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Análise nº 38/2023/AF

Processo nº 53500.303019/2022-54

Interessado: Brisanet Servicos de Telecomunicacoes S.A., TELEFONICA BRASIL S.A., WINITY II TELECOM LTDA.

CONSELHEIRO

ALEXANDRE FREIRE

ASSUNTO

Análise de pedido de ingresso, na condição de interessado, apresentado por Brisanet Serviços de Telecomunicações S.A.

EMENTA

DIREITO REGULATÓRIO. ANUÊNCIA PRÉVIA. CONTRATO DE EXPLORAÇÃO INDUSTRIAL DE RADIOFREQUÊNCIAS. PEDIDO DE INGRESSO DE TERCEIRO INTERESSADO. QUESTÃO INCIDENTAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. PETIÇÃO EXTEMPORÂNEA. SÚMULA Nº 21/2017. PRESENÇA DE INTERESSE JURÍDICO. admissibilidade.

1. A formalização extemporânea de pedidos não impede o seu conhecimento, desde que observada a Súmula nº 21, de 10 de outubro de 2017, da Anatel.

2. O requerente tem o ônus de comprovar o seu interesse jurídico para ser admitido como terceiro, conforme dicção do art. 9º, inc. II, da LPA, o que se reputa atendido nos autos.

3. Pelo deferimento do pedido de ingresso.

REFERÊNCIAS

Constituição Federal;

Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 - Lei Geral de Telecomunicações (LGT);

Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, Lei de Processo Administrativo Federal (LPA);

Regimento Interno da Anatel, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013, (RIA);

Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil (CPC); e

Acórdão nº 65, de 30 de março de 2023.

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Regulatory Impact Assessment, OECD Best Practice Principles for Regulatory Policy; e

Agenda 2030: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas.

RELATÓRIO

Trata-se de análise de requerimento de ingresso, na condição de terceira interessada, apresentado por Brisanet Serviços de Telecomunicações S.A., em 04/05/2023 (SEI 10189152).

Em suma, narrou que:

a licitação deflagrada pelo Edital 1/2021/SOR/SPR/CD-Anatel tinha o escopo de fomentar a competitividade no serviço móvel, flexibilizando a aplicação de regras para novos players, tanto na faixa de 700 MHz quanto na faixa de 3,5 GHz;

a operação foi considerada um sucesso na medida em que conciliou essa entrada de novos competidores, com a aquisição da Oi por Claro, Telefônica e TIM;

a Winity se sagrou vencedora na faixa de 700 MHz, a qual seria reconhecida pela Anatel como a que tem condições de viabilizar uma operação neutra de atacado para atendimento de outras prestadoras do serviço móvel;

o mercado foi surpreendido, em agosto de 2022, com a operação que se constitui em objeto da presente anuência prévia, ante a exclusividade do uso de 5+5 MHz do espectro atribuído à Telefônica, gerando questionamentos sobre como promover a competitividade do setor ante a restrição de acesso da única faixa de 700MHz que não estava em poder das grandes operadoras;

a dificuldade de se identificarem informações das anuentes, especialmente sobre a lista de municípios que seriam abrangidos pelo acordo e sobre o desenvolvimento das tratativas conciliatórias promovidas por esta Relatoria, têm potenciais impactos na estruturação de suas operações, frisando que se encontra na proximidade do lançamento de operação na faixa de 3,5 GHz; e

encontra-se em situação análoga à Unifique, tendo interesses jurídicos que podem ser afetados pela decisão a ser adotada no referido processo, nos termos do art. 9º, inc. II, da Lei 9.784/99.

Ao fim, requereu o seu ingresso no feito na condição de interessada.

É o relatório.

ANÁLISE

O objeto da presente Análise cinge-se exclusivamente à apreciação de pedido de ingresso, como terceira interessada, apresentada por Brisanet Serviços de Telecomunicações S.A., doravante denominada Brisanet.

