Boletim de Serviço Eletrônico em 08/12/2022
Timbre

Análise nº 129/2022/VA

Processo nº 53500.323164/2022-51

Interessado: Agera Telecomunicacoes S.A., AGIL COMERCIAL DO BRASIL INFORMATICA E COMUNICACAO EIRELI, AMERICA NET S.A., BIG TELCO TELECOMUNICACOES LTDA, Brasilfone Telecomunicacao Ltda, Cambridge Telecomunicacoes Ltda, CLARO S.A., DATORA TELECOMUNICACOES LTDA, EAI TELECOMUNICAÇÕES LTDA, FLUX TECNOLOGIA LTDA, GT GROUP INTERNATIONAL BRASIL TELECOMUNICACOES LTDA, HOJE SISTEMAS DE INFORMATICA LTDA, ITELCO TELECOMUNICACOES LTDA, Kvoip Brasil Telecom - Eireli, PONTAL TELECOMUNICACOES EIRELI, ROTA BRASIL TECNOLOGIA LTDA, SPIN TELECOMUNICACOES LTDA, TARIFAR TELECOM E SERVICOS EIRELI, TELEFONICA BRASIL S.A., TELEXPERTS TELECOMUNICACOES LTDA, Tim S A, TRANSIT DO BRASIL S.A, TVN NACIONAL TELECOM LTDA, Vonex Telecomunicacoes Ltda, Algar Telecom S.A., Oi S.a. - em Recuperacao Judicial

                          CONSELHEIRO

VICENTE BANDEIRA DE AQUINO NETO

ASSUNTO

Recursos Administrativos interpostos pela Associação Brasileira de Telesserviços - ABT, pela Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestruturas de Redes de Telecomunicações e Informática - FENINFRA em conjunto com o Sindicato das Empresas prestadoras de Serviços de Telemarketing, Teleatendimento e Telesserviços do Estado do Rio de Janeiro - SINTERJ e pela Tim S.A contra o Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO, que estabeleceu medida cautelar para combate ao fenômeno das chamadas abusivas na atividade de telesserviços.

  EMENTA

RECURSOS ADMINISTRATIVOS. PROCESSO ADMINISTRATIVO. TELEMARKETING ABUSIVO. BLOQUEIO DE CHAMADAS. SUPERINTENDÊNCIA DE RELAÇÕES COM CONSUMIDORES (SRC). SUPERINTENDÊNCIA DE CONTROLE DE OBRIGAÇÕES (SCO). SUPERINTENDÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO (sfi). SUPERINTENDÊNCIA DE OUTORGA E RECURSOS À PRESTAÇÃO (SOR). RETRATAÇÃO PARCIAL DA DECISÃO RECORRIDA. EFEITO SUBSTITUTIVO DE DECISÃO. MEDIDA CAUTELAR. PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS. CABIMENTO. decisão com finalidade acautelatória e sem cunho normativo. DESNECESSIDADE DE ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO PRÉVIA no caso concreto. CONSTATAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO À MEDIDA CAUTELAR. NOTIFICAÇÃO DE ADVERTÊNCIA PREVIAMENTE AO BLOQUEIO DAS CHAMADAS. GERAÇÃO DE TRÁFEGO ARTIFICIAL. INFRAÇÃO AO ART. 4º, INCISO I, DA LGT. COMPETÊNCIA DA ANATEL PARA REGULAR OS USUÁRIOS DE SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇões. POSSIBILIDADE. INVIABILIDADE DE CORRELAÇÃO DE EVENTUAL INCREMENTO NOS ÍNDICES DE DESEMPREGO DO SETOR DE TELESSERVIÇOS ÀS MEDIDAS TOMADAS PELA ANATEL NO COMBATE ÀS CHAMADAS ABUSIVAS. RECURSOS ADMINISTRATIVOS CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS.

1. Recursos Administrativos interpostos pela Associação Brasileira de Telesserviços - ABT, pela Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestruturas de Redes de Telecomunicações e Informática - FENINFRA conjuntamente com o Sindicato das Empresas prestadoras de Serviços de Telemarketing, Teleatendimento e Telesserviços do Estado do Rio de Janeiro - SINTERJ e pela Tim S.A em face do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO, que estabeleceu medida cautelar para combate às chamadas abusivas na atividade de telesserviços.

2. O exercício do juízo de retratação enseja a expedição de um novo Despacho Decisório, o qual opera efeito substitutivo em relação ao Despacho Decisório recorrido.

3. Está presente o risco de dano grave ou de difícil reparação que justifica a expedição do Despacho Cautelar, na medida em que persiste a perturbação aos consumidores e percebe-se a perda da utilidade do serviço de telefonia.

4. A decisão recorrida trata-se de um ato administrativo concreto com finalidades acautelatórias, sem cunho normativo. Por essa razão, é despicienda a confecção de Análise de Impacto Regulatório – AIR previamente ao Despacho recorrido.

5. A atividade de telesserviços não é inviabilizada pela determinação da Medida Cautelar para que as prestadoras identifiquem e procedam ao bloqueio das pessoas jurídicas que gerarem ao menos 100.000 (cem mil) chamadas, em um dia, considerados o total de acessos designados à pessoa jurídica, e em que o total de chamadas curtas represente proporção igual ou superior a 85% (oitenta e cinco por cento) das chamadas totais. Na primeira vez que houver a subsunção da prática de determinada empresa ao que prevê a Cautelar, haverá primeiramente uma notificação, advertindo-a quanto ao descumprimento da medida e à possibilidade de bloqueio.

6. A geração de tráfego artificial, assim entendido como a produção massiva de chamadas com finalidade diversa de transmissão de voz e outros sinais, também viola o art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações - LGT).

7. A Anatel possui competência para estabelecer obrigações também aos usuários de telecomunicações, uma vez que, por força do art. 1º da LGT, constitui sua atribuição disciplinar e fiscalizar as redes de telecomunicações.

8. Eventuais aumentos de desempregos do setor de telesserviços não podem ser atrelados às medidas que vêm sendo tomadas pela Anatel no combate às chamadas abusivas, pela ausência de dados robustos nesse sentido.

9. A previsão do art. 6º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO não viola o direito do usuário à não divulgação de seu código de acesso previsto no art. 3º, inciso VI, da LGT e tampouco as previsões contidas nos seguintes dispositivos: arts. 22-A e 35-D do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC, aprovado pela Resolução nº 426, de 9 de dezembro de2005; arts. 6º, incisos XIII e XIV, e 105 do Regulamento do Serviço Móvel Pessoal - SMP, aprovado pela Resolução nº 477, de 7 de agosto de 2007, e art. 65-L do Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998.

10. Conhecimento e não provimento dos Recursos Administrativos.

REFERÊNCIAS

Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações - LGT).

Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (Lei de Processo Administrativo - LPA).

Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro - LINDB).

Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998.

Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas (RASA), aprovado pela Resolução nº 589, de 07 de maio de 2012.

Regimento Interno da Anatel (RIA), aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013.

Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, aprovado pela Resolução nº 426, de 9 de dezembro de 2005.

Regulamento do Serviço Móvel Pessoal – SMP, aprovado pela Resolução nº 477, de 07 de agosto de 2007.

Regimento Interno da Anatel, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013.

RELATÓRIO

I - DO PROCESSO Nº 53500.043723/2022-42

A Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel tem acompanhado, com preocupação, a questão das chamadas abusivas, assunto que vem ao longo do tempo gerando crescentes incômodos e uma infinidade de perturbações aos usuários de serviços de telecomunicações no Brasil.

No ano de 2019, a Agência atuou em medidas de corregulação junto ao setor de telecomunicações para o desenvolvimento de um "Código de Conduta para Ofertas de Serviços de Telecomunicações por meio de Telemarketing", implementando diretrizes, tais como a limitação das chamadas a horários adequados e a vedação da prática de ligações abusivas. Posteriormente, realizou-se a implementação, em conjunto com as operadoras do setor, da plataforma "Não Me Perturbe", a fim de possibilitar aos consumidores optarem por não receberem ligações da oferta de produtos ou serviços de empresas que aderiram à essa plataforma.

A despeito de tais iniciativas terem melhorado a relação entre as empresas de telecomunicações e suas abordagens aos consumidores, a partir de 2021 a Agência decidiu ampliar sua atuação, nos limites de sua competência, para abranger outros setores. De modo que, naquele mesmo ano, determinou a utilização do código não geográfico 0303 para o setor de telemarketing. Essa medida objetivou estabelecer a obrigatoriedade da utilização de uma numeração iniciada com esse prefixo por parte das empresas interessadas em contatar potenciais consumidores para vendas de produtos ou serviços, tendo entrado totalmente em vigor no mês de junho/2022.

