Boletim de Serviço Eletrônico em 09/09/2020
Timbre

Voto nº 22/2020/EC

Processo nº 53500.022476/2019-45

Interessado: Prestadoras de Serviços de Telecomunicações

CONSELHEIRO

EMMANOEL CAMPELO DE SOUZA PEREIRA

ASSUNTO

Enquadramento regulatório das Ofertas de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet por meio de Subscrição (sVOD).

EMENTA

OFERTAS DE CONTEÚDO AUDIOVISUAL PROGRAMADO VIA INTERNET POR MEIO DE SUBSCRIÇÃO (SVOD). ENQUADRAMENTO REGULATÓRIO. TOMADA DE SUBSíDIOS. Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) e Serviço de Valor Adicionado (SVA).

Procedimento de Tomada de Subsídios instaurado para a avaliação das Ofertas de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet por meio de Subscrição (sVOD).

Conforme o art. 2º, inciso XXIII, da Lei 12.485, de 12 de setembro de 2011 (Lei do SeAC), o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC) é um serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinado à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e de canais de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer.

Nos termos do art. 61 da LGT, o Serviço de Valor Adicionado (SVA) é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

Na medida em que se verifica a necessidade da contratação de serviço de telecomunicação para se usufruir do acesso aos canais pela Internet, resta excluída a caracterização do SeAC.

O enquadramento do sVOD como SVA é compatível com as normas previstas na LGT, na Lei do SeAC, na Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, Marco Civil da Internet (MCI), no Regulamento do SeAC, aprovado pela Resolução nº 581, de 26 de março de 2012, e com a Portaria MCTIC nº 1.153, de 19 de março de 2020 do então MCTIC.

A solução da presente lide prescinde de qualquer alteração legal ou da regulamentação aplicável ao SeAC.

Pela desnecessidade de suspensão de dispositivos da regulamentação aplicável ao SeAC, uma vez que é dever da Anatel avaliar todos os mercados de varejo, e identificando falhas de mercado, nos termos do que prevê o PGMC, impor medidas para garantir que a competição será efetiva, segundo disposição legal.

No âmbito do que se discute no presente processo, entendo suficiente a iniciativa prevista no item 51 da Agenda Regulatória 2019-2020, sem a necessidade de expedição de determinações adicionais.

Pela desnecessidade de edição de súmula, considerando que a presente deliberação está suficientemente robusta para se caracterizar como decisão de repercussão setorial, cujos fundamentos deverão ser considerados em casos análogos.

Reconhecer que a Oferta de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet por meio de Subscrição (sVOD)​ não se enquadram como Serviço de Acesso Condicionado (SeAC).

REFERÊNCIA

Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações (LGT);

Lei nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, Lei do Serviço de Acesso Condicionado (Lei do SeAC);

Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013, que aprovou Regimento Interno da Anatel (RIA);

Informe nº 201/2019/PRRE/SPR (SEI nº 5040338);

Parecer nº  00073/2020/PFE-ANATEL/PGF/AGU (SEI nº 5325383);

MACD nº 261/2020 (SEI nº 5338210);

Análise nº 84/2020/VA (SEI nº 5386010);

Processo nº 53500.022476/2019-45.

RELATÓRIO

DOS FATOS

Cuida-se de análise sobre o enquadramento regulatório das Ofertas de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet por meio de Subscrição (sVOD), considerando-se os elementos trazidos na Tomada de Subsídios promovida pela Superintendência de Competição da Anatel.

Instaurou-se o presente feito por meio do Informe nº 81/2019/PRRE/SPR, de 13 de junho de 2019 (SEI nº 4230073), em razão das Denúncias apresentadas pela Claro S.A. nas quais afirmou que a Fox Latin America Channels do Brasil Ltda. (Processo SEI nº 53500.056473/2018-24) e a Topsports Ventures Ltda. (Processo SEI nº 53500.057279/2018-66) estariam prestando serviços de telecomunicações clandestinamente, mediante a oferta de canais com conteúdo linear via Internet denominados Fox+ e Esporte Interativo Plus, respectivamente, sem a devida outorga de Serviço de Acesso Condicionado (SeAC).

O Informe nº 81/2019/PRRE/SPR (SEI nº 4230073) propôs a realização de Tomada de Subsídios (SEI nº 4254327) utilizando-se da Consulta Pública nº 22, de 6 de junho de 2019 (SEI nº 4230149), cujo prazo para envio de contribuições foi inicialmente definido de 13 de junho de 2019 às 16h00 a 15 de agosto de 2019 às 23h59.

A questão principal da Tomada de Subsídios se refere ao enquadramento do serviço oferecido ao assinante (usuário final) no modelo de negócio em que este é o responsável por seu acesso à Internet pública e contrata o acesso a canais com conteúdo audiovisual difundidos separadamente de uma fornecedora. Buscaram-se subsídios para se determinar se a permissão de acesso a esse conteúdo audiovisual seria Serviço de Valor Adicionado (SVA) ou oferta de SeAC e, portanto, serviço de telecomunicações.