 

I - Sobre a admissibilidade do pedido de ingresso de terceiro interessado realizado em petição extemporânea

 

O recebimento de petições intempestivas encontra respaldo positivo no entendimento consolidado da Anatel, cristalizado na sua Súmula nº 21, de 10 de outubro de 2017, a qual dispõe sobre o tratamento a ser conferido para os casos da espécie, nos seguintes termos:

 

Súmula nº 21, de 10 de outubro de 2017

"As petições extemporâneas, quando não caracterizado abuso do exercício do direito de petição, devem ser conhecidas e analisadas pelo Conselho Diretor desde que protocolizadas até a data de divulgação da pauta de Reunião na Biblioteca e na página da Agência na internet.

É facultado o exame dessas petições, no caso concreto, pelo Conselheiro ou pelo Conselho Diretor após o prazo estipulado e até o julgamento da matéria, sobretudo se a manifestação do interessado trouxer a lume a notícia de fato novo ou relevante que possa alterar o desfecho do processo.

Não há necessidade de desentranhamento de petições extemporâneas, ainda que não conhecidas por esse órgão colegiado" (destacou-se)

 

A Brisanet apresentou pedido de ingresso em 04/05/2023, após a submissão do processo ao Conselho Diretor da Anatel, o que se deu em 19/12/2022 (Certidão 9582083), o que implicaria a sua inadmissão por extemporaneidade.

No entanto, dado que o referido petitório foi formalizado enquanto ainda pendente inclusão dos autos em pauta deliberativa do CD-Anatel, cabível o conhecimento da postulação.

 

II - Sobre o pedido de ingresso da Brisanet propriamente dito

 

Na Análise nº 24/2023/AF (SEI 10002204), acolhida pelo Acórdão nº 65, de 30 de março de 2023 (SEI 10036032), da relatoria do Conselheiro Alexandre Freire, em que foram examinados os requerimentos de ingresso, na condição de terceiros interessados, apresentados pela Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações - Abrintel e por Unifique Telecomunicações S.A, foram levadas em consideração as seguintes balizas para a caracterização do interesse jurídico:

6.9 Inicialmente, considera-se adequado estabelecer importantes premissas de trabalho, de modo a elucidar o sentido e o alcance do conceito jurídico de interessado para fins de incidência do art. 9º, inc. II, da Lei nº 9.784/99.

6.10 Confira-se a redação de tal disposição, que estabelece o rol de legitimados a atuarem no processo administrativo, seja na condição de titulares dos direitos e interesses sobre os quais recaem seu objeto (art. 9º, inc. I), seja na condição de terceiros não titulares desses direitos (art. 9º, inc. II), mas potencialmente afetados pelos efeitos do ato a ser proferido, seja na condição de substitutos processuais na defesa de interesses transindividuais (art. 9º, incs. III e IV):

Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999:

Art. 9º São legitimados como interessados no processo administrativo:

I - pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;

II - aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada;

III - as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos;
IV - as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos.

6.11 Nas linhas seguintes, será feito um paralelo com a figura do assistente processual a que se referem os arts. 119 e ss. do CPC, dado que tal diploma normativo possui aplicação supletiva e subsidiária para o tema em apreciação (art. 15 do CPC).

6.12 Nesse cenário, vislumbra-se que as disposições processuais podem oferecer um norte interpretativo importante e necessário para, conforme acima, uma melhor compreensão do sentido e alcance do art. 9º, inc. II, supratranscrito, disposição esta que se constitui em ponto fulcral na avaliação dos pleitos apresentados.

6.13 Assentadas essas premissas, destaca-se que o art. 119 do CPC admite o ingresso na lide, como terceiro interessado, àquele que demonstrar interesse jurídico na demanda.

6.14 Por sua vez, esse interesse jurídico não se firma em meras alegações de ordem econômica e/ou concorrencial, mas sim, na demonstração, pelo interessado, de que pode ser afetado, pelo desfecho da lide, em sua esfera jurídica de direitos e obrigações mantidas diretamente com uma das partes principais da relação processual (autor ou réu). Isto é, o interesse jurídico é caracterizado pela existência de um liame de conexão ou dependência direta entre o objeto da lide e a relação jurídica desenvolvida com terceiro alheio à relação processual.

6.15 Acrescenta-se que o CPC e a Lei nº 9.784/99 operam com terminologias jurídicas distintas. O primeiro faz uma diferenciação entre partes principais e terceiros, enquanto a última emprega o termo "interessado" indistintamente tanto para o titular do direito apreciado pela Administração Pública como para o terceiro não titular que possa ter interesse jurídico. Em tal situação, tangencia-se o termo "terceiro interessado" delineado pelo CPC.

6.16 De qualquer forma, colocando em suspenso essas distintas abordagens terminológicas, entende-se que o CPC e a Lei nº 9.784/99 dialogam entre si, oferecendo-se contributos interpretativos recíprocos.

6.17 Por essa ótica, nenhum dos pleitos ora analisados encontraria respaldo no art. 9º, inc. II, da Lei nº 9.784/99, eis que é cediço que o procedimento administrativo se desenvolve numa relação bilateral. Essa relação é composta pela Administração Pública (que exerce papel decisório por meio de seus órgãos e autoridades, conforme arts. 1º, § 2º, incs. I e II, 11 e 48, da Lei nº 9.784/99), de um lado, e pelas anuentes (na condição de partes interessadas), de outro.

6.18 No entanto, é importante considerar que, por vezes, haverá situações em que terceiros não participantes de uma relação processual administrativa podem ter sua esfera de direitos e obrigações afetadas pelas deliberações desta Agência, sendo legítimo franquear-lhes a oportunidade de poderem contribuir nos processos decisórios que sejam matizados por esse potencial.

6.19 Sendo assim, e conferindo um sentido e alcance ao art. 9º, inc. II, da Lei nº 9.784/99, compatível com as garantias constitucionais do contraditório e do devido processo legal, deve ser deferido o pedido de ingresso de terceiro no processo em que demonstre ter interesse juridicamente afetado por eventual deliberação desta Agência.

Na mesma oportunidade, reafirmou-se o entendimento dominante do Conselho Diretor da Anatel, no sentido de que a mera preocupação e análise sobre os possíveis desdobramentos e efeitos concorrenciais advindos de uma operação societária, sem a efetiva comprovação da existência de interesse jurídico afetado pela decisão que venha a ser proferida no processo em que se pretende ingressar, não habilitam o ingresso de uma prestadora como terceira interessada.

Com esses parâmetros, pode ser constatado, à luz das alegações trazidas pela Brisanet, que o desfecho da anuência prévia apresentada nos autos terá impacto em expectativas, legítimas ou não, quanto à estruturação de suas operações atreladas a outorgas concedidas pela Anatel.

A peticionária foi uma das proponentes vencedoras de lotes regionais de 3,5 GHz, sendo uma das executoras imediatas, na condição de autorizatária, de política pública promovida pelo Ministério das Comunicações e desenvolvida pela Anatel, por meio do Edital de 5G. Dito de outro modo, tem interesses que podem ser afetados pela decisão do processo.

Evidencia-se, assim, a presença do efetivo interesse jurídico quanto ao desfecho do pleito objeto do presente processo, haja vista que o Edital de Licitação nº 01/2021/SOR/SPR/CDANATEL estabelece, em suas premissas, para o lote de 700 MHz, que deveria ser oportunizada a entrada de novos agentes ofertantes no serviço móvel.

Dados os contornos do quantitativo e do perfil de mercado das municipalidades e das localidades envolvidas nos diversos pactos em exame, com exclusividade de exploração da faixa objeto do lote A1 do Edital nº 001/2021/SOR/SPR/CD-ANATEL por Telefônica Brasil S.A., resta demonstrado que a deliberação que venha a ser oportunamente tomada pelo Conselho Diretor, quando da avaliação do mérito do pedido de anuência, apresenta potencial repercussão em pretensões jurídicas da interessada.