Ciente da multifatorialidade desse problema, a Agência seguiu avançando em seus estudos e análises, tendo suas fiscalizações verificado duas situações, a saber: (i) um relevante volume de tráfego com numeração irregular, que chegava a percentuais superiores a 70% (setenta por cento) das chamadas originadas em algumas prestadoras; e (ii) um elevado volume de chamadas curtas (com duração de 0 a 3 segundos), chegando em alguns casos a mais de 90% (noventa por cento) do tráfego registrado nas redes de certas operadoras. Verificou-se, ainda, que esses fenômenos estavam relacionados, uma vez que as chamadas de curta duração observadas nas fiscalizações representam, em média, 95% (noventa e cinco por cento) das chamadas com números originadores falsos.

Em virtude desses e de outros achados, em junho/2022 a Anatel exarou o Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO (Processo nº 53500.043723/2022-42 - SEI nº 8571628), por meio do qual:

(i) considerou como uso indevido de recursos de numeração e uso inadequado de serviços de telecomunicações o emprego de solução tecnológica para o disparo massivo de chamadas em volume superior à capacidade humana de discagem, atendimento e comunicação, não completadas ou, quando completadas, com desligamento pelo originador em prazo de até 3 (três) segundos;

(ii) estabeleceu como critério de identificação de ofensores sujeitos a bloqueio a realização de 100 mil chamadas em um dia;

(iii) determinou às prestadoras que identificassem e bloqueassem os usuários que atenderem aos critérios estabelecidos;

(iv) estabeleceu que o bloqueio poderia ser suspenso na hipótese de o usuário firmar compromisso formal com a Anatel de se abster da prática indevida, bem como apresentar as providências adotadas;

(v) determinou às prestadoras que: (i) realizassem o bloqueio das chamadas que não utilizassem recursos de numeração atribuídos pela Anatel; (ii) encaminhassem relatório de histórico de chamadas nas características tratadas relativas aos últimos 30 (trinta) dias anteriores à cautelar; e (iii) encaminhassem relatório quinzenal sobre os bloqueios realizados.

Aludidas determinações possibilitaram à Agência constatar que o tráfego de chamadas de curta duração, consideradas de caráter abusivo, reduziu de forma significativa a partir da sexta semana de acompanhamento, qual seja, a semana em que foi exarada a Medida Cautelar, observando ainda que, no período anterior à tal medida, a tendência era de crescimento tanto no número total de chamadas quanto no número de chamadas curtas.

No afã de complementar a Medida Cautelar expedida, tratando em especial da questão do grande volume de chamadas de curta duração, o Conselho Diretor, no âmbito da “Guilhotina Regulatória” (projeto por meio da qual a Anatel revisou diversos normativos no escopo de reduzir e otimizar seus regulamentos vigentes), publicou a Resolução nº 752, de 22 de junho de 2022, revogando o inciso III do art. 12 do Regulamento de Tarifação do Serviço Fixo Comutado Destinado ao Uso do Público em Geral, aprovado pela Resolução nº 424 de 06 de dezembro de 2005, e a alínea “c” do art. 19 do Regulamento de Remuneração pelo Uso de Redes de Prestadoras do Serviço Móvel Pessoal – SMP, aprovado pela Resolução nº 477, de 07 de agosto de 2007. Assim, as chamadas com duração de até 3 (três) segundos, que não eram faturáveis pelas prestadoras de STFC e de SMP, passaram a ser, obrigando aqueles que utilizam discadores automáticos a racionalizarem seu uso.

Cotejando percentualmente o volume total de chamadas e de chamadas de curta duração presente na rede entre a semana em que a Medida Cautelar foi proferida e as semanas posteriores, observa-se que, em seu melhor momento, a medida adotada chegou a produzir uma redução de 36% (trinta e seis por cento) das chamadas de curta duração e de 43% (quarenta e três por cento) das chamadas totais na rede. 

Tem-se observado, contudo, uma nova elevação das curvas de chamadas, ainda que, até o momento, os dados sugiram uma estabilização em patamares inferiores às médias verificadas antes da cautelar. E devido a essa estabilização, a Área Técnica, após apresentação de elementos complementares, sugeriu que novas medidas de combate às chamadas abusivas fossem adotadas.

Paralelamente, em função de Recursos Administrativos interpostos contra a Medida Cautelar (Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO - SEI nº 8571628), para além de proceder ao exame de tais peças, o Conselho Diretor, via Acórdão nº 236, de 05 de agosto de 2022 (SEI nº 8920124), e Despacho Ordinatório SEI nº 8920416, determinou às Áreas Técnicas competentes, dentre outros, que: (i) adotassem as providências necessárias para a proposição de um código numérico específico para atividades de cobrança, nos termos do que já foi feito para o código 0303; (ii) adotassem as providências cabíveis e necessárias para a ampliação dos relatórios a serem fornecidos pelas prestadoras, com o intuito de verificar a utilização de meios para descumprir os objetivos da cautelar, ou de eventuais fraudes associadas aos critérios nela previstos; (iii) avaliem a inclusão das medidas previstas no Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO (SEI nº 8571628) em um regramento específico ou em iniciativa regulamentar já existente no arcabouço regulatório expedido pela Agência.

II - DO PRESENTE FEITO - PROCESSO Nº 53500.323164/2022-51

Estes autos versam sobre os estudos realizados pela Área Técnica no desiderato de avaliar os resultados da Medida Cautelar decorrente do Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO (SEI nº 8571628), assim como de seu possível aprimoramento. Para tanto, foram realizadas reuniões com as empresas de telecomunicações e telesserviços, foi aberta uma Tomada de Subsídios e as conclusões foram dispostas no Informe nº 550/2022/COGE/SCO, de 18 de outubro de 2022 (SEI nº 9294698), peça inaugural deste feito.

Nos termos de tal documento, as reuniões com as prestadoras permitiram à Área Técnica concluir que deve existir a possibilidade de desbloqueio pontual de alguns sistemas críticos de empresas durante a sistemática de bloqueio da originação de chamadas prevista pela Medida Cautelar, mesmo em caso de negativa do desbloqueio ordinário previsto na Cautelar. Dessa maneira, os números associados a essas atividades poderiam ser desbloqueados desde que observassem critérios objetivos estabelecidos em ato de desbloqueio excepcional.

A Tomada de Subsídios nº 6 (SEI nº 8792245) recebeu 136 (cento e trinta e seis) contribuições de 30 (trinta) pessoas ou entidades distintas, dentre elas da Federação Brasileira de Bancos (Febraban). Suas conclusões foram associadas à criação, por parte da Anatel, de aprofundamento na discussão e conceituação dos critérios de chamadas abusivas e uso indevido de recursos de numeração, assim como da necessidade de atuação proativa, por parte das operadoras, para o estabelecimento de medidas de combate e prevenção às condutas indesejadas. Em função de tais conclusões, o Conselheiro Emmanoel Campelo, relator da revisão de Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC), propôs a inserção dos seguintes dispositivos em tal regramento (Análise nº 112/EC/2022 - SEI nº 9014555):

"4.315. Assim, proponho incluir os seguintes dispositivos ao texto do RGC:

Art. 43 A realização de chamadas massivas com quaisquer das seguintes características configura uso inadequado dos serviços de telecomunicações ou uso indevido de recursos de numeração, dentre outras:

I – em volume superior à capacidade humana de atendimento e comunicação;

II - sem o intuito de comunicação efetiva;

III – sem observância das regras de uso dos recursos de numeração conforme a destinação feita em plano de numeração, atribuição à prestadora de serviço de telecomunicações e a designação ao usuário final; ou,

IV - com meios destinados a dificultar indevidamente a identificação do chamador.

§1º Os parâmetros específicos relacionados às características estabelecidas no presente artigo serão definidos em instrumento posterior, a ser expedido pelas Superintendências competentes.

§2º A realização de chamadas massivas pode sujeitar os usuários, responsáveis por sua realização, ao bloqueio dos recursos de numeração e às sanções previstas no Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas.

Art. 44 As prestadoras de serviços de telecomunicações devem adotar as medidas técnicas e administrativas necessárias para prevenir e cessar a ocorrência das chamadas massivas que configurem uso inadequado dos serviços de telecomunicações ou uso indevido de recursos de numeração, bem como para reverter ou mitigar os efeitos destas ocorrências.

Parágrafo único. As medidas a que se refere o caput e os critérios de sua aplicação serão definidas no Manual Operacional."