A matéria foi trazida para deliberação deste Colegiado pelo Relator, Conselheiro Vicente Aquino, na Reunião nº 888, ocorrida em 06/08/2020, por meio da Análise nº 84/2020/VA (SEI nº 5386010), na qual propôs:

Voto por:

a) fixar entendimento de que a oferta de televisão linear por assinatura na Internet (TVLAI)​ se enquadra como Serviço de Valor Adicionado (SVA);

b) determinar que a Superintendência de Competição (SCP), em conjunto com a Superintendência de Planejamento e Regulamentação (SPR), levando em consideração (i) a assimetria regulatória existente entre a TVLAI e o SeAC; (ii) a consequente necessidade de redução do peso regulatório imposto ao SeAC; e (iii) a importância de se garantir o atendimento ao interesse público e à proteção dos direitos dos usuários, tome as seguintes providências, no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir da presente decisão:

b.1) apresente proposta indicando quais dispositivos regulamentares dentre aqueles afetos ao SeAC não possuem previsão legal e necessitam ter sua eficácia suspensa cautelarmente até que se proceda à pertinente revisão por meio de processo ordinário;

b.2) apresente proposta de inclusão ou alteração de iniciativa na Agenda Regulatória para o biênio 2019-2020 com vistas a revisar os regulamentos que entender adequado e proceda à adaptação das iniciativas propostas para a Agenda Regulatória para o biênio 2021-2022 quando da análise das contribuições da Consulta Pública nº 56/2020, objeto do Processo nº 53500.014780/2020-52

b.3) proceda às pertinentes tratativas junto à Agência Nacional do Cinema (Ancine) para o constante monitoramento do mercado de conteúdo audiovisual, no qual se inclui a TVLAI, encaminhando-lhe, inclusive, a presente Análise;

b.4) quando da execução da iniciativa regulamentar de número 51 da Agenda Regulatória para o biênio 2019-2020, referente à "Reavaliação do mercado relevante de distribuição de pacotes ou conteúdos audiovisuais", que se considere a pertinência da inclusão da TVLAI no mercado relevante do SeAC, tendo em vista dados que indicam o caráter substitutivo entre eles, conforme apontado no Informe nº 461/2020/CPRP/SCP, de 6 de julho de 2020 (SEI nº 5726467), devendo-se observar o descrito na Seção IX da presente Análise. Adicionalmente, deve-se proceder às pertinentes adaptações à referida iniciativa proposta para a Agenda Regulatória para o biênio 2021-2022 quando da análise das contribuições da Consulta Pública nº 56/2020, objeto do Processo nº 53500.014780/2020-52;

c) encaminhar ao Ministério das Comunicações o resultado da presente deliberação para que avalie a pertinência de encaminhá-lo ao Congresso Nacional, considerando sua competência legislativa sobre o tema, assim como a similaridade da TVLAI com o SeAC e a assimetria existente entre eles.

Na ocasião solicitei vistas da matéria e na Reunião nº 889, ocorrida em 27/08/2020, tive meu pedido de vistas prorrogado por 120 dias.  

É o que importa relatar.

DAS CONSIDERAÇÕES POR PARTE DESTE CONSELHEIRO

Nos termos relatados, lembra-se que o processo nasceu de denúncia de prestadora do SeAC contra detentora de canais de programação de televisão por assinatura, que, ao transmiti-los via internet por meio de programa de assinatura avulso, incorreria na prestação clandestina de SeAC.

Não é demais relembrar, também, que a Lei 12.485/2011, em seu art. 5º, veda que produtoras e programadoras de conteúdos detenham controle de prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse restrito, dentre eles o SeAC. Assim, tem-se que a lide suscitada na denúncia não dizia respeito à existência ou não outorga por parte da denunciada, já que a inexistência de outorga é fato incontroverso. Mas, de forma mais precisa, trata-se de uma eventual evasão da obrigatoriedade de que seus conteúdos sejam transmitidos por meio de prestadora terceira.

Dessa forma, a área técnica, vislumbrando a necessidade de melhor se debruçar sobre o tema, expediu cautelarmente o Despacho Decisório nº 128/2019/CPRP/SCP (SEI nº 4234270), determinando à Fox que somente oferecesse seu conteúdo mediante autenticação de uma assinatura associada ao SeAC.

Importa destacar que a expedição de medida cautelar não pode ser interpretada como antecipação de mérito, mas, in casu, como uma suspensão temporária ad cautelam da oferta avulsa da Fox, até que a Agência decida em definitivo sobre a questão, evitando-se o risco de prejuízos irreversíveis pelo decurso de tempo.

À época, a área técnica cuidou de fundamentar a sua cautelar por entender que, em primeiro lugar, o exame perfunctório do caso indicaria considerável similaridade do produto ofertado pela Fox à prestação do SeAC, indicando a presença de fumus boni juris à reclamação da denúncia. Ademais, considerou, em análise preliminar, que a adoção em larga escala desse modelo poderia esvaziar o SeAC, que carrega em sua carga regulatória políticas como o estímulo à produção de conteúdo nacional.

Nesses termos, entendo que foi oportuna e devidamente fundamentada a cautelar expedida, pois o que se objetivava não era adiantar entendimento de que o produto Fox+ configuraria a prestação de SeAC, mas evitar maiores danos na hipótese de esse entendimento vir a ser posteriormente adotado, especialmente se vários outros atores do mercado decidissem seguir o mesmo caminho.

Como já abordado no Informe nº 201/2019/PRRE/SPR (SEI nº 5040338), a caracterização da prestação do SeAC se dá no âmbito de uma cadeia de processos e atividades previstas na Lei nº 12.485/2011, denominada Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado, que é assim definida:

VI - Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado: complexo de atividades que permite a emissão, transmissão e recepção, por meios eletrônicos quaisquer, de imagens, acompanhadas ou não de sons, que resulta na entrega de conteúdo audiovisual exclusivamente a assinantes;

Ademais, define a Lei, em seu art. 4º, que a Comunicação Audiovisual de acesso condicionado é composta pelas seguintes atividades:

Art. 4º São atividades da comunicação audiovisual de acesso condicionado:

I - produção;

II - programação;

III - empacotamento;

IV - distribuição.

Da leitura das definições de cada uma dessas atividades, verifica-se que se tratam de camadas encadeadas de processos, que têm as seguintes definições:

XVII - Produção: atividade de elaboração, composição, constituição ou criação de conteúdos audiovisuais em qualquer meio de suporte;

XX - Programação: atividade de seleção, organização ou formatação de conteúdos audiovisuais apresentados na forma de canais de programação, inclusive nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado;

IV - Canal de Programação: resultado da atividade de programação que consiste no arranjo de conteúdos audiovisuais organizados em sequência linear temporal com horários predeterminados;

XI - Empacotamento: atividade de organização, em última instância, de canais de programação, inclusive nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado, a serem distribuídos para o assinante;

X - Distribuição: atividades de entrega, transmissão, veiculação, difusão ou provimento de pacotes ou conteúdos audiovisuais a assinantes por intermédio de meios eletrônicos quaisquer, próprios ou de terceiros, cabendo ao distribuidor a responsabilidade final pelas atividades complementares de comercialização, atendimento ao assinante, faturamento, cobrança, instalação e manutenção de dispositivos, entre outras; (grifos nossos)

Vale dizer que os arts. 9º e 29 definem que a competência para a fiscalização das atividades de programação e empacotamento cabe à Ancine, enquanto da distribuição fica a cargo da Anatel, justamente por constituir a prestação de serviço de telecomunicações, o SeAC, que assim é definido:

XXIII - Serviço de Acesso Condicionado: serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado no regime privado, cuja recepção é condicionada à contratação remunerada por assinantes e destinado à distribuição de conteúdos audiovisuais na forma de pacotes, de canais nas modalidades avulsa de programação e avulsa de conteúdo programado e de canais de distribuição obrigatória, por meio de tecnologias, processos, meios eletrônicos e protocolos de comunicação quaisquer.

XVI - Pacote: agrupamento de canais de programação ofertados pelas empacotadoras às distribuidoras, e por estas aos assinantes, excluídos os canais de distribuição obrigatória de que trata o art. 32; (grifos nossos)

Percebe-se, portanto, que a configuração do SeAC não se dá pela simples geração de conteúdos audiovisuais ou pela distribuição de quaisquer conteúdos de mídia, e tampouco pela oferta de quaisquer conteúdos audiovisuais por quaisquer meios, mas mediante a observância de requisitos em cada uma das etapas do art. 4º acima transcrito.

Ademais, a prestação do SeAC pressupõe relação direta de prestação de serviço de telecomunicações, que, conforme consta da definição (de distribuição), inclui atividades como faturamento, atendimento e instalação e manutenção de dispositivos, visto haver o uso de rede de telecomunicações para tanto.

De forma estruturada, é necessário, em primeiro lugar, que uma ou mais entidades realizem a produção de conteúdo audiovisual, para que sejam então agrupados em canais de programação linear, inseridos em pacotes de distribuição, e por fim distribuídos por meio de uso de redes de telecomunicações.

Do enquadramento regulatório das Ofertas de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet por meio de Subscrição (sVOD)

A Lei nº 12.485/2011 não trouxe uma definição expressa de serviço de telecomunicações, de modo que tal conceito deve ser extraído da própria LGT a qual estabelece em seus art. 60 e 61, in verbis:

"Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

§ 1º Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.

§ 2º Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis.

Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

§ 2º É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações."

Não há como acolher a ideia de que a Lei da Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado afastou “para este caso a separação entre atividade que emprega os meios de telecomunicações e os serviços de telecomunicações em si. Para a lei específica, se houver oferta de conteúdo audiovisual nas condições por ela indicadas, quaisquer que sejam os meios eletrônicos, tratar-se-á de “serviço de telecomunicações de interesse coletivo prestado em regime privado” e, como tal, sujeito à regulação do setor”. Como visto, a oferta de conteúdo audiovisual não se confunde com efetiva assunção de responsabilidade pela entrega de determinado conteúdo ao seu receptor.

Pela legislação atualmente em vigor, os serviços de telecomunicações caracterizam-se especialmente por provimento de acesso a rede de infraestrutura por meio da qual emissor e receptor conseguem alçar determinado conteúdo informacional, sendo definido uma gama de responsabilidades sobre a forma e qualidade da transmissão dessa informação para aquele explora essa atividade. Mas veja, o conteúdo informacional em si a ser transmitido por si só não constitui o serviço de telecomunicações.

Analisando as aplicações ofertadas pelas empresas denunciadas, pode-se verificar que ambas podem ser acessadas por meio de redes de banda larga fixa ou móvel, ou seja, por redes do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) ou do Serviço Móvel Pessoal (SMP).  Dessa forma, deve-se caracterizar aqui o ônus de sempre depender de uma rede do SCM ou do SMP que lhe dê suporte para a veiculação de suas ofertas, pois nenhuma delas detém infraestrutura de rede de telecomunicação própria.

E aqui vale esclarecer que o modelo descrito no caso em análise não se enquadra na hipótese do art. 8º do Regulamento do SeAC, tampouco no modelo de exploração industrial previsto no Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998, que dispõe o seguinte, in verbis:

Regulamento do SeAC

Art. 8º A Prestadora do SeAC tem direito ao uso de redes ou de elementos de redes de outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, de forma onerosa e não discriminatória, nos casos e condições fixadas na regulamentação pertinente.

§ 1º A Prestadora, em qualquer caso, é a responsável perante a Anatel e os assinantes pela prestação e execução do serviço.

§ 2º A Prestadora do SeAC deve possibilitar o uso de sua rede ou de elementos dessa rede a outras prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, de forma onerosa e não discriminatória, nos casos e condições fixadas na regulamentação pertinente.

 

Regulamento dos Serviços de Telecomunicações

Art. 62. Quando uma prestadora de serviço de telecomunicações contratar a utilização de recursos integrantes da rede de outra prestadora, para constituição de sua rede de serviço, fica caracterizada situação de exploração industrial.

Art. 62-A. As estações de telecomunicações das redes de suporte à prestação de serviços de interesse coletivo que utilizarem exclusivamente equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita e/ou meios confinados são dispensadas de licenciamento. (Redação dada Resolução nº 680, de 27 de junho de 2017)

Parágrafo único. Os recursos contratados em regime de exploração industrial serão considerados como parte da rede da prestadora contratante, para fins de interconexão.

Art. 63. A prestadora deverá pactuar diretamente com os titulares de bens públicos ou privados as condições de uso da infra-estrutura necessária à prestação de seu serviço.

Verifica-se que, no caso de exploração industrial, a rede contratada, do ponto de vista regulatório, é considerada como rede de quem a contratou e usa para prestar o seu serviço de telecomunicação, sob a perspectiva do cumprimento de obrigações.

Não há dúvidas de que não há como se imputar à provedora da aplicação qualquer responsabilidade do ponto de vista consumerista ou da qualidade por falhas na prestação do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte. Isto porque não existe relação entre as aplicações em análise e os prestadores de serviço de telecomunicações utilizados pelos usuários para acessarem aquelas. Tampouco são capazes de se responsabilizar pela instalação e manutenção de dispositivos, atividades inerentes ao conceito de “distribuição” definido na Lei 12.485/2011, que caracteriza a prestação do SeAC.

Para acessar as aplicações dessas empresas depende-se da prestadora de SCM ou de SMP que o cliente contratou, podendo ser uma rede de qualquer prestadora devidamente autorizada e se alterar a depender da rede de acesso do cliente, se móvel (SMP) quando em movimento, ou fixa (SCM), se estiver em sua residência.  

O usuário de SVA contrata dois serviços em separado, junto a prestadores diferentes, sendo eles: a disponibilização de conteúdo junto a um provedor de aplicação, o que será o SVA, e o acesso a uma rede de telecomunicações (SCM ou SMP) junto a um prestador de serviço de telecomunicações, que permitirá o acesso ao SVA. Justamente tendo em vista o fato de que o provedor de aplicação ser também um usuário do serviço de telecomunicações aquele deve contratar este serviço para que o usuário final tenha a experiência do SVA.

O assinante do SeAC, por outro lado, contrata diretamente com aquele que explora este serviço o conteúdo audiovisual selecionado e também os meios, ou seja, a infraestrutura para acessá-lo. Assim, quando se aborda a questão da difusão do conteúdo audiovisual feita pelo SeAC o seu diferencial em relação a outras formas é que nele vincula-se a existência de uma rede de telecomunicações gerenciada para distribuir conteúdo audiovisual linear a assinantes.

Na medida em que se verifica a necessidade da contratação de serviço de telecomunicação para se usufruir do acesso aos canais pela Internet, resta excluída a caracterização do SeAC, ele próprio serviço de telecomunicação. Não é razoável supor que, para ter acesso ao SeAC, o usuário tenha que contratar também o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) ou o Serviço Móvel Pessoal (SMP), como obrigatoriamente deve ocorrer para os usuários que desejarem acessar o conteúdo audiovisual veiculado pela internet.

Considero que, nesse aspecto, afastadas as particularidades regulamentares, o caso se assemelha à diferença entre a prestação do serviço de telefonia fixa (STFC) e a oferta de VoIP sobre o SCM. Embora, em sentido amplo, os dois tenham por objetivo permitir a comunicação de voz entre consumidores, a oferta do STFC pressupõe o emprego direto de rede de telecomunicações, e, portanto, configura a prestação de serviço de telecomunicações, enquanto a oferta de VoIP configura tão somente aplicação sobre outro serviço de telecomunicações já contratado, tratando-se de SVA.

Nesse ponto, importa considerar que embora o Conselheiro Relator tenha manifestado entendimento na mesma linha quanto ao enquadramento das ofertas sob análise como sendo SVA, trouxe proposta de se denominar as Ofertas de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet como Televisão Linear por Assinatura na Internet (TVLAI).

Depreende-se de tal proposta que o Relator buscou diferenciar as ofertas objeto do presente caso concreto, das que já vinham sendo praticadas no mercado, dado seu caráter “linear”.

Nesse sentido, importa observar que segundo definição contida na Lei do SeAC, canal de programação é definido como o “resultado da atividade de programação que consiste no arranjo de conteúdos audiovisuais organizados em sequência linear temporal com horários predeterminados”.

Portanto, na prestação do SeAC tem-se a distribuição de conteúdo organizado em canais de programação, os quais resultam do arranjo desse conteúdo em sequência linear temporal com horários predeterminados. Isto porque a atividade primordial do SeAC é a distribuição de canais de programação, não incluindo-se outras formas de distribuição de conteúdo. Logo, o objeto da distribuição realizada pelo SeAC é a TV Linear.

Conforme esclarecimentos trazidos pela área técnica, para caracterizar uma aplicação como linear ou não, deve-se considerar o controle exercido pelo usuário na ordem temporal em que os conteúdos são exibidos/visualizados.

No caso da TV Linear, esse controle não estaria nas mãos do usuário, ao contrário do conteúdo on demand, em que o controle pertence ao usuário que, além de escolher o conteúdo, pode escolher a ordem temporal em que ele será exibido, sendo o conteúdo exibido após a interação e seleção do conteúdo pelo usuário.

Não apenas isso, mas o usuário da TV Linear não teria o controle sobre a sequência dos programas a serem exibidos/visualizados, uma vez que, por definição, os conteúdos exibidos nos canais de programação são organizados, pela programadora do canal, em sequência linear temporal com horários predeterminados.

No tocante ao caso concreto, importa ressaltar que em sua manifestação a área técnica entendeu pela não caracterização da linearidade em sentido estrito do conteúdo das aplicações de Internet, conforme exposto no Informe nº 201/2019/PRRE/SPR (SEI nº 5040338):

3.299. Por fim, entende-se que tanto pela não caracterização de um serviço de telecomunicações que realize telecomunicação para fins de distribuição de canais de programação, como pela não caracterização da linearidade em sentido estrito do conteúdo, as aplicações de Internet a exemplo das objeto dos processos inicialmente citados da FOX e TOPSPORTS, não constituem Serviço de Acesso Condicionado, nos termos da atual regulamentação e legislação.

Ademais, ressalta-se que nos termos do exposto no presente voto, o enquadramento de tais ofertas como SVA se deve à necessária contratação de serviço de telecomunicação para se usufruir do acesso aos canais pela Internet, não sendo a questão da linearidade fator preponderante para definir a veiculação de tais conteúdos como SVA.

Destaca-se ainda que as aplicações aqui discutidas constituem algumas das inovações que a constante evolução da Internet tem propiciado. Enquanto há alguns anos tornou-se possível o compartilhamento – ainda que limitado - de conteúdo audiovisual, atualmente mostra-se possível a sua oferta praticamente irrestrita, por meio de transmissões on demand ou ao vivo, simultâneas ou não, com ou sem interatividade, à escolha dos consumidores. E, em um futuro breve, especialmente com o advento da quinta geração do serviço móvel, são esperadas ainda outras funcionalidades, tais como câmeras múltiplas em tempo real e transmissões por realidade virtual. Por esse motivo, entendo que a rotulação desse tipo de oferta – especialmente por via não legal ou regulamentar – pode limitar demasiadamente a decisão do colegiado sobre a matéria e torná-la rapidamente obsoleta.

Entendo, por fim, que a classificação desse modelo de negócio como SVA se mostra suficiente e integralmente abarcada pela legislação atual, não tendo sido demonstrada a necessidade de definição de um subtipo ou outro tipo de serviço.

Por tudo isso, não posso concordar com a proposta trazida pelo Relator de se denominar as Ofertas de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet como Televisão Linear por Assinatura na Internet (TVLAI). Primeiro porque referir-se a essas ofertas como Televisão, poderia dar uma falsa ideia de que se trata de Serviço de Acesso Condicionado, hipótese que já foi descartada inclusive pelo próprio Conselheiro Relator.

Segundo, porque TV linear é uma denominação aplicada apenas ao SeAC, pois a atividade primordial desse serviço é a distribuição de canais de programação, não incluindo-se outras formas de distribuição de conteúdo.

No mais, a criação de denominação específica possui consequências que extrapolariam o caso sob exame, ao cristalizar um enquadramento específico que não existe em prévia categorização legal ou regulatória.

Dessa forma, considerando que no presente caso: (i) resta evidente a necessidade da contratação de serviço de telecomunicação para se usufruir do acesso ao conteúdo audiovisual pela Internet, o que exclui sua caracterização como SeAC; e (ii) a questão da linearidade não é fator necessário para definir a veiculação de tais conteúdos como SVA, estou convicto de que as aplicações de Internet a exemplo daquelas oferecidas pela FOX e TOPSPORTS, devem ser consideradas  como Serviço de Valor Adicionado (SVA), nos termos da atual regulamentação e legislação.

Da necessidade de suspensão de dispositivos

Como já defendi no presente voto, não merece prosperar a alegação de que a Lei da Comunicação Audiovisual, afastaria a aplicação do art. 61 da LGT. Em verdade, tais diplomas legais devem ser apreciados e valorados de maneira complementar, e não excludente um ao outro.

Os conceitos trazidos pela Lei da Comunicação Audiovisual de Acesso Condicionado não se mostram incompatíveis com a LGT. A Lei nº 12.485/2011, ao contrário, mostra-se harmônica com o conceito de serviço de telecomunicações trazido pela LGT e utiliza diversas expressões que estão presentes nesta última.

Apesar de entender que existem diversas iniciativas no Congresso Nacional no sentido de atualizar a Lei do SeAC e torná-la mais aderente ao mercado Comunicação Audiovisual, o qual, como visto, encontra-se em constante evolução, entendo que a solução da presente lide prescinde de qualquer alteração legal, tampouco de suspensão de dispositivos, como proposto pelo relator.

Sobre a proposta contida na alínea b.1 da conclusão da Análise 84/2020, afirma o relator, “nota-se a existência de considerável encargo regulamentar imposto ao SeAC, o qual não se aplicaria à TVLAI, caso essa fosse enquadrada como SVA. Tal disparidade poderia resultar em um desbalanceamento competitivo em favor da TVLAI, fato esse que deve ser levado em consideração na presente decisão.

No entanto, com muita propriedade a área técnica afirma que: “é de se esperar que determinado setor da economia tenha que se reestruturar, ou até mesmo se reinventar, diante de progresso tecnológico suficientemente inovador e capaz de transformar a essência daquele mercado, por exemplo, elaborando novos meios de produção ou novas modalidades e facilidades de acesso aos bens. Como já mencionado, o potencial de transformação da inovação tecnológica na sociedade da informação não vem somente do potencial intrínseco à tecnologia, mas baseia-se num conjunto maior de fatores componentes da sociedade que podem, ou não, maximizar os efeitos da inovação tecnológica. Isso significa que os efeitos da contestação de determinado mercado, por ocasião de progresso tecnológico, devem ser considerados como demandas da própria sociedade e não serem vistos, necessariamente, como um desajuste de comportamento daqueles que contestam um mercado tradicional.

Segundo entendo, não há qualquer relação defensável para a suspensão de dispositivos regulamentares em vigor pelo simples fato de serem encargos regulamentares não aplicáveis às Ofertas de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet por meio de Subscrição (sVOD), o que poderia gerar uma vantagem competitiva a tais ofertantes de SVA. Isto porque é dever da Anatel avaliar todos os mercados de varejo, e identificando falhas de mercado, nos termos do que prevê o PGMC, impor medidas para garantir que a competição será efetiva, segundo disposição legal.

Todavia, não é dever da Anatel proteger e assegurar a sobrevivência de determinadas tecnologias, serviços ou business plans de empresas específicas. O princípio da neutralidade tecnológica não favorece esse tipo de interferência, que entendo ser indevida, seja para estimular ou desestimular artificialmente a adoção, pelo consumidor final, de determinadas empresas, modelos ou serviços.

Da determinação à área técnica quanto ao mercado relevante de SeAC

Como exposto no presente Voto, considerando os aspectos da legislação aplicável, resta claro o enquadramento da oferta de conteúdo audiovisual programado e pago na internet como Serviço de Valor Adicionado (SVA).

No entanto, conforme registrado em sua Análise nº 84/2020/VA (SEI nº 5386010), o Conselheiro Relator Vicente Aquino, ao tratar do presente caso, entendeu pertinente realizar análise dos efeitos, custos e benefícios de se enquadrar a oferta de conteúdo audiovisual programado e pago na internet como SeAC ou SVA, para possibilitar a tomada de decisão calcada não somente nos aspectos jurídicos, mas também na avaliação da opção capaz de maximizar o bem-estar social e reduzir eventuais efeitos indesejados.

Importa observar que no intuito de avaliar qual seria a medida mais adequada quanto aos custos e benefícios, o Relator apresentou preocupação com questões competitivas no mercado do SeAC, tendo feito diligências à Superintendência de Competição (SCP) no intuito de sanar tais pontos.

No tocante aos questionamentos encaminhados pelo Relator, destacam-se as seguintes conclusões apresentadas pela área técnica e sintetizadas na Análise nº 84/2020/VA (SEI nº 5386010):

4.28. Quanto aos questionamentos por mim encaminhados, sintetizo aqui os principais pontos das respostas apresentadas, guardando o devido tratamento dos temas para a fundamentação desta Análise:

a) não seria possível atestar a substitutibilidade pelo lado da demanda do serviço provido por redes dedicadas do SeAC pelos produtos de televisão linear por assinatura na Internet (TVLAI);

b) da mesma forma, a substituição não se mostraria factível, pelo lado da oferta, para uma grande parcela do território nacional, uma vez que cerca de 2.631 (dois mil seiscentos e trinta e um) municípios não teriam infraestrutura necessária para fruição de conteúdo audiovisual por meio da Internet com condições mínimas;

c) o provimento de SeAC e os produtos de TVLAI fariam parte do mesmo mercado relevante apenas onde existe a efetiva oferta do produto de acesso pago a conteúdo audiovisual programado;

(...)

p) a hipotética substituição do SeAC por ofertas do tipo TVLAI não se configura um cenário crível em curto prazo para uma grande parcela dos municípios brasileiros;

Considerando os resultados apresentados pela SCP, bem como os apontamentos constantes de sua análise, o Conselheiro Relator concluiu por:

b) determinar que a Superintendência de Competição (SCP), em conjunto com a Superintendência de Planejamento e Regulamentação (SPR), levando em consideração (i) a assimetria regulatória existente entre a TVLAI e o SeAC; (ii) a consequente necessidade de redução do peso regulatório imposto ao SeAC; e (iii) a importância de se garantir o atendimento ao interesse público e à proteção dos direitos dos usuários, tome as seguintes providências, no prazo de 30 (trinta) dias contados a partir da presente decisão:

(...)

b.4) quando da execução da iniciativa regulamentar de número 51 da Agenda Regulatória para o biênio 2019-2020, referente à "Reavaliação do mercado relevante de distribuição de pacotes ou conteúdos audiovisuais", que se considere a pertinência da inclusão da TVLAI no mercado relevante do SeAC, tendo em vista dados que indicam o caráter substitutivo entre eles, conforme apontado no Informe nº 461/2020/CPRP/SCP, de 6 de julho de 2020 (SEI nº 5726467), devendo-se observar o descrito na Seção IX da presente Análise. Adicionalmente, deve-se proceder às pertinentes adaptações à referida iniciativa proposta para a Agenda Regulatória para o biênio 2021-2022 quando da análise das contribuições da Consulta Pública nº 56/2020, objeto do Processo nº 53500.014780/2020-52; (grifos)

Em que pese a preocupação trazida, entendo que tal determinação não se mostra pertinente, pelas razões a seguir expostas.

Primeiramente, importa mencionar que a referida iniciativa constante da Agenda Regulatória 2019-2020 prevê “a reavaliação do mercado relevante de distribuição de pacotes ou conteúdos audiovisuais, nos termos das diretrizes metodológicas para definição de mercados relevantes e dos critérios para identificação de grupo com poder de mercado significativo, incluídas no Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), aprovado pela Resolução nº 600, de 8 de novembro de 2012, e alterado pela Resolução nº 694, de 17 de julho de 2018​”.

Deve-se notar que ao determinar a reavaliação do mercado relevante nos termos do PGMC, a susbtitutibilidade dos serviços já deverá ser considerada, conforme preceitua o art. 5º do referido regulamento, in verbis:

Art. 5º Para fins de definição dos Mercados Relevantes, a Anatel considerará a composição das seguintes dimensões:

I - Produto: conjunto de serviços de telecomunicações, redes, infraestruturas para redes de acesso e transporte, equipamentos, atividades ou outros insumos ofertados que possuem significativo grau de substitutibilidade do ponto de vista de seus usuários ou de seus ofertantes, em função de suas características, preços e utilidades;

II - Geográfica: área geográfica onde as ofertas dos produtos necessários à prestação de serviços de telecomunicações são intercambiáveis para os usuários, respeitada a regulamentação setorial vigente.

Dessa forma, em que pese as preocupações aventadas pelo Relator, entendo que a determinação ora proposta não se mostra cabível, uma vez que já se encontra abarcada por decisão anterior desse Colegiado, nos termos do Acórdão nº 46, de 17 de fevereiro de 2020 (SEI nº 5242393).

Ademais, com base nas análises realizadas pela área técnica, conforme destacado pelo próprio relator, a hipotética substituição do SeAC por ofertas de conteúdo veiculadas pela internet não se configura um cenário crível em curto prazo para uma grande parcela dos municípios brasileiros.

A título de reforço da argumentação, com relação à possibilidade de substituição dos serviços, cabe destacar os seguintes trechos do Informe nº 461/2020/CPRP/SCP (SEI nº 5726467):

3.104. Em que pese tendências de cord cutting e cord shaving percebidas globalmente, essa não é a possibilidade para quase 50% das municipalidades brasileiras em um horizonte de curto prazo. Isto é, por essa constatação, não é possível atestar a substitutibilidade pelo lado da demanda do serviço provido por redes dedicadas do SeAC pelos produtos de televisão linear por assinatura na Internet (TVLAI).

3.105. Alternativamente, pelo prisma da oferta, entende-se que o surgimento potencial de novos entrantes nesses mercados (2.631 municípios) motivados por elevação hipotética de preços por prestadores de SeAC estabelecidos também não é uma hipótese crível em curto prazo. Esse caminho partilha dos desafios estruturais próprios à ampliação do acesso e ao fechamento das lacunas de exclusão digital, especialmente em áreas de condição de renda mais desafiadoras. Nesse sentido, também pelo lado da oferta, a substituição não se mostra factível em uma grande parcela do território nacional.

3.106. Na dimensão geográfica, portanto, a análise de substituibilidade esbarra no impedimento fático de que em 2.631 municípios brasileiros não há efetiva oferta de produtos alternativos ao SeAC. Entende-se, dessa forma, que os serviços providos por redes dedicadas do SeAC e os produtos de televisão linear por assinatura na Internet (TVLAI) fazem parte do mesmo mercado relevante, considerando tão somente a efetiva oferta do produto de acesso pago a conteúdo audiovisual programado. 

Cabe ressaltar que o fato de os produtos serem considerados substitutos ou fazerem parte do mesmo mercado relevante, não implica, necessariamente, que a regulação sobre ambos tenha que ser simétrica.

Como visto, a oferta de conteúdo audiovisual programado e pago na internet não se confunde com a oferta de serviço de telecomunicações, não cabendo, assim, imposição de medidas ou intervenção desse órgão Regulador. Entendo que uma intervenção, in casu, mostrar-se-ia excessiva e iria na contramão da política de simplificação regulatória desta agência e das boas práticas regulatórias internacionalmente reconhecidas.  

Neste ponto, importa mencionar o disposto no Memorando nº 55/2020/SCP (SEI nº 5780715) elaborado pela área técnica em resposta a questionamento realizado pelo Relator:

b.4) possíveis medidas regulatórias a serem tomadas pela Anatel para garantir a justa concorrência caso a TVLAI seja classificada como Serviço de Valor Adicionado (SVA).

44. Caso a oferta de serviço de televisão linear por assinatura na Internet (TVLAI) seja classificada como Serviço de Valor Adicionado (SVA), em termos regulatórios, essa atividade será considerada como tal, não lhe sendo aplicável os condicionantes legais e regras regulamentares do SeAC.

45. Uma vez subsumida ao regime de livre concorrência e de livre iniciativa, eventuais restrições à concorrência estarão sujeitas ao controle por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), conforme previsto na Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, ao qual compete a  prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico (art. 1º).

Portanto, ainda que a oferta de conteúdo audiovisual programado e pago na internet possa pertencer ao mesmo mercado relevante do SeAC, sendo considerado um produto substituto, por não se tratar de serviço de telecomunicações, não será submetida às medidas regulatórias.

No entanto, caso sejam verificados problemas competitivos pelos estudos feitos no PGMC, a Agência poderá adotar medidas no âmbito do SeAC, visando mitigar os efeitos indesejados nesse mercado.

Embora ofertas como as discutidas no presente processo tendam a se multiplicar em decorrência da inovação tecnológica, cabe observar que a ampliação da possibilidade de substituição da oferta de SeAC por ofertas de conteúdo na internet ainda teria que ultrapassar alguns gargalos relacionados ao preço, qualidade ou disponibilidade da banda larga no país, bem como as especificidades atinentes ao conteúdo.

Segundo informação trazida pela área técnica, um levantamento feito pela Amdocs e executado pela IE Market Research Corp com mais de quatro mil usuários em onze países, inclusive o Brasil, mostrou que de fato ainda não há uma efetiva substituição e os dois serviços – TV paga e VoD – possuem vantagens para o consumidor. Por um lado, a TV por Assinatura ainda é percebida como de melhor qualidade, tanto na oferta de conteúdo como na qualidade de imagem e serviços. Por outro, o VoD teria a preferência dos demandantes nos quesitos preço, disponibilidade em múltiplos dispositivos e interface com usuário.

Assim, deve-se também ter em mente o caráter complementar de tais produtos, que, a depender da configuração do mercado pode acabar por se sobrepor ao movimento de substituição.

Ademais, dado que o perfil de consumo dos usuários vem se alterando com ampliação da oferta de conteúdo na internet, as próprias prestadoras de SeAC podem, caso queiram, oferecer soluções que contribuam para a atratividade de seu produto, de modo a se manter competitivo frente a inovações nesse mercado.

Tal comportamento já vem sendo observado, com iniciativas de prestadoras do SeAC que tem investido esforços para oferecer soluções multiplataforma e on demand.

Dessa forma, no âmbito do que se discute no presente processo, entendo suficiente a iniciativa prevista no item 51 da Agenda Regulatória 2019-2020, nos termos da Portaria n° 278, de 6 de março de 2020 (SEI nº 5306659).

Da determinação de tratativas junto à Agência Nacional do Cinema (Ancine)

Sobre a determinação do Relator no sentido de que a área técnica deve “proceder às pertinentes tratativas junto à Ancine para o constante monitoramento do mercado de conteúdo audiovisual”, entendo ser desnecessária e explico.

A relação entre Anatel e Ancine tem sido presidida pelo espírito de coordenação entre as Agências, dado que o mercado do SeAC perpassa áreas de competências de ambas, sendo o monitoramento do mercado audiovisual uma das atribuições intrínsecas ao trabalho desenvolvido pela Ancine.

Embora se observe uma boa relação nas tratativas desenvolvidas e a correlação entre as competências na regulação desse mercado, entendo que não cabe a este Colegiado incluir determinações em suas deliberações que imputem àquele órgão a adoção de quaisquer medidas, sob o risco de gerar desnecessário desconforto institucional, pois trata-se de Agência com a mesma estatura da Anatel, sem qualquer subordinação.

Assim, em que pese a área técnica possa iniciar tratativas com a referida Agência, não considero pertinente a manutenção da determinação proposta pelo Relator no sentido de que a área deve proceder às pertinentes tratativas junto à Agência Nacional do Cinema (Ancine) para o constante monitoramento do mercado de conteúdo audiovisual, uma vez que tal monitoramento constitui uma das atribuições intrínsecas ao trabalho desenvolvido por aquela Agência. 

Da desnecessidade de edição de súmula

Em sua proposta, contida no Informe nº 201/2019/PRRE/SPR (SEI nº 5040338), a área técnica sugere ao Conselho Diretor da Agência que avalie a proposta de interpretação apresentada neste procedimento sobre as contribuições realizadas na Tomada de Subsídio. Adicionalmente, propõe-se a avaliação pelo órgão máximo desta Agência sobre a necessidade de edição de Súmula.

Sobre este ponto, não houve manifestação expressa do relator sobre a necessidade, no presente caso, de que a fixação de entendimento fosse feita mediante edição de súmula do Conselho.

A despeito de entender que o presente processo resultará em decisão que constituirá regra importante para o mercado, o presente tema é trazido ao debate neste Colegiado pela primeira vez e os fundamentos da decisão tomada eventualmente nortearão a avaliação de outros casos a serem submetidos à esta Agência.

Não há dúvida de que os serviços disponibilizados por meio da Internet têm crescido em relevância principalmente por ocasião do aumento significativo da capacidade de tráfego de dados dos meios de telecomunicações que lhe dão suporte e dúvidas a respeito de enquadramento regulatório a ser conferido podem sempre surgir, o que demandará um estudo apurado da Anatel em todas as ocasiões.

No entanto, como a edição de súmula gera efeito vinculativo, deve-se ter cautela com a sua criação e segurança em relação aos seus efeitos. O art. 40, do RIA-Anatel, assim dispõe:

Art. 40. A Agência manifestar-se-á mediante os seguintes instrumentos:

(...)

II - Súmula: expressa decisão quanto à interpretação da legislação de telecomunicações e fixa entendimento sobre matérias de competência da Agência, com efeito vinculativo;

Para o presente caso, embora a decisão seja pelo enquadramento das ofertas cuja conteúdo é veiculado pela internet como SVA, entendo não ser prudente a edição de súmula no presente momento. Independentemente de optar pela desnecessidade de edição de súmula, não tenho dúvidas de que a presente deliberação está suficientemente robusta para caracterizar-se, inclusive, como decisão de repercussão setorial, cujos fundamentos deverão ser considerados pela área técnica em casos análogos.        

CONCLUSÃO

Ante o exposto, voto por reconhecer que as Ofertas de Conteúdo Audiovisual Programado via Internet por meio de Subscrição (sVOD) não se enquadram como Serviço de Acesso Condicionado (SeAC).


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Documento assinado eletronicamente por Emmanoel Campelo de Souza Pereira, Conselheiro, em 09/09/2020, às 18:08, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


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A autenticidade deste documento pode ser conferida em http://www.anatel.gov.br/autenticidade, informando o código verificador 5950122 e o código CRC 4CC42D6C.




Referência: Processo nº 53500.022476/2019-45 SEI nº 5950122