Assim, a requerente se encontra em situação jurídica alcançada pelo entendimento consubstanciado no Acórdão nº 65, de 30 de março de 2023 (SEI 10036032), revelando presente o seu interesse jurídico no feito, nos termos do art. 9º, inc. II, da Lei nº 9.784/99, sendo o deferimento de seu pleito medida que se impõe.

 

III - Reafirmação da busca de parâmetros para aperfeiçoamento dos debates públicos dos temas afeitos à Anatel e aderência às recomendações de boas práticas da OCDE e aos ODS da ONU

 

À semelhança do já discorrido na Análise nº 24/2023/AF (SEI 10002204), mencionada anteriormente, reafirmam-se as reflexões ali trazidas, no sentido de que a Anatel vem desenvolvendo uma cultura de transparência, accountability e abertura dialógica em sua trajetória institucional, reforçada pelo arcabouço jurídico que lhe rege notadamente o art. 21 da LGT, e os arts. 4º e ss. da Lei nº 13.848/2019, além dos diversos normativos editados por seu Conselho Diretor.

Neste particular, também é renovado o endosso às lições de Cass Sunstein, no sentido de que essa abertura dilógica é um instrumento eficiente para mitigar vieses e assimetrias de informação decorrentes da racionalidade limitada dos diversos stakeholders, contribuindo para a melhoria da qualidade regulatória (The Cost-Benefit Revolution. Cambridge, MA: MIT Press, 2018, p. 111-112).

Tal prática, aliás, também está alinhada com as recomendações expedidas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a qual percebe a participação desses agentes como um elemento importante para o incremento dessa qualidade regulatória  (Regulatory Impact Assessment, OECD Best Practice Principles for Regulatory Policy. OECD Publishing, Paris, 2020, p. 27. Disponível em: <https://doi.org/10.1787/7a9638cb-en>. Acesso em 23 mar. 2023).

Essa linha de raciocínio está em sintonia com as Metas 16.6, 16.7, 16.8 e 16.10 do Objetivo 16 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, relacionados a um processo de tomada de decisão responsiva, transparente e democrática pelas instituições do Estado Brasileiro, a seguir transcritos:

Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis

(...)

16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis

16.7 Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis

16.8 Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governança global

(...)

16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais

Por outro lado, há outros bens jurídicos que são sacrificados com eventual dilação excessiva da controvérsia, notadamente o direito constitucional à razoável duração do processo assegurado às anuentes e o princípio constitucional da eficiência, especialmente no que diz respeito à cultura de uma Administração Pública voltada à concretização de resultados para o cidadão.

Disso, assevera-se que essa participação dialógica não deve se dar às custas de uma dilação indevida da lide, conforme já salientado pelo Exmo. Ministro Dias Toffoli em decisão proferida no RE 1037396 (RE 1037396, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento: 06/11/2019, Publicação: 12/11/2019).

Essa limitação quanto à forma e ao número de contribuições para a tomada de decisões pela Administração Pública, aliás, é uma ideia que encontra ressonância, também, no Direito Norte-Americano (cf. SHAPIRO, David L. The choice of rulemaking or adjudication in the development of administrative policy. Harvard Law Review. Volume 78, Number 5, p. 931, mar. 1965), não se constituindo em ponderação restrita ao cenário nacional quanto à salutar marcha processual.

 

CONCLUSÃO

 

Voto por:

deferir o pedido de ingresso de terceiro interessado apresentado por Brisanet Serviços de Telecomunicações S.A., com fulcro no art. 9º, inc. II, da Lei nº 9.784/99, devendo lhe ser conferido acesso ao teor dos autos, ressalvadas as manifestações e os documentos protegidos por sigilo legalmente previsto, especialmente aqueles relacionados ao segredo industrial e comercial dos modelos de negócio das anuentes.

 


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Documento assinado eletronicamente por Alexandre Reis Siqueira Freire, Conselheiro, em 10/05/2023, às 19:22, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


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Referência: Processo nº 53500.303019/2022-54 SEI nº 10207058