No que tange aos estudos entabulados pela Área Técnica, uma das providências adotadas foi a solicitação dos Call Detail Record - CDRs completos das ligações das redes de STFC realizadas no dia 20 de setembro de 2022 às empresas Claro, Oi, Tim e Vivo. Os dados encaminhados permitiram avaliar, naquela data específica e para aludidas prestadoras, o comportamento dos usuários seguindo diversos fatores de análise. Com tais dados, foi possível constatar que, em que pese serem dados referentes a um dia específico – e, para todos os efeitos, típico –, dentre mais de 400 (quatrocentas) milhões de chamadas analisadas de forma consolidada e anonimizada, realizadas nas redes, o comportamento dos usuários que realizaram mais de 1.000 (mil) ligações por dia ainda mantém um perfil de intenso número de chamadas curtas. O total gira em torno de 80% (oitenta por cento) do total de chamadas cursadas na rede, exclusivamente em decorrência do perfil diferenciado do tráfego de uma das grandes operadoras, que se apresenta como um outlier capaz de reduzir a média do agregado das 4 (quatro) operadoras. Observou-se ainda que excluída essa prestadora, o número de chamadas curtas para os usuários com mais de 1.000 (mil) ligações diárias atinge 88,43% (oitenta e oito vírgula quarenta e três por cento), número que certamente continua a demandar atuação por parte da Anatel.

Quanto ao spoofing (técnica computacional que possibilita a edição/modificação do número de origem de uma ligação, fazendo aparecer ao receptor da chamada uma numeração que não corresponde ao terminal de origem), a Área Técnica entende ser despicienda qualquer disposição que vise tratar desse tema, pois o Procedimento para a Atribuição e Designação de Recursos de Numeração aprovado pelo Ato nº 13.672, de 27 de setembro de 2022, prevê que “o tráfego de chamadas originadas por recursos não atribuídos, vagos ou em quarentena não deve ser permitido pela prestadora”,

Mediante o exposto, e por estarem mantidos o risco de danos à sociedade e a plausibilidade jurídica que justificaram a concessão da cautelar proferida originalmente por meio do Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO (SEI nº 8571628), a Área Técnica propôs a edição de nova Medida Cautelar no intuito de aprimorar as disposições que ali constam. 

Nessa medida, em 18 de outubro de 2022 os Superintendentes de Relações com Consumidores, de Fiscalização, de Controle de Obrigações e de Outorga e Recursos à Prestação da Anatel exararam o Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884), nos seguintes termos:

"Art. 1º Considerar o emprego de solução tecnológica para o disparo massivo de chamadas em volume superior à capacidade humana de discagem, atendimento e comunicação, não completadas ou, quando completadas, com desligamento pelo originador em prazo de até 3 segundos, como uso indevido dos recursos de numeração e uso inadequado de serviços de telecomunicações.

Parágrafo único. Para efeitos desta norma, consideram-se chamadas curtas aquelas não completadas ou, quando completadas, com desligamento pelo originador em prazo de até 3 segundos.

Art. 2º Determinar às prestadoras de serviços de telecomunicações indicadas como interessadas no presente Despacho Decisório que, a partir de 3 de novembro de 2022, identifiquem e procedam ao bloqueio, pelo prazo de 15 (quinze) dias, da capacidade de originação de chamadas dos acessos do Serviço Telefônico Fixo Comutado - STFC e do Serviço Móvel Pessoal – SMP das pessoas jurídicas que, no respectivo serviço:

I - gerarem ao menos 100.000 (cem mil) chamadas curtas por código de acesso em um dia; ou,

II - gerarem ao menos 100.000 (cem mil) chamadas, em um dia, considerados o total de acessos designados à pessoa jurídica, e em que o total de chamadas curtas represente proporção igual ou superior a 85% das chamadas totais.

§ 1º São considerados códigos de acesso designados à pessoa jurídica todos aqueles associados ao CNPJ da matriz ou de uma de suas filiais.

§ 2º Após a identificação dos usuários, a prestadora de telecomunicações deverá notificá-los da realização do bloqueio, por e-mail ou por outro expediente que assegure a ciência dos interessados, devendo a referida comunicação conter, no mínimo:

I - a razão social;

II - o número da inscrição da empresa no CNPJ/ME;

III - o enquadramento da infração ao art. 2º acompanhado, conforme o caso:

a) da quantidade de chamadas identificadas com as características do inciso I do art. 2º e respectivo(s) código(s) de acesso em que se verificou a infração;

b) da quantidade de chamadas identificadas e a proporção das chamadas com as características do inciso II do art. 2º;

V - a data em que foi praticada a infração;

VI - a data em que se iniciará o bloqueio; e,

VII - indicação da possibilidade de adoção dos procedimentos de que trata o art. 3º.

§ 3º As prestadoras de serviços de telecomunicações devem recusar a ativação de novos recursos de numeração eventualmente requeridos pelos usuários ofensores, do momento da sua identificação até o fim do prazo de bloqueio.

§ 4º A contagem do período de bloqueio iniciará somente após o bloqueio de todos os códigos de acesso vinculados à pessoa jurídica infratora.

Art. 3º Estabelecer que o bloqueio de chamadas originadas poderá ser suspenso na hipótese de o usuário firmar compromisso formal com a Anatel de se abster da prática indevida.

§ 1º Não será conhecido o pedido que não apresentar, no prazo fixado pela Agência, as informações adicionais requeridas, sendo facultado ao interessado a apresentação de novo compromisso.

§ 2º Será indeferido o pedido que tratar de infrações ocorridas após a assinatura do compromisso formal de que trata o art. 3º.

§ 3º No caso do § 2º, mediante solicitação do interessado, a Superintendente de Relações com Consumidores poderá determinar o desbloqueio de parte dos acessos da pessoa jurídica em caso de comprovado risco ou prejuízo à sociedade.

Art. 4º A Anatel divulgará mensalmente lista dos maiores usuários ofensores em termos de chamadas abusivas considerando a consolidação das chamadas realizadas nas prestadoras indicadas como interessadas no presente Despacho Decisório.

Art. 5º Durante a vigência do presente Despacho, as prestadoras consideradas deverão encaminhar os seguintes relatórios, com periodicidade quinzenal:

I - Relatório de bloqueio: contendo identificação (Nome social e CNPJ) do usuário, data(s) em que foi ultrapassado o limite constante da cautelar, indicando quais dos critérios do art. 2º motivaram o bloqueio, informando a quantidade de chamadas curtas realizadas, a quantidade de total de chamadas, discriminado por código de acesso ou CNPJ, dependendo de qual o motivo do bloqueio, assim como a data de efetivação do bloqueio e desbloqueio, se cabível;

II - Relatório de tráfego: contendo quantitativo de chamadas curtas e total de chamadas originadas em sua rede;

III - Relatório de maiores ofensores: contendo relação de todos os usuários, identificados por CNPJ, que realizaram mais de 500.000 (quinhentas mil) chamadas na quinzena considerada, independentemente de bloqueio ou não, informando a quantidade total de chamadas curtas realizadas, assim como o total de chamadas efetuadas.

Parágrafo único. As prestadoras deverão acompanhar o tráfego dos usuários que realizem ao menos 100.000 (cem mil) chamadas, em um dia, considerados o total de acessos designados à pessoa jurídica, e informar à Agência caso existam indícios de geração de tráfego artificial.

Art. 6º Determinar às prestadoras de serviços de telecomunicações que disponibilizem na internet, conjuntamente, ferramenta por meio da qual seja possível ao cidadão interessado a consulta da identificação do titular de determinados códigos de acesso do STFC e do SMP, quando este for pessoa jurídica.

§ 1º A ferramenta de que trata o caput será gratuita para o público em geral, acessível independentemente de cadastramento prévio e poderá aproveitar a estrutura de plataforma existente para outra finalidade.

§ 2º A consulta deverá informar, no mínimo, a razão social e CNPJ do usuário acompanhados da indicação da prestadora de serviços de telecomunicações junto à qual foi contratado o código de acesso consultado.

§ 3º Quando o acesso for de titularidade de pessoa física, não deverá ser fornecido qualquer dado relacionado ao titular.

§ 4º A entrada em operação da ferramenta de que trata o caput deverá ocorrer em 60 (sessenta) dias, sob coordenação do GT-NUM.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se a todas as prestadoras de serviços de telecomunicações que fazem uso de recursos de numeração e não apenas às prestadoras de serviços de telecomunicações indicadas como interessadas no presente Despacho Decisório.

Art. 7º O descumprimento das medidas impostas pelo presente Despacho sujeita as prestadoras de serviços de telecomunicações e os usuários ofensores identificados à aplicação de multa de até R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), nos termos do Regulamento de Aplicação de Sanções Administrativas.

Parágrafo único. O tomador de serviço contratante do usuário ofensor identificado poderá ser responsabilizado pelo descumprimento previsto no caput.

Art. 8º As medidas de bloqueio impostas pelo presente Despacho não se aplicam a usuários que prestam serviço de emergência e de utilidade pública mediante os códigos de acesso no formato do art. 13 da Resolução nº 749, de 15 de março de 2022.

Art. 9º O art. 3º do Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO (8571628) passa a vigorar com a seguinte redação:

'Art. 3º .............................. .....................................................................................................................................

IV - As medidas fixadas nos incisos II e III permanecerão em vigor até 2 de novembro de 2022.'

Art. 10. Revogar:

I - os arts. 1º e 2º do Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO; e;

II - a partir de 3 de novembro de 2022, o Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO.

Art. 11. Este Despacho Decisório entra em vigor na data de sua publicação e produzirá efeitos até 30 de abril de 2023, com exceção do art. 6º, que produzirá efeitos por prazo indeterminado."

Inconformadas com referida decisão, a Associação Brasileira de Telesserviços - ABT e a Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestruturas de Redes de Telecomunicações e Informática - FENINFRA, conjuntamente com o Sindicato das Empresas prestadoras de Serviços de Telemarketing, Teleatendimento e Telesserviços do Estado do Rio de Janeiro - SINTERJ, interpuseram os Recursos Administrativos SEI nº 9359582 e nº 9368561, respectivamente.

Em sua peça recursal a ABT alegou, em epítome:

(i) a tempestividade de sua manifestação;

(ii) a inexistência de dano grave e irreparável ou de difícil reparação ou urgência no presente caso que justificasse a adoção de medida cautelar, tendo o Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884infringido o art. 175 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações - LGT), e o art. 52 do Regimento Interno da Anatel, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013;

(iii) que a decisão recorrida configura verdadeira norma legislativa devido à sua generalidade de propósito e aplicação, sem fundamento na legislação brasileira e em flagrante desrespeito aos princípios do contraditório e ampla defesa previstos no art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei do Processo Administrativo - LPA), e no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal;

(iv) que não haveria urgência na aplicação do inciso II do art. 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884), pois sua incidência paralisaria todo o setor econômico, impactando fortemente na empregabilidade e ocasionando o aumento de juros sobre o crédito ao consumidor em virtude da inviabilidade de continuação dos serviços de telecobrança;

(v) em razão da qualidade dos bancos de dados utilizados atualmente, não há como ofertar produtos e/ou serviços, efetuar cobrança, em resumo, contatar um consumidor com assertividade superior a 5% (cinco por cento);

(vi) que algo próximo a 50% (cinquenta por cento) das tentativas de ligações efetuadas (completadas ou não) são encaminhadas diretamente à caixa postal;

(vii) para prever tal tipo de regra, a necessária realização de estudo concreto para identificar qual percentual seria adequado para a realidade fática, de modo a coibir a realização espontânea e abusiva de ligações curtas;

(viii) com a previsão insculpida no inciso II do art. 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884todas as operações de todas as empresas que prestam o referido serviço seriam bloqueadas, impedindo, assim, o exercício da atividade, o que fere o art. 170 da Constituição Federal;

(ix) a manutenção dos arts. 4º e 5º da Medida Cautelar, na forma como foi redigida, considera o mero exercício da atividade como abusivo, independentemente da análise individual da conduta adotada por cada empresa; qualquer operação de call center, mesmo com boas práticas, mesmo nas menores empresas do setor, ultrapassa 500 mil ligações em 15 (quinze) dias, classificando como ilegal e abusiva a atividade de call center ativo do ponto de vista regulatório;

(x) mesmo que possuam boas práticas que evitem incômodo aos consumidores, todas as empresas do setor serão consideradas como maiores usuários ofensores em termos de chamadas abusivas, pela regra dos arts. 4º e 5º da decisão recorrida;

(xi) a elevada insegurança jurídica que trouxe ao setor o parágrafo único do art. 5º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884) ao determinar que as operadoras deverão acompanhar o tráfego dos usuários e informar à Anatel a existência de indícios de geração de tráfego artificial, pois o dispositivo acaba por proibir, de forma transversa, a realização das atividades ativas de call center;

(xii) a necessidade de concessão de efeito suspensivo ao inciso II do art. 2º, ao art. 4º, ao inciso III e ao parágrafo único do art. 5º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884e, que ao final, tais dispositivos sejam afastados/revogados.

Já a Feninfra e o Sinterj aduziram em seu Recurso conjunto o seguinte:

(i) o despacho recorrido, sob a aparência de uma medida cautelar proferida em um processo administrativo, assume, de fato, a natureza jurídica de uma nova regulamentação imposta pela Anatel sem, contudo, vincular-se ao devido processo administrativo para a criação de um novo regulamento, violando, dessa maneira, o princípio da legalidade, o art. 174 da Constituição Federal e a Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019;

(ii)  a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) preconiza no seu art. 20 que, nas “esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”, o que não foi respeitado;

(iii) para a edição de uma norma regulatória, a Anatel deveria realizar a Análise de Impacto Regulatório (AIR) previamente à disponibilização de proposta normativa para a Consulta Pública;

(iv) a Anatel não possui competência para fiscalizar as prestadoras de telemarketing ativo;

(v) após a decisão da Anatel determinando o uso do código 0303, cerca de 28.000 (vinte e oito mil) trabalhadores teriam perdido seus empregos.

A TIM S.A., na data de 31 de outubro de 2022, apresentou a petição SEI nº 9377569, sustentando:

(i) a insuficiência do prazo para o desenvolvimento de sistema que vise à geração dos relatórios necessários para a execução das obrigações previstas no art. 2º, inciso II, do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884);

(ii) a existência de alguns riscos relacionados à ferramenta de consulta prevista no art. 6º da decisão, a saber: a) disponibilizar os CNPJs abre a possibilidade para a ocorrência de diversos tipos de fraude; b) a disponibilização do código de acesso dos usuários possui restrições legais e regulamentares, caso exista pedido do usuário em sentido contrário; c) reflexos concorrenciais quando da divulgação, em uma mesma página na Internet, das informações cadastrais de um determinado assinante e da prestadora de serviços de telecomunicações que o atende, pugnando pela implementação de tal solução em página na internet diversa da página do Consulta Número (https://www.abrtelecom.com.br/), ação que evitaria que os usuários identificassem erroneamente as prestadoras de serviços de telecomunicações como reais assinantes atrelados aos códigos de acesso em questão;

Ao final, a Tim requereu, caso não sejam providos seus pedidos, que sua petição seja recebida como Recurso Administrativo com pedido de efeito suspensivo.

Em 1º de novembro de 2022 os autos foram remetidos à Presidência da Anatel para fins de avaliação para concessão do efeito suspensivo (Memorando nº 76/2022/SRC - SEI nº 9362579).

Na data de 18 de novembro, expediu-se o Informe nº 17/2022/SRC (SEI nº 9362606) e o Despacho Decisório nº 5/2022/SRC (SEI nº 9397132), tendo esse último:

(i) recebido a petição da TIM como Recurso Administrativo;

(ii) conhecido os Recursos Administrativos interpostos pela Tim (SEI nº 9377569), pela ABT (SEI nº 9359582) e pela FENINFRA junto com o SINTERJ (SEI nº 9368561).

(iii) exercido o juízo de retratação quanto ao Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884para: (i) acrescer 2 (dois) parágrafos ao art. 2º; e (ii) reformar o § 2º do art. 6º, de modo que passem a vigorar,  a partir da publicação do Despacho Decisório, com a seguinte redação:

"Art. 2º .......................................................

§ 5º Na primeira vez em que for identificada a superação do limite previsto no inciso II do caput, as prestadoras deverão notificar a entidade, detalhando as infrações ocorridas e advertindo-a da possibilidade de bloqueio da capacidade de originação de chamadas em caso de novas infrações.

§ 6º A notificação de que trata o parágrafo anterior deverá ser realizada, no que couber, na forma do § 2º, devendo ser também informada à Anatel nos relatórios de que trata o inciso I do art. 5º.

...................................................................

Art. 6º .......................................................

§ 2º A consulta deverá informar, no mínimo, a razão social e CNPJ do usuário titular do código de acesso consultado. (NR)"

(iv) enviado os autos ao Conselho Diretor da Agência para análise de mérito.

A Presidência da Anatel, por meio do Despacho Decisório nº 50/2022/PR (SEI nº 9457526), decidiu não conceder efeito suspensivo pleiteado pelas Recorrentes.

Encaminhado o presente feito para o Conselho Diretor, fui sorteado como Relator conforme Certidão de Distribuição SEI nº 9474142.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

A instauração e a instrução do presente processo atenderam a sua finalidade, com observância aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, conforme dispõem a Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei do Processo Administrativo - LPA), e o Regimento Interno da Anatel (RIA), aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013.

I - DA ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS ADMINISTRATIVOS

O Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884), ora recorrido, foi publicado no Diário Oficial da União (Seção 1, página 33) em 19 de outubro de 2022. Logo, o prazo final para a interposição de Recurso Administrativo foi o dia 29 de outubro de 2022, já que o RIA consigna, em seu art. 115, § 6º, 10 (dez) dias para tal mister. Sendo o dia 29 de outubro de 2022 um sábado, dia não útil, houve a prorrogação do dies ad quem para o dia 31 de outubro de 2022, segunda-feira.

Os 3 (três) Recursos Administrativos são tempestivos, posto que foram protocolizados nas seguintes datas: 

Associação Brasileira de Telesserviços - ABT (SEI nº 9359582): 27 de outubro de 2022;

Federação Nacional de Instalação e Manutenção de Infraestruturas de Redes de Telecomunicações e Informática - FENINFRA e o Sindicato das Empresas prestadoras de Serviços de Telemarketing, Teleatendimento e Telesserviços do Estado do Rio de Janeiro - SINTERJ (SEI nº 9368568): 28 de outubro de 2022;

Tim S.A. (SEI nº 9377569) 31 de outubro de 2022.

Sobre os demais pressupostos de admissibilidade, constato que as 3 (três) entidades Recorrentes estão regularmente representadas, segundo se depreende dos documentos SEI nº 9359583 e nº 9359584 (ABT), SEI nº 9368562, nº 9368564, nº 9368565 e nº 9368567 (FENINFRA e SINTERJ) e SEI nº 9377570 (TIM). Confirmo, ainda, que as Recorrentes possuem interesse recursal, pois observo o binômio necessidade-utilidade com a reforma da decisão proferida, que não houve exaurimento da esfera administrativa e que não há contrariedade a entendimento fixado em Súmula pela Agência.

Desse modo, estando presentes os pressupostos de admissibilidade recursal previstos no art. 116 do RIA, concluo ser correta a decisão de se conhecer tais peças contida no Despacho Decisório nº 5/2022/SRC, de 18 de novembro de 2022 (SEI nº 9397132).

II - DO MÉRITO RECURSAL

II.A - RECURSO INTERPOSTO PELA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TELESSERVIÇOS - ABT

Analisarei, a seguir, os argumentos aventados pela ABT em sua peça recursal.

II.A.1 - Da suposta ausência dos pressupostos para adoção de medida cautelar

A ABT alegou que os fundamentos da Medida Cautelar, qual sejam, dano grave e irreparável ou de difícil reparação ou urgência na hipótese, não estariam presentes na situação de modo a justificar o proferimento do Despacho ora recorrido.

Pois bem. A função do Poder Público ao constatar uma ilegalidade é fazê-la cessar. É o que se apresenta no caso das chamadas abusivas: as empresas de telesserviços devem ajustarem-se ao que prevê o art. 4º, inciso I, da Lei Geral de Telecomunicações - LGT, que estabelece o dever de os usuários utilizarem adequadamente os serviços, equipamentos e redes de telecomunicações. Para tanto, este Órgão Regulador proferiu o Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884).

Tal decisão foi exarada cautelarmente por ter a Anatel entendido haver risco de dano grave ou de difícil reparação, nos termos do que foi apresentado no Informe nº 50/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294698), a saber: (i) perturbação aos consumidores, uma vez que 62% (sessenta e dois por cento) das chamadas geradas no Brasil duram de 0 a 3 segundos. Pra além de conter duração inviável para se produzir comunicação, essas ligações provocam a perda de discernimento do usuário, inviabilizando a distinção entre chamadas desejadas ou não; e (ii) perda da utilidade do serviço de telefonia, pois já se tornou comum os consumidores relatarem o cancelamento de suas linhas fixas ou, devido ao alto volume de chamadas indesejadas, a utilização de aplicativos e funções em smartphones que fazem o bloqueio de chamadas que não pertencem aos contatos salvos no aparelho celular.

Tais riscos estão comprovados não apenas pelo volume de reclamações recebidas na Anatel sobre o assunto, mas também pelo acompanhamento feito pela Agência de redes sociais, por estudos independentes, estudos acadêmicos e outros inúmeros fatores expostos reiteradamente neste feito bem como no Processo nº 53500.043723/2022-42, que tratou da medida cautelar veiculada pelo Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO (SEI nº 8571628).

Pelo exposto, entendo estarem presentes os pressupostos e devidamente justificadas as razões da expedição da Medida Cautelar, não merecendo guarida a alegação da entidade.

II.A.2 - Da configuração da Medida Cautelar como norma legislativa

Argumentou a entidade que o Despacho guerreado trata-se de verdadeira norma legislativa em virtude de sua generalidade de propósito e aplicação, carecendo de fundamento na legislação brasileira e ferindo os princípios do contraditório e ampla defesa previstos no art. 2º da LPA e no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal.

Hei de discordar de referido posicionamento. Explico. 

Como bem apontou a Área Técnica (Informe nº 17/2022/SRC - SEI nº 9362606), conforme o art. 4º, inciso I, da LGT, o usuário tem o dever de utilizar adequadamente os serviços, equipamentos e redes de telecomunicações, enquadrando-se nesse regramento aqueles agentes que se utilizam dos serviços de telecomunicações, tais como empresas de telemarketing e seus tomadores de serviço. O primeiro dispositivo da Decisão Cautelar demonstra claramente que se está dando concretude à referida diretriz:

"Art. 1º Considerar o emprego de solução tecnológica para o disparo massivo de chamadas em volume superior à capacidade humana de discagem, atendimento e comunicação, não completadas ou, quando completadas, com desligamento pelo originador em prazo de até 3 segundos, como uso indevido dos recursos de numeração e uso inadequado de serviços de telecomunicações."

(Grifei)

Adicionalmente, o art. 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884) é igualmente dotado de concretude. Nas palavras da Área Técnica:

Informe nº 17/2022/SRC - SEI nº 9362606)

"4.16. O que o art. 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO cria é um limite concreto, a partir do qual se considera existir de maneira absolutamente inequívoca disparo massivo de chamadas em volume superior à capacidade humana de discagem, atendimento ou comunicação e determina providência cautelar de bloqueio da capacidade de originação de chamadas por 15 (quinze) dias para fazer cessar a conduta indevida, como explicitado."

Como acertadamente pontuou a Área Técnica, o dispositivo em questão somente estabelece medidas em relação a um grupo muito pequeno e específico de usuários, conferindo concretude ao conceito de "uso inadequado de serviços de telecomunicações" já previsto na LGT para efeito das medidas de controle estabelecidas no Despacho Decisório recorrido. Nesse sentido, concordo com a seguinte afirmação constante do item 4.20 do Informe nº 17/2022/SRC - SEI nº 9362606): "(...) De fato, os critérios adotados não entram numa zona cinzenta em que a concretude de uma norma intermediária se faria sequer necessária: tratam-se de condutas que qualquer pessoa com bom senso avaliaria, prima facie, como violadoras da norma constante do art. 4º, inciso I, da LGT".

Logo, não há que se imputar generalidade ao Despacho recorrido, uma vez que seus dispositivos delimitam claramente seus destinatários bem como conferem concretude ao que a LGT denomina de uso inadequado dos serviços de telecomunicações (inciso I do art. 4º).  Trata-se, nessa medida, de um ato administrativo concreto com finalidades acautelatórias, sem cunho normativo

Demais disso, observo que o Despacho hostilizado foi proferido no mesmo formato e tendo como espeque os mesmos fundamentos do Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO, exarado no âmbito do Processo nº 53500.043723/2022-42. E este Colegiado, quando do julgamento dos Recursos Administrativos interpostos nesse processo, chancelou as medidas adotadas pela Área Técnica, não havendo que de falar, portanto, em ilegalidade ou desrespeito a qualquer princípio constitucional.

Indefiro, portanto, a alegação apresentada pela entidade.

II.A.3 - Dos impactos do art. 2º, inciso II, do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO

O art. 2º, inciso II, do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884) determina às prestadoras de serviços de telecomunicações que identifiquem e procedam ao bloqueio das pessoas jurídicas que gerarem ao menos 100.000 (cem mil) chamadas, em um dia, considerados o total de acessos designados à pessoa jurídica, e em que o total de chamadas curtas represente proporção igual ou superior a 85% (oitenta e cinco por cento) das chamadas totais.

Aduziu a ABT que essa determinação ocasionaria a paralisação de todo o setor econômico, com forte impacto na empregabilidade, no preço ofertado ao consumidor pelo serviço, bem como o aumento de juros sobre o crédito ao consumidor em função da inviabilidade de continuação dos serviços de telecobrança. Tal entidade enfatiza que, diante da qualidade dos bancos de cadastro utilizados atualmente, não há como ofertar produtos e/ou serviços, efetuar cobrança, em resumo, contatar um consumidor com assertividade superior a 5% (cinco por cento). Declara, ainda, que em boa parte das operações, aproximadamente 50% (cinquenta por cento) das tentativas de ligações efetuadas (completadas ou não) são encaminhadas diretamente à caixa postal.

Primeiramente, como corretamente esclareceu a Área Técnica (itens 4.19 e 4.20 do Informe Informe nº 17/2022/SRC - SEI nº 9362606), o limite estabelecido no inciso II do art. 2º da decisão recorrida é muito razoável, pois requer que uma empresa realize apenas 15 (quinze) ligações em que haja comunicação efetiva com os consumidores para cada 85 (oitenta e cinco) ligações em que não haja efetiva comunicação. Não bastasse isso, esse limitador é aplicado exclusivamente às empresas que realizam mais do que 100 mil chamadas em um único dia, não afetando pequenas centrais de telemarketing. Dito de outro modo, apenas grandes empresas, com mais recursos, serão demandadas. Para reforçar esse entendimento, a SRC apresentou a seguinte informação: 

"4.19. (...) A título de ilustração, simulação realizada nos dados de uma grande empresa de telecomunicações demonstra que apenas 4,85% das empresas realizariam mais do que 100 mil ligações por dia e, dessas, mais de 30% estariam atendendo o critério naturalmente."

Informe nº 17/2022/SRC (SEI nº 9362606) contém mais dados que demonstram ser inverídica a afirmação de que o Despacho Cautelar bloquearia as atividades de todas as empresas de telesserviços. Transcrevo:

"4.24 Em primeiro lugar, tomando-se como base duas das maiores prestadoras de telecomunicações e considerando-se os 200 maiores usuários de cada uma destas, cerca de 30% já atendem plenamente ao critério estabelecido no inciso II do art. 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO. Outros 26% mantém suas operações entre 85 e 95%, necessitando de poucos ajustes para atenderem plenamente ao critério da Cautelar. O usuário com mais chamadas até 3 segundos na rede de ambas as prestadoras analisadas inclusive, precisaria de um esforço bastante inferior a 5% para adequação ao dispositivo mencionado. Para se ter uma ideia, esse usuário trafega o equivalente a 15% do total de chamadas do grupo de usuários analisados.

4.25 Dessa forma, verifica-se que não é só plenamente possível o atendimento ao critério indicado como ele já vem sendo atendido por uma relevante parcela dos maiores usuários."

Outro ponto assaz relevante apresentado pela Área Técnica trata da maximização da ocupação dos agentes de atendimento das empresas de telemarketing, que pode ser alcançada de duas formas: (i) a otimização do cadastro de possíveis destinatários das ligações; ou (ii) a realização de um número maior de ligações para maximizar a possibilidade de atendimento. Ambas as formas resultam em milhões de chamadas que não são completadas e que importunam sobremaneira os usuários de telecomunicações:

"4.26 Por outro lado, é importante ser assertivo em relação ao que consta das alegações da ABT.

4.28 As centrais de atendimento estruturam-se em "posições de atendimento" (as "PAs", no jargão setorial), constituídas de um meio de comunicação (ramal ou ligação à internet), um computador e um agente de atendimento, em outras palavras, são os meios materiais necessários para que os agentes de atendimento exerçam as suas funções.

4.30 O objetivo das empresas que realizam o telemarketing ativo é que seus agentes de atendimento estejam ocupados o maior tempo possível, maximizando, dessa forma, seus retornos sobre os investimentos realizados. Existem basicamente dois caminhos para garantir essa ocupação: (a) a otimização do cadastro de possíveis destinatários das ligações; ou (b) a realização de um número maior de ligações para maximizar a possibilidade de atendimento.

4.32 A otimização do cadastro normalmente é realizada através de uma "prova de vida" para, simplesmente, avaliar se um determinado número, discado aleatoriamente, está na posse de uma pessoa física. Em resumo, um computador disca um número, e, caso a ligação seja atendida, o número é considerado "válido" e atribuído a uma pessoa naquele momento.

4.34 Como são originadas por software que simplesmente interpreta um código de retorno da rede de telefonia, podem ser realizadas, simultaneamente, milhares de chamadas, muito além da capacidade humana de atendimento, o que, ao fim de um dia, pode culminar em, literalmente, milhões de chamadas realizadas com um investimento relativamente baixo.

4.36 Esse tipo de chamada também pode ser realizado para extrair outras informações, como a propensão de determinado consumidor de atender o telefone em determinados momentos do dia, por exemplo, ou, com a utilização de analisadores de áudio, para o confirmar se, além de em posse de uma pessoa física, o telefone está com algum usuário específico (ex.: Robocall que questiona se "Você é Fulano?")

4.38 Justamente por esse baixo custo, diversas pequenas empresas se dedicam a esse tipo de atividade, pelo que um mesmo consumidor pode receber inúmeras ligações apenas para "testar" se o seu número está ativo para viabilizar uma ligação futura de uma das centenas de empresas que efetivamente se dedicam ao telemarketing ativo. Destaca-se, de qualquer forma, que não é incomum que as próprias empresas de telemarketing ou cobrança realizem essas provas de vida em seus próprios cadastros.

4.40 A segunda medida para garantir a possibilidade de atendimento é, como exposto, a realização de um número maior de ligações. Normalmente, as ligações de telemarketing ativo não são realizadas pelos agentes de atendimento, mas por softwares denominados "discadores preditivos".

4.42 As versões mais rebuscadas desses discadores se integram à plataforma de gestão de relacionamento com o consumidor e dele extraem dados como tempo médio de atendimento e outras variáveis, de maneira a tentar antecipar que um agente de atendimento está próximo da conclusão da ligação atual e inicia o disparo da próxima chamada. As versões mais simples, simplesmente disparam ligações quando da desocupação de uma posição de atendimento.

4.44 Ocorre que a praxe das empresas é realizar dezenas de ligações simultâneas nessas situações, em volume muito superior à sua efetiva capacidade de interagir com o destinatário e estabelecer comunicação e, em caso de indisponibilidade de agente de atendimento ou de sucesso na conexão, todas as ligações são desconectadas.

4.46 Dessa forma, são realizadas, por exemplo, 10 (dez) ligações simultâneas, para 10 (dez) usuários diferentes, associadas a uma capacidade de 1 posição de atendimento. No momento em que um dos 10 (dez) destinatários atende à ligação, a chamada é direcionada ao atendente, e as 9 (nove) demais ligações são encerradas pelo originador, visto que seu atendente já está ocupado com o usuário que atendeu.

4.48 Na prática, isso significa que ao menos 9 (nove) usuários foram importunados e, antes que pudessem atender a ligação (ou logo que atenderam), a ligação foi desligada pelo chamador. Nesse cenário, teríamos apenas 10% das ligações sendo 'atendidas'".

(Grifos no original)

E devido à situação narrada no excerto acima, a pretensão desta Agência é que as empresas efetuem um menor volume de chamadas curtas, que são as ligações que importunam os usuários. Pelo critério estabelecido pela Anatel no Despacho rechaçado, uma única ligação "atendida" valida 5,6 ligações curtas realizadas como tentativa, ou seja, 15 ligações validam 85 tentativas, como dito acima.

Ademais, verifico que a Área Técnica, prestigiando a responsividade nas relações com os stakeholders do setor, aprimorou a decisão recorrida em juízo de retratação para prever a possibilidade de que, na primeira violação ao Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884), a empresa seja notificada sem que isso enseje o bloqueio imediato da capacidade de originação das chamadas (inserção dos §§ 5º e 6º ao inciso II do art. 2º desse decisão), segundo se depreende do Despacho Decisório nº 5/2022/SRC (SEI nº 9397132):

"§ 5º Na primeira vez em que for identificada a superação do limite previsto no inciso II do caput, as prestadoras deverão notificar a entidade, detalhando as infrações ocorridas e advertindo-a da possibilidade de bloqueio da capacidade de originação de chamadas em caso de novas infrações.

§ 6º A notificação de que trata o parágrafo anterior deverá ser realizada, no que couber, na forma do § 2º, devendo ser também informada à Anatel nos relatórios de que trata o inciso I do art. 5º."

Aplica-se tal medida somente ao critério de eficiência previsto no inciso II do art. 2º da decisão vergastada no afã de permitir às empresas avaliarem a adequação de suas operações à norma em questão.

Dessa maneira, entendo não merecer guarida o aduzido pela Recorrente.

II.A.4 - Da Lista de Ofensores (art. 4º e art. 5º, inciso III)

A ABT impugnou a criação do Ranking de Usuários ofensores previsto no art. 4º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884) e operacionalizado por seu art. 5º. Sob a sua perspectiva, qualquer operação de call center, mesmo com boas práticas e voltadas para o contato humanizado com o consumidor e mesmo as menores empresas do setor ultrapassam 500 (quinhentas) mil ligações em 15 (quinze) dias, de forma que a manutenção dos arts. 4º e 5º da decisão recorrida acabaria por considerar o mero exercício da atividade como abusivo, transformando em ilegal a atividade de call center ativo, independentemente da análise individual da conduta adotada por cada empresa. Outrossim, afirma que todas as empresas do setor serão consideradas “maiores usuários ofensores em termos de chamadas abusivas”, mesmo que tenham boas práticas para evitar incômodos aos consumidores.

Os dispositivos em debate possuem o seguinte teor: 

Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884)

"Art. 4º A Anatel divulgará mensalmente lista dos maiores usuários ofensores em termos de chamadas abusivas considerando a consolidação das chamadas realizadas nas prestadoras indicadas como interessadas no presente Despacho Decisório.

Art. 5º Durante a vigência do presente Despacho, as prestadoras consideradas deverão encaminhar os seguintes relatórios, com periodicidade quinzenal:

(...)

III - Relatório de maiores ofensores: contendo relação de todos os usuários, identificados por CNPJ, que realizaram mais de 500.000 (quinhentas mil) chamadas na quinzena considerada, independentemente de bloqueio ou não, informando a quantidade total de chamadas curtas realizadas, assim como o total de chamadas efetuadas."

Da leitura do texto acima constato que a Anatel receberá a relação de todos os usuários que realizarem mais de 500 (quinhentas) mil chamadas em uma quinzena, quantidade essa que objetiva assegurar que todos os usuários com um volume relevante de chamadas estejam "mapeados" e sejam considerados.  Com base nesses dados, será oportunamente divulgada listagem dos maiores usuários ofensores, consolidando o tráfego somado em todas as prestadoras que encaminharem o relatório. Assim, uma entidade que divida seu tráfego entre as operadoras de serviços de telecomunicação "A" e "B" será considerada pelo total de ligações realizadas em ambas as prestadoras. 

A listagem a ser divulgada pela Agência não contemplará todas as entidades que se enquadrarem no inciso III do art. 5º. Em tal lista constarão tão somente os piores ofensores.

Nessa medida, deixo de acatar as alegações da entidade Recorrente quanto a esse ponto.

II.A.5 - Do tráfego artificial (art. 5º, parágrafo único)

A entidade sustentou que os incisos do art. 5º trazem a definição de conceitos normatizados pelo Despacho Decisório objurgado, mas não o fazem em relação ao termo “tráfego artificial”, gerando insegurança jurídica na interpretação e aplicação do dispositivo, de forma que a exigência de seu cumprimento restaria inviabilizada do ponto de vista legal.

Eis o teor de tal dispositivo:

"Art. 5º Durante a vigência do presente Despacho, as prestadoras consideradas deverão encaminhar os seguintes relatórios, com periodicidade quinzenal:

I - Relatório de bloqueio: contendo identificação (Nome social e CNPJ) do usuário, data(s) em que foi ultrapassado o limite constante da cautelar, indicando quais dos critérios do art. 2º motivaram o bloqueio, informando a quantidade de chamadas curtas realizadas, a quantidade de total de chamadas, discriminado por código de acesso ou CNPJ, dependendo de qual o motivo do bloqueio, assim como a data de efetivação do bloqueio e desbloqueio, se cabível;

II - Relatório de tráfego: contendo quantitativo de chamadas curtas e total de chamadas originadas em sua rede;

III - Relatório de maiores ofensores: contendo relação de todos os usuários, identificados por CNPJ, que realizaram mais de 500.000 (quinhentas mil) chamadas na quinzena considerada, independentemente de bloqueio ou não, informando a quantidade total de chamadas curtas realizadas, assim como o total de chamadas efetuadas.

Parágrafo único. As prestadoras deverão acompanhar o tráfego dos usuários que realizem ao menos 100.000 (cem mil) chamadas, em um dia, considerados o total de acessos designados à pessoa jurídica, e informar à Agência caso existam indícios de geração de tráfego artificial."

Discordo do aduzido pela Recorrente. A um porque os incisos do art. 5º não contêm definições e tampouco conceitos de termos presentes no Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884); eles trazem apenas a descrição do que deve conter os Relatórios de bloqueio (inciso I), de tráfego (inciso II) e de maiores ofensores (inciso III). A dois porque, diversamente do que afirma a entidade, a ausência de definição formal no bojo do Despacho do que seja tráfego artificial não é causa de insegurança jurídica, por se tratar de conceito amplamente conhecido por todo e qualquer stakeholder do setor de telecomunicações.  

De toda sorte, farei constar nesta Análise, para fins meramente elucidativos, que tráfego artificial é a geração ou produção massiva de chamadas com a finalidade diversa de transmissão de voz e outros sinais, consistindo, assim, na utilização inadequada dos recursos de telecomunicações, o que afronta, como dito alhures, o inciso I do art. 4º da LGT.

Nesse panorama, o parágrafo único do art. 5º foi redigido no intuito de inibir qualquer espécie de fraude por parte das empresas de telesserviços em decorrência da geração de tráfego artificial que venha a aumentar o número de chamadas longas (maiores que 3 segundos). Ademais, não há qualquer consequência automática para a identificação do tráfego eventualmente entendido como artificial, ou seja, as empresas apenas farão tal identificação para que a Agência adote, se for o caso, as medidas que entender cabíveis.

Por todas as razões acima expostas, opino pelo não provimento ao Recurso Administrativo interposto pela ABT.

II.B - DO RECURSO INTERPOSTO PELA FENINFRA E PELO SINTERJ

Abaixo passo ao exame da peça recursal apresentada em conjunto pela FENINFRA e pelo SINTERJ.

II.B.1 - Da configuração do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO como norma legislativa

Assim como a ABT, a FENINFRA e o SINTERJ arguíram que o Despacho repelido se trata de ato normativo que, da forma como foi proferido, viola os princípios da legalidade, do contraditório e ampla defesa, e que deveria ser precedido de Análise de Impacto Regulatório - AIR. Argumentaram, ainda, que houve desrespeito ao art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que prevê que nas “esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.

Por se tratar de alegações semelhantes às aventadas pela ABT e para que esta Análise não se torne repetitiva, remeto às explanações tecidas no item II.A.2, que concluem ser o Despacho fulminado não uma norma geral e abstrata, mas sim ato administrativo concreto com finalidades acautelatórias, sem cunho normativo. Nessa medida, está fora do âmbito de incidência das normas que determinam a realização de AIR, em conformidade com o que dispõe a Lei nº 13.848/2019, o Decreto nº 10.411/2020, que a regulamenta, e o Regimento Interno da Anatel.

Acerca da previsão da LINDB, consigno minha discordância quanto ao alegado, pois entendo que os fundamentos da decisão ora recorrida não foram embasados em valores abstratos. Valho-me do aduzido pela Área Técnica ao afirmar que o decisum em debate pretende justamente que as entidades tenham conhecimento prévio de critérios concretos sob os quais a Anatel decidiu efetuar o bloqueio da capacidade de originação de chamadas e que as consequências práticas da decisão foram absolutamente sopesadas na Tomada de Subsídios nº 6/2022, que questionou aos interessados quais os impactos da vedação de tais práticas nas redes das prestadoras de serviços de telecomunicações, nas atividades de centrais de atendimento e nas atividades dos respectivos tomadores de serviço. O que ocorreu foi que, na ponderação dos valores, a proteção aos consumidores venceu frente a práticas irrazoáveis e abusivas de certas entidades do setor.

Não procedem, assim, os argumentos guindados pelas entidades.

II.B.2 - Da competência da Anatel

O Recurso Administrativo interposto pela FENINFRA e SINTERJ sustentou, ainda, que a decisão impugnada ampliou indevidamente a competência regulatória e fiscalizatória da Agência. 

Pois bem. Nos termos do parágrafo único do art. 1º da LGT, a Anatel possui competência para promover o "disciplinamento e a fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços e da implantação e funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro de radiofrequências".

E o exercício dessa vasta competência indubitavelmente abarca aqueles agentes que se utilizam dos serviços de telecomunicações, tais como as empresas de telemarketing e seus tomadores de serviço, nos termos do art. 4º, inciso I, da LGT. Assevera tal dispositivo, ainda, sobre o dever desses usuários dos serviços de telecomunicações em utilizarem de forma apropriada os serviços, equipamentos e redes de telecomunicações.

Em sendo a Anatel competente para estabelecer obrigações aos usuários de telecomunicações, no presente contexto, as empresas de telesserviço que contratam recursos de numeração de uma prestadora de telecomunicações para realizar e receber ligações são efetivamente usuárias de serviços de telecomunicações. Saliento, contudo, que a Agência não está regulando atividades de telemarketing ativo. Todas as medidas adotadas pela Anatel até o presente momento estão absolutamente associadas ao uso de redes de telecomunicações, não se referindo a qualquer atividade econômica específica realizada pelos usuários. A título ilustrativo, consigno que um usuário doméstico que atendesse aos critérios dispostos no Despacho hostilizado igualmente seria bloqueado, bem como um supermercado, uma clínica médica, um comércio de roupas, etc. Portanto, todo aquele que contrata serviço fixo ou móvel e recebe recurso de numeração para fazer ou receber ligações telefônicas constitui um usuário de telecomunicações com todos os direitos e deveres decorrentes de tal situação, sendo indiferente, para fins da Medida Cautelar atacada e da legislação de regência, se o chamador é uma empresa prestadora de telecomunicações, uma empresa de prestação de serviço de cobrança ou de telemarketing.

Peço vênia para transcrever trechos do Informe nº 17/2022/SRC (SEI nº 9362606), por trazerem informações de processos judiciais nos quais essa competência foi discutida para, ao final, o Poder Judiciário decidir que, de fato, este Órgão Regulador agiu - e age - observando os limites de sua competência: 

"5.16 Observe-se, inclusive, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade acima mencionada (ADI 7166) teve sua inicial indeferida e, em obter dictum, o Ministro Edson Fachin afirmou que "há um complexo normativo que confere à ANATEL a competência para regular os 'recursos de numeração' de forma a 'garantir a sua utilização eficiente e adequada'", o que de todo pode ser transplantado para o caso concreto. Eis o exposto:

"Conforme relatado pela ANATEL, o ato ora impugnado foi editado como uma das medidas voltadas à solução do problema referente ao tema “ligações abusivas”, tendo em vista o grande volume de reclamações recebidas na agência, indicando a fiscalização “evidências de que grande parte do uso de numeração aleatória, inválida, não atribuída, ou atribuída a terceiros, pode estar associada aos sistemas robotizados de telemarketing ativo.” (eDOC 35, p.8)

Assim, o ato 10413/2021 foi editado de modo que “as empresas interessadas em contatar potenciais consumidores para vendas, deverão usar número com característica própria, que se torna uma ferramenta importante para o consumidor na identificação das chamadas de telemarketing e avaliação quanto ao interesse ou não em efetuar o atendimento.” (eDOC 35, p. 9)

E, como observa a ANATEL, trata-se de diferenciação de numeração que não é incomum, como ocorre com o código “0800” e o código “0300”"

5.17 Consigne-se que argumentação na mesma linha foi lançada em diversas ações judiciais que atacaram a primeira cautelar. Por todas, transcreve-se a decisão do Juiz Federal da 9ª Vara Cível Federal de São Paulo no Processo nº 5016065-27.2022.4.03.6100 que indeferiu a tutela de urgência pleiteada pela entidade de telesserviços interessada:

"Dentre as competências elencadas, a ANATEL tem o dever de proteção aos usuários, com a expedição de normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado e reprimir infrações dos direitos dos usuários.
De fato, não é permitida às agências reguladoras contrariar determinações legais, havendo matérias que só podem ser tratadas por meio do processo legislativo, no entanto, devem expedir normas conforme as características técnicas de casa setor, com determinações específicas que vão além da lei geral criando obrigações e deveres aos regulados. Assim, podem ser tratadas por meio de regulamentos.
Ao que consta, o Despacho Decisório nº 160/2022 foi expedido com o intuito de evitar ligações realizadas por “robôs”, as chamadas “robocall”, determinando que as operadoras de telecomunicações se abstenham de realizar acima de 100 mil chamadas diárias com duração de até três segundos, reduzindo o volume de ligações inoportunas, bem como o bloqueio das chamadas de números não atribuídos pela ANATEL.
In casu, vislumbro que não houve extrapolação do poder normativo. Não se trata de impedir a prestação dos serviços de telemarketing, mas somente a utilização da tecnologia para o disparo em massa de chamadas em volume superior à capacidade humana de discagem."

Diante do cenário apresentado, não há que se falar em extrapolação, pela Anatel, de suas competências.

II.B.3 - Dos desempregos no setor

Ainda foi alegado pelas Recorrentes que "cerca de 28 mil trabalhadores teriam perdido o emprego após a decisão da Anatel sobre o uso do 0303".

Entretanto, dessumo a impossibilidade de se atrelar as medidas que vêm sendo tomadas pela Anatel no combate às chamadas abusivas e os eventuais aumentos de desempregos do setor. As próprias Recorrentes não lograram êxito em comprovar tal correlação, uma vez que os dados apresentados na peça recursal carecem de robustez probatória. 

Como mencionado pela Área Técnica, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED indicam que, desde dezembro de 2021, "o número de empregos já vinha em queda relevante, sendo a maior parte das demissões verificadas no período indicado na petição ocorridas ANTES da entrada em vigor das medidas adotadas por esta Agência (16 mil dos 28 mil empregos supostamente perdidos no período)" - item 5.32 do Informe nº 17/2022/SRC (SEI nº 9362606). Assim, há uma série de fatores a serem considerados ao se analisar as causas de um acentuado desemprego em dado período, sendo leviano imputar a esta Agência, do modo como foi feito, o hipotético incremento de demissões no setor.

Mediante tudo que foi apresentado, sugiro o não provimento do Recurso Administrativo interposto em conjunto pela FENINFRA e SINTERJ.

II.C - RECURSO INTERPOSTO PELA TIM S.A.

A seguir examinarei os argumentos apresentados pela Tim, que apresentou petição que foi recebida como Recurso Administrativo com pedido de efeito suspensivo, em atenção ao princípio da fungibilidade.

Desde já, saliento que a retratação promovida pela Área Técnica por meio do Despacho Decisório nº 5/2022/SRC (SEI nº 9397132) já atendeu às formulações da TIM relativas (i) ao prazo para desenvolvimento de sistema para geração dos relatórios necessários para a execução das obrigações previstas no inciso II do art. 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884) e (ii) ao art. 6º desse mesmo decisum. Explico.

II.C.1 - Da necessidade de prazo adicional para atendimento ao art. 2º, inciso II, do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO

Alegou a prestadora a insuficiência do prazo para desenvolvimento de sistema para geração dos relatórios necessários para a execução das obrigações previstas no inciso II do art. 2º do Despacho censurado, razão pela qual requereu a concessão de prazo adicional de 20 (vinte) dias para a implementação da medida.

Em 20 e 31 de outubro do corrente ano a Área Técnica reuniu-se com as entidades interessadas e, ato contínuo, emitiu o Ofício nº 1027/2022/COGE/SCO-ANATEL (SEI nº 9383404), fornecendo-lhes esclarecimentos e orientações operacionais referentes ao Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884):

"Assunto: Orientações operacionais ao Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884)


Prezados Senhores,

Considerando as manifestações recebidas durante as reuniões realizadas nos dias 20 e 31 de outubro de 2022 e a necessidade de adaptação das prestadoras de telecomunicações e de seus usuários às sistemáticas previstas no inciso II do artigo 2º e no art. 5º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO, servimo-nos do presente para prestar os seguintes esclarecimentos e orientações operacionais:

a) os bloqueios decorrentes do inciso I do artigo 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO, que já vem sendo praticados desde junho de 2022, deverão iniciar normalmente no dia 3 de novembro de 2022;

b) no período de 03 a 10 de novembro de 2022, as prestadoras identificarão e notificarão, em caráter educativo, os usuários que infringirem os limites previstos no inciso II do artigo 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO, porém, sem proceder ao bloqueio determinado no caput do art. 2º do Despacho Decisório;

c) os bloqueios das entidades que ultrapassarem o limite fixado no inciso II do artigo 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO deverão iniciar a partir do dia 25 de novembro de 2022 para as infrações identificadas a partir do dia 11 de novembro de 2022;

d) para ambos os critérios, as prestadoras deverão notificar os usuários infratores e proceder o bloqueio dos recursos de numeração, na forma do Despacho Decisório, em até 15 (quinze) