊNCIA RELATIVA DE ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. INFRAÇÃO DE NATUREZA GRAVE. SANÇÃO ADEQUADA. RECURSO ADMINISTRATIVO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

No âmbito da Anatel, a Superintendência de Fiscalização (SFI) é competente para instaurar, instruir e aplicar sanções em Pados que tratem da exploração de serviço de telecomunicações sem autorização. A transferência irregular da outorga para prestação de serviços de telecomunicações recai sob a esfera de competência da Superintendência de Controle de Obrigações (SCO). Como se observaram tais competências, não há qualquer vício a ser sanado nos presentes autos.

Provedores de Serviço de Conexão à Internet (PSCI) e Prestadores de Serviço de Valor Adicionado (PSVA) incorrem em exploração clandestina de SCM quando se fazem valer da rede de acesso e de uma licença de funcionamento de estação pertencentes a uma Prestadora de SCM e assumem claramente, dentre outras obrigações, a de fornecimento de capacidade de tráfego de dados, contratado junto a uma terceira prestadora de serviços de telecomunicações, devidamente autorizada, para que o assinante seja interligado à Internet.

A parceria apurada neste caso visava conferir aparente legalidade à prestação de SCM pela Recorrente, ao mesmo tempo em que a parceira receberia contraprestação pecuniária por deter outorga do SCM e estações licenciadas.

A promoção de arquivamento de investigação criminal por ausência de dolo não impede a responsabilização pelos mesmos fatos na esfera administrativa, uma vez que as instâncias penal e administrativa são relativamente independentes. Somente há vínculo entre as instâncias no caso de absolvição penal por inexistência do fato ou negativa de autoria, previstas no art. 386, incisos I e IV, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal. 

Ao explorar o SCM sem a devida outorga, a Recorrente auferiu vantagem direta, pois, para além de perceber rendimentos decorrentes da própria atividade, deixou de recolher os tributos devido ao Estado. Trata-se de infração de natureza grave, nos termos do art. 9º, § 3º, inciso II, do Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas (RASA), aprovado pela Resolução nº 589, de 7 de maio de 2012.

A sanção pecuniária obedeceu aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, tendo sido aplicada conforme metodologia que considera os parâmetros objetivos estabelecidos na regulamentação.

As alegações da Recorrente não trazem qualquer fato novo ou circunstância relevante susceptível de justificar a reforma da decisão recorrida.

Pelo conhecimento e não provimento do Recurso Administrativo interposto.

REFERÊNCIAS

Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações - LGT;

Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal;

Norma nº 4/95, que dispõe sobre o Uso da Rede Pública de Telecomunicações para acesso à Internet, aprovada pela Portaria nº 148, de 31 de maio de 1995;

Regulamento dos Serviços de Telecomunicações (RST), aprovado pela Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998;

Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia - RSCM, aprovado pela Resolução nº 272, de 9 de agosto de 2001;

Regulamento para Aplicação de Sanções Administrativas - RASA, aprovado pela Resolução nº 589, de 7 de maio de 2012;

Regimento Interno da Agência Nacional de Telecomunicações - RIA, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013; e

Procedimento de Fiscalização para verificação do cumprimento das obrigações técnicas pelas prestadoras autorizadas do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) e da exploração clandestina desse serviço, aprovado pela Portaria nº 215, de 3 de março de 2015.

RELATÓRIO

DOS FATOS

Cuida-se de Recurso Administrativo interposto por GLORIA TURBO LTDA - ME, inscrita no CNPJ sob o nº 10.286.445/0001-33, em face do Despacho Decisório nº 285/2018/SEI/FIGF/SFI, de 10 de abril de 2018, por meio do qual o Superintendente de Fiscalização negou provimento a recurso anterior, mantendo a sanção de multa inicialmente imposta no valor de R$ 5.345,49 (cinco mil, trezentos e quarenta e cinco reais e quarenta e nove centavos), aplicada em virtude da exploração do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) sem autorização no Município de Glória de Dourados, Estado do Mato Grosso do Sul.

O processo foi instaurado a partir da constatação de execução do SCM sem a devida outorga, por meio de lavratura do Auto de Infração nº 0001MS20160006, de 7 de junho de 2016 (SEI nº 0581577). A ação de fiscalização encontra-se descrita no Relatório de Fiscalização nº 0080/2016/UO072, de 23 de junho de 2016 (SEI nº 0597164), e resultou na interrupção cautelar do serviço e apreensão dos equipamentos utilizados na prática delituosa, registrados no Termo de Lacração, Apreensão e Interrupção nº 0001MS20160006 (SEI nº 0581590).

Os fatos constatados, por constituírem indício de crime de telecomunicações, foram representados ao Ministério Público Federal por meio do Ofício nº 90/2016/SEI/UO072FI/UO072/GR07/SFI-ANATEL, de 24 de junho de 2016 (SEI nº 0595788), o qual foi recebido na mesma data pelo destinatário (SEI nº 0601046).

Notificada para defender-se no próprio Auto de Infração, a Recorrente optou por não apresentar defesa administrativa.

Em 20 de julho de 2016, pelo Ofício nº 196/2016/SEI/GR07CO/GR07/SFI-ANATEL (SEI nº 0668261), a Recorrente foi notificada para apresentar alegações finais, tendo protocolizado "pedido de anulação" do processo em 10 de agosto de 2016, alegando, em suma, a incompetência da Superintendência de Fiscalização para instruir o processo, a caracterização do serviço prestado como Serviço de Valor Adicionado (SVA), a existência e a legalidade de parceria do autuado com um prestador regular de SCM, a ausência de terceirização de responsabilidades pelo prestador de SCM e, por fim, a ilegalidade da não participação da empresa parceira no ato da fiscalização.

A área técnica analisou os autos e refutou os argumentos apresentados por meio do Informe nº 195/2016/SEI/GR07CO/GR07/SFI, de 24 de novembro de 2016 (SEI nº 0862577), sugerindo a caracterização da infração constatada e a aplicação da sanção de multa, além do encaminhamento de cópia dos autos à Gerência de Controle de Obrigações Gerais (COGE) devido à constatação de indícios de infração de transferência irregular da autorização para exploração de SCM.

O Gerente Regional nos Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, por intermédio do Despacho Decisório nº 154/2016/SEI/GR07CO/GR07/SFI (SEI nº 0883588), decidiu acatar as conclusões do referido Informe e aplicar sanção de multa no valor de R$ 5.345,49 (cinco mil, trezentos e quarenta e cinco reais e quarenta e nove centavos), por infração ao art. 131 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações - LGT.

Notificou-se a Recorrente em 6 de dezembro de 2016 (SEI nº 1049040), pelo Ofício nº 500/2016/SEI/GR07CO/GR07/SFI-ANATEL (SEI nº 0990241).

Após vistas aos autos, houve apresentação de Recurso Administrativo em 26 de dezembro de 2016 (SEI nº ​1072195), sendo reiterada a legalidade da parceria estabelecida com o regular prestador de SCM e a caracterização do recorrente como Prestador de Serviço de Conexão à Internet (PSCI), e não como prestador de SCM.

Novamente, a área técnica refutou os argumentos apresentados, sugerindo o conhecimento e não provimento do recurso, por meio do Informe nº 8/2017/SEI/GR07CO/GR07/SFI, de 23 de janeiro de 2017 (SEI nº 1109169), o que foi acatado pelo Gerente Regional nos Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins, no Despacho nº 3/2017/SEI/GR07CO/GR07/SFI (SEI nº 1115383), e pelo Superintendente de Fiscalização, no Despacho nº 285/2018/SEI/FIGF/SFI (SEI nº 2589865), respectivamente.

A recorrente foi intimada da decisão por meio do Ofício nº 395/2018/SEI/GR07CO/GR07/SFI-ANATEL (SEI nº 2619656), em 20 de abril de 2018 (SEI nº 2692969), tendo apresentado Recurso Administrativo (SEI nº 2740682) em 17 de maio de 2018 (SEI nº 2740691). Nessa oportunidade, houve reiteração dos argumentos anteriormente apresentados, acrescentando supostos entendimentos do Ministério Público Federal e da Polícia Federal contrários ao posicionamento da Anatel, em casos semelhantes.

Em 2 de julho de 2018, atribuiu-se efeito suspensivo ao Recurso Administrativo (SEI nº 2901831).

Considerando que o último recurso foi assinado por signatário diferente dos anteriores, o Recorrente foi notificado a regularizar a representação, tendo apresentado instrumento de procuração a Ulisses Costa de Almeida (SEI nº 2908425).

A área técnica refutou os argumentos apresentados no Informe nº 300/2018/SEI/GR07CO/GR07/SFI, de 12 de julho de 2018 (SEI nº 2901671), sugerindo o conhecimento do Recurso.

Na sequência, o Superintendente de Fiscalização decidiu por conhecer o Recurso, manter a decisão recorrida e encaminhar os autos ao Conselho Diretor para análise, a partir do Despacho Decisório nº 1003/2018/SEI/FIGF/SFI (SEI nº 3561137) e da Matéria para Apreciação do Conselho Diretor nº 1237/2018 (SEI nº 3561138), ambos de 4 de dezembro de 2018.

Dessa forma, remeteram-se os autos a este Colegiado informando-se que não houve necessidade de manifestação da Procuradoria Federal Especializada nesta Agência (PFE-Anatel), nos termos do Regimento Interno da Anatel (RIA), aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013.

Em 24 de dezembro de 2018, o presente processo foi sorteado para relatoria deste Gabinete (SEI nº 3649156).

É o relato.

DA ANÁLISE

Da admissibilidade

A instauração e instrução do presente processo atenderam à sua finalidade, com observância aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, conforme dispõem a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e o RIA.

No que se refere aos requisitos de admissibilidade, constata-se que a Recorrente possui interesse na reforma da decisão proferida pelo Superintendente de Fiscalização, está regularmente representada e não há contrariedade a entendimento fixado em Súmula pela Agência.

Ademais, verifica-se que o Recurso Administrativo foi interposto tempestivamente, observando-se o prazo de 10 (dez) dias descrito no art. 115, § 6º, do RIA. Nesse ponto, registre-se que houve apresentação de solicitação de vistas registrada no Sistema de Relações com Usuário (Focus) no primeiro dia de contagem do prazo, implicando na sua suspensão até o dia 11 de maio de 2018, momento em que o pedido foi plenamente atendido (SEI nº 2718107), nos termos do  art. 129, § 4º, III, do RIA.

Presentes, portanto, os pressupostos de admissibilidade do Recurso Administrativo, previstos no art. 116 do RIA, conforme análise feita pelo Superintendente de Fiscalização, em observância ao que dispõe o art. 115, §1º do RIA, contida no Despacho Decisório nº 1003/2018/SEI/FIGF/SFI, de 4 de dezembro de 2018.

Ainda em fase preliminar, necessário registrar que, embora a Recorrente tenha apresentado petição solicitando anulação de todo o processo, tal impugnação deve ser recebida como "Recurso Administrativo", em apreço ao princípio da fungibilidade, na forma do disposto no art. 115 e seguintes do RIA.

Do mérito recursal

Cuida a presente Análise de processo administrativo sancionatório instaurado em virtude de a Recorrente estar prestando SCM sem autorização expedida pela Anatel, em ofensa ao disposto no art. 131 da Lei Geral das Telecomunicações (LGT – Lei nº 9.472/1997), que assim prescreve: Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia autorização da Agência, que acarretará direito de uso das radiofrequências necessárias.

Em suas razões recursais, pugna pela nulidade do processo, nos seguintes termos:

A regulamentação da Anatel prevê a diferenciação entre SCM e SVA, sendo lícito firmar-se parceria entre os dois prestadores para o atendimento dos usuários. A recorrente, portanto, estaria atuando como prestadora de SVA, e teria firmado parceria com uma prestadora regular de SCM para atender os usuários no Município de Glória de Dourados, Estado de Mato Grosso do Sul;

A Anatel, nos Ofícios nº 10/2009/PVSTR-Anatel, de 7 de maio de 2009, nº 60/2013-PRRE-Anatel, de 6 de agosto de 2013, nº 72/2014/PRRE-Anatel, de 10 de abril de 2014, e nº 187/2013/PRRE-Anatel, de 19 de abril de 2013, teria reafirmado a distinção entre os serviços, bem como a preservação do serviço de acesso à internet;

A fiscalização que deu origem ao processo em análise não poderia ser classificada como "técnica", e, portanto, a instauração, instrução e decisão do processo seriam de competência da Superintendência de Controle de Obrigações, e não da Superintendência de Fiscalização;

O Ministério Público Federal e a Polícia Federal teriam emitido posicionamentos favoráveis à legalidade da parceria estabelecida entre prestadores de SVA e SCM em casos semelhantes.

Acerca da diferenciação entre o SCM e o SVA, razão assiste à Recorrente, na medida em que a regulamentação da Anatel dedica vários dispositivos ao tema, estabelecendo, especificamente quanto ao SCM, que a atividade de conexão à internet constitui serviço de valor adicionado, e não serviço de telecomunicações. Da mesma forma, tais atividades podem ser desempenhadas por pessoas jurídicas diversas que firmam contrato de parceria entre si.

Na mesma linha, o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia (RSCM), aprovado pela Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, permite que a prestadora de SCM contrate de terceiros a utilização de equipamentos e o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares à prestação do serviço:

Art. 41. Constituem direitos da Prestadora, além dos previstos na Lei nº 9.472, de 1997, na regulamentação pertinente e os discriminados no Termo de Autorização para prestação do serviço:

I - empregar equipamentos e infraestrutura que não lhe pertençam; e,

II - contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço.

§ 1º A Prestadora, em qualquer caso, continua responsável perante a Anatel e os Assinantes pela prestação e execução do serviço.

§ 2º As relações entre a Prestadora e os terceiros são regidas pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e a Anatel.

Posto que exista previsão regulamentar para o estabelecimento deste tipo de relação, os autos estão repletos de evidências de que a Recorrente, de fato, não atua como mera prestadora de SVA, mas sim como prestadora não autorizada de SCM.

As conclusões da equipe de fiscalização, registradas no Relatório de Fiscalização nº 0080/2016/UO072 (SEI nº 0597164) e consubstanciadas no Auto de Infração nº 0001MS20160006 (SEI nº 0581577), demonstram que o SCM era prestado pela Recorrente a partir de estação de telecomunicações licenciada em nome de sua parceira comercial, Ulisses Costa de Almeida ME.

De acordo com o modelo de negócios estabelecido, a parceira detentora da outorga para prestação do SCM sequer dispunha de capacidade local para a prestação do serviço (links IP de acesso ao Backbone). A contratação de tais links, segundo os contratos auditados na ação de fiscalização, era de inteira responsabilidade de um dos sócios da Recorrente (SEI nº 0591810). Somam-se a isso as constatações decorrentes do monitoramento das redes realizado em campo, conforme descrito no Relatório de Fiscalização mencionado:

5.2.2 No dia 07/06/2016 a equipe de fiscalização deslocou-se até o endereço da estação nº 1000206642 conforme item 5.2.1. Neste endereço foi observada a existência de uma torre com antenas instaladas conforme fotos anexas. Foi realizado monitoramento para identificação das características técnicas da rede de computadores "wireless" em operação nas imediações do local, sendo constatada a existência da rede "GLORIA TURBO INTERNET" com diversos usuários conectados no momento da fiscalização.

Destaca-se, ainda, pelos dispositivos contratuais da parceria firmada, que a Recorrente realizava pagamentos mensais e anuais à sua parceira, sem estabelecimento de contrapartida. O tipo de parceria apresentado visava apenas conferir aparente legalidade à prestação de SCM pela Recorrente, ao mesmo tempo em que a parceira receberia contraprestação pecuniária por deter outorga do SCM e estações licenciadas.

Como bem apontado pela área técnica no Informe nº 300/2018/SEI/GR07CO/GR07/SFI (SEI nº 2901671), a parceria estabelecida visava, apenas, conferir aparência de legalidade à atuação da Recorrente, além de remunerar sem qualquer causa a sua parceira. Vejamos:

3.31. O Contrato existente entre a Recorrente, suposta prestadora do SVA, e a Ulisses Costa de Almeida ME, suposta exploradora do SCM, na verdade se traduz em uma falsa parceria, um negócio jurídico simulado, existente para fraudar a legislação. Os documentos que foram apresentados pela Recorrente buscam dar aparência de legalidade à prestação não autorizada do SCM, todavia, o zelo formal não esconde a situação fática da prestação clandestina do serviço.

3.32. A conclusão de que as alegadas parcerias são negócios jurídicos simulados decorre da apuração da real responsabilidade pela prestação do SCM. Independente dos documentos apresentados pela fiscalizada, constatou-se, da situação verificada no caso concreto, um conjunto de provas que invalida a legitimidade da alegação de parceria.

3.33. Para avaliar a situação de fato, o fiscal localiza os usuários conectados à estação licenciada pela autorizada. Neste sentido, é importante salientar que o exame das cláusulas do Contrato de parceria apresentado deixa evidente que a autorizada não é a responsável pela prestação do SCM.

3.34. A autorizada não tem relação com o serviço prestado ou com seus usuários. Ela apenas simula prestar o serviço de telecomunicações que daria suporte a um suposto SVA prestado pela autuada. Na prática, é a Recorrente quem presta o SCM aos usuários, sem participação da autorizada. O benefício mútuo se estabelece na medida em que a simulação desonera a Recorrente de seus encargos legais e a autorizada lucra sem contrapartida em serviço.

3.35. Em suma, ao averiguar quem recebe pelo serviço e gerencia a infraestrutura que torna possível a sua prestação, torna-se indiscutível que a relação comercial entre as empresas tem como finalidade essencial burlar a fiscalização da Anatel e, supostamente, a da receita estadual. A parceira, ora Recorrente, é, de fato, a responsável pela exploração do SCM, e a autorizada é um mero fornecedor do “contrato de parceria” que, supostamente, livraria a parceira dos custos e encargos relacionados à prestação regular de um serviço de telecomunicações.

Na verdade, a responsabilidade pela exploração e execução do SCM foi transferida à Recorrente, o que é vedado pela regulamentação. 

Este Conselho Diretor já analisou outros casos de parceria semelhantes à aqui apurada, e confirmou sua irregularidade:

ACÓRDÃO Nº 94/2015-CD

Processo nº 53504.021151/2010-77

Conselheiro Relator: Rodrigo Zerbone Loureiro

Fórum Deliberativo: Reunião nº 772, de 26 de março de 2015

Recorrente/Interessado: ABCREDE LTDA. – ME (CNPJ/MF nº 04.323.568/0001-02)

EMENTA

PADO. RECURSO ADMINISTRATIVO. SUPERINTENDÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO. EXECUÇÃO NÃO OUTORGADA DE SCM. ARGUMENTOS DA RECORRENTE IMPROCEDENTES. PELO CONHECIMENTO E NO MÉRITO NÃO PROVIMENTO.

1. A Prestadora foi sancionada por executar o Serviço de Comunicação Multimídia sem autorização desta Agência.

2. Instada a se defender, a Prestadora alegou que possuía contrato de parceria com entidade outorgada e que prestava apenas serviço de valor adicionado. Ademais, de acordo com a Recorrente, quando da lavratura do auto de infração, já possuía outorga desta Agência.

3. Os argumentos foram pontualmente afastados pela área técnica, vez que se constatou in loco a prestação do serviço e, embora o auto de infração tenha realmente data posterior à autorização desta Agência, a fiscalização se deu antes da devida outorga.

4. Recurso Administrativo conhecido e no mérito, não provido. [Grifou-se]

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ACÓRDÃO Nº 81, DE 14 DE MARÇO DE 2017

Processo nº 53528.006513/2013-74

Recorrente/Interessado: BITCOM PROVEDOR DE SERVIÇO DE INTERNET LTDA.

CNPJ/MF nº 00.413.707.0001-20

Conselheiro Relator: Otavio Luiz Rodrigues Junior

Fórum Deliberativo: Reunião nº 821, de 9 de março de 2017

EMENTA

RECURSO ADMINISTRATIVO. SUPERINTENDÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO. PRESTAÇÃO CLANDESTINA DO SERVIÇO DE COMUNICAÇÃO MULTIMÍDIA (SCM). AÇÃO PENAL Nº 5006661-52.2015.4.04.7107/RS. CONFIRMAÇÃO DA MATERIALIDADE E DA AUTORIA DOS FATOS ORA APURADOS. AÇÃO ORDINÁRIA Nº 5008623-34.2015.4.04.7100/RS. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE À DELIBERAÇÃO DESTE PADO. AÇÃO DECLARATÓRIA Nº 010/1.10.0018537-0. AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA TEMÁTICA. INEXISTÊNCIA DE CONTRADIÇÃO ENTRE AS CONSTATAÇÕES DOS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO DE SERVIDOR PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DE CLANDESTINIDADE. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE NÃO CONSIDERADA NO SANCIONAMENTO. REVISÃO DE OFÍCIO DO VALOR DA MULTA. REFORMATIO IN MELIUS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1. Recurso Administrativo em face de Despacho Decisório que manteve a sanção de multa aplicada em decorrência de prestação do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) sem outorga do poder competente, em ofensa ao art. 131 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações - LGT, e ao art. 10 do Regulamento do SCM, aprovado pela Resolução nº 272, de 9 de agosto de 2001.

(...)

7. Provedores de Serviço de Conexão à Internet (PSCI) e Prestadores de Serviço de Valor Adicionado (PSVA) incorrem em exploração clandestina de SCM quando se fazem valer da rede de acesso e de uma licença de funcionamento de estação pertencentes a uma Prestadora de SCM e assumem claramente, dentre outras obrigações, a de fornecimento de capacidade de tráfego de dados, contratado junto a uma terceira prestadora de serviços de telecomunicações, devidamente autorizada, para que o assinante seja interligado à Internet.

8. As alegações da Recorrente não trazem qualquer fato novo ou circunstância relevante susceptível de justificar a reforma da decisão recorrida.

9. Revisão, de ofício, do valor da multa de R$ 3.010,08 (três mil e dez reais e oito centavos) para R$ 2.859,58 (dois mil, oitocentos e cinquenta e nove reais e cinquenta e oito centavos), tendo em vista a constatação de circunstância atenuante descrita no inciso III do art. 20 do Regulamento para Aplicação de Sanções Administrativas - RASA, aprovado pela Resolução nº 589, de 7 de maio de 2012.

10. Recurso Administrativo conhecido e não provido.

Participaram da deliberação o Presidente Juarez Quadros do Nascimento e os Conselheiros Igor Vilas Boas de Freitas, Anibal Diniz, Otavio Luiz Rodrigues Junior e Leonardo Euler de Morais (Grifou-se)

Não restam dúvidas, portanto, de que a Recorrente prestou o SCM de forma clandestina.

Sobre a alegação de que a SFI não teria competência para instaurar, instruir e decidir o presente feito, por não constituir a infração em análise uma irregularidade técnica, cabe trazer à baila precedente deste Conselho Diretor, decidido em sua 714ª Reunião, em 19 de setembro de 2013. Decidiu o Colegiado, com base na Análise nº 400/2013-GCRZ, de 9 de setembro de 2013, de lavra do Conselheiro Rodrigo Zerbone Loureiro, que a infração de exploração de serviço de telecomunicações sem autorização constitui, sim, irregularidade técnica:

Processo nº 53542.001797/2011

Conforme se percebe da análise dos autos, a configuração da infração de exploração de serviços de telecomunicações sem autorização, temática atinente ao Pado em questão, demanda o conhecimento de questões técnicas relativas às telecomunicações, bem como costuma ter relação com outras infrações que também devem ser caracterizadas como técnicas, tais com uso irregular de radiofrequência e uso de equipamento sem certificação.
4.2.16. Nesse sentido, o Parecer Nº 0036 – 1.16/ 2011/RZL/GAB/CONJUR-MC/AGU, da Consultoria Jurídica junto ao Ministério das Comunicações, que foi aprovado pelo Ministro de Estado das Comunicações e corroborado pelo Conselho Diretor da Anatel, assim interpreta a expressão “aspectos técnicos” contida no parágrafo único do art. 211 da LGT:
“[...] em relação ao significado de “aspectos técnicos”, considero que a Lei Geral se refere a todos aqueles assuntos relacionados a radiofreqüência e a certificação de equipamentos. Ao contrário do sustentado pela Procuradoria da Anatel, não vejo como possível a interpretação de que a lei se refere aos “aspectos técnicos das irregularidades relacionadas com o serviço de radiodifusão em si”, simplesmente porque não há como determiná-los. O que seriam aspectos técnicos do serviço de radiodifusão? Questões societárias? Questões relacionadas a requisitos mínimos de programação? Certamente que não. Portanto, “aspectos técnicos” significa todos os aspectos relativos ao uso de radiofreqüências e à certificação de equipamentos, assuntos já colocados na esfera de competência da Agência por outros dispositivos legais.”

Por essas razões, o argumento deve ser rejeitado.

Por derradeiro, a Recorrente mencionou a suposta existência de posicionamentos do Ministério Público Federal e a Polícia Federal supostamente favoráveis à legalidade da parceria estabelecida entre prestadores de SVA e SCM em casos semelhantes.

Já de início, destaca-se a independência entre as esferas penal e administrativa. O fato de uma conduta ser caracterizada como infração na esfera penal e na administrativa, simultaneamente, não implica necessária incidência do ne bis in idem. De maneira geral, pode-se classificar determinada conduta como ilícito penal, civil e administrativo, simultaneamente. Entretanto, a condenação em uma esfera não provoca condenação em outra.

As instâncias vinculam-se apenas nos casos excepcionais de absolvição penal por inexistência do fato ou negativa de autoria, conforme previsto no art. 386, incisos I e IV, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, Código de Processo Penal: 

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato;

(...)

IV –  estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;

Da leitura dos precedentes citados pela Recorrente, verifica-se que, em nenhum caso, o arquivamento ocorreu por inexistência do fato ou negativa de autoria. Ademais, em ambos os casos, não há nem ao menos identidade entre os supostos infratores e a Recorrente.

Ao promover o arquivamento da Notícia de Fato nº 1.18.000.000036/2015-98, o MPF concluiu pela inexistência de dolo no desenvolvimento clandestino de SCM. Em momento algum se afirmou a inexistência do fato ou negativa de autoria. Ao contrário, registrou-se que o então fiscalizado (Natan Junior Alves de Borba-ME) não refutou qualquer responsabilidade pela instalação e funcionamento dos equipamentos destinados à exploração de SCM:

Arquivamento nº 20/2015 

No momento da fiscalização, NATAN JUNIOR ALVES DE BORBA-ME​ não refutou qualquer responsabilidade pela instalação e funcionamento dos equipamentos destinados à exploração de serviço de comunicação multimídia.

(...)

(...) Ausente, portanto, o elemento subjetivo do tipo, qual seja, o dolo de desenvolver atividade sem permissão do ente público responsável. (...)"

No relatório referente ao Inquérito Policial nº 0110/2017-4-DPF/JZO/BA, o DPF demonstra a independência relativa entre as instâncias penal e administrativa. Além disso, à semelhança do caso do MPF, não concluiu pela inexistência do fato ou negativa de autoria:

"Ocorre que durante as oitivas de JEFFERSON e, sobretudo de ULISSES, ficou evidenciado que a empresa deste último era devidamente outorgada pela ANATEL para o exercício de suas atividades e a existência de contrato firmado com o primeiro para a consecução de suas atividades, donde poder-se-ia no máximo falar em eventual ilícito administrativo ou descumprimento de regulamentos da Anatel.

Deve-se destacar que o inquérito policial destina-se exclusivamente à apuração de ilícitos penais, sendo que ainda que a ANATEL conclua pela existência de eventuais irregularidades administrativas, não significa automaticamente que há configuração de clandestinidade, elemento constitutivo do tipo penal sob análise.

(...)

Sendo assim, levando-se em consideração a independência entre as esferas penal e administrativa, excluída está a conduta praticada do âmbito de atuação do Direto Penal, por conta de não ter sido verificada a "clandestinidade» na fiscalização, o que não impediu, porém, a atuação do Direito Administrativo, com seu poder-dever de polícia, materializado quando da aplicação das sanções cabíveis.

Os precedentes mencionados pela Recorrente não se afiguram aptos a afastar eventual responsabilização na instância administrativa. 

Do Sancionamento

O art. 173 da LGT prevê as seguintes sanções:

Art. 173. A infração desta Lei ou das demais normas aplicáveis, bem como a inobservância dos deveres decorrentes dos contratos de concessão ou dos atos de permissão, autorização de serviço ou autorização de uso de radiofreqüência, sujeitará os infratores às seguintes sanções, aplicáveis pela Agência, sem prejuízo das de natureza civil e penal:

I - advertência;

II - multa;

III - suspensão temporária;

IV - caducidade;

V - declaração de inidoneidade.

Optou-se, no caso em análise, pela aplicação da sanção pecuniária, em razão da impossibilidade de se aplicar sanção menos gravosa. Isto, porque o Regulamento de Aplicação de Sanções Administras (RASA), aprovado pela Resolução nº 589, de 7 de maio de 2012, autoriza a aplicação de sanção de advertência apenas para as infrações classificadas como leves:

CAPÍTULO VII

DA APLICAÇÃO DE ADVERTÊNCIA

Art. 12. A critério da Agência, nas infrações classificadas como leves, e quando não houver reincidência específica, pode ser aplicada a sanção de advertência ao infrator.

A infração de explorar serviço de telecomunicações sem outorga deve ser classificada como grave, por implicar vantagem direta ao seu infrator. A exploração do SCM sem a devida outorga, além de implicar em rendimentos decorrentes da própria atividade, resulta na ausência de recolhimento de tributos devido ao Estado. Assim prevê o RASA:

Art. 9º As infrações são classificadas, segundo sua natureza e gravidade, em:

I - leve;

II - média; e

III - grave.

(..)

§ 3º A infração deve ser considerada grave quando verificada uma das seguintes hipóteses:

I - ter o infrator agido de má-fé, consoante os parâmetros previstos no  art. 7º deste Regulamento;

II - ter o infrator auferido, diretamente, vantagem em decorrência da infração cometida;

III - quando atingido número significativo de usuários;

IV - quando seus efeitos representarem risco à vida;

V - impedir o usuário efetivo ou potencial de utilizar o serviço de telecomunicações, sem fundamentação regulamentar;

VI - opor resistência injustificada ao andamento de fiscalização ou à execução de decisão da Agência;

VII - descumprimento de obrigações de universalização;

Definida a gradação da infração e a sanção aplicável, utilizou-se para cálculo da multa a metodologia (SEI nº 0883546) aprovada por este Conselho Diretor por meio da Portaria nº 788, de 26 de agosto de 2014, o qual dispõe sobre o cálculo do valor-base de multa relativa à execução sem outorga de serviço de telecomunicações ou pelo uso não autorizado do espectro de radiofrequências.

A memória de cálculo anexada ao Informe nº 195/2016/SEI/GR07CO/GR07/SFI (SEI nº 0817273) contém o detalhamento da fórmula utilizada, qual seja:

VM = { INT x i x [K x (TFI + RF) * 2,8 x (1 -e -(0,08 x Q + 0,36) + AGV } - ATN

 

Nesse cálculo, utilizaram-se os seguintes parâmetros:

VM — Valor da multa;

INT — Interferência: 1, que significa "ausência de interferência";

  Tipo de Infrator: 1, pessoa jurídica;

— Interesse: 4 = coletivo;

TFI — Taxa de Fiscalização de Instalação: R$ 1.340,80;

RF  Fator correspondente ao Uso de Radiofrequência nos serviços de radiodifusão: R$ 0,00;

 Quantidade de Estações: 1;

AGV — Agravantes; e

ATN —Atenuantes.

Ao considerar as especificações do ilícito na aplicação da metodologia, a Área Técnica definiu o valor da multa a ser aplicada em seu valor-base, haja vista a inexistência de circunstâncias agravantes ou atenuantes, resultando no valor de R$5.345,49 (cinco mil, trezentos e quarenta e cinco reais e quarenta e nove centavos).

Conforme se verifica da consulta formulada ao Sistema Integrado de Controle de Processos (Spado) desta Agência (SEI nº 0882051), não havia qualquer registro de antecedente em nome da Recorrente.

Dessa forma, a sanção aplicada não merece reparo.

Por fim, como as alegações da Recorrente não trazem qualquer fato novo ou circunstância relevante susceptível de justificar a reforma da decisão recorrida, o recurso em análise não deve ser provido.

CONCLUSÃO

Voto pelo conhecimento e não provimento do Recurso Administrativo.


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Documento assinado eletronicamente por Moisés Queiroz Moreira, Conselheiro, em 08/02/2019, às 17:26, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


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Referência: Processo nº 53548.001122/2016-78 SEI nº 3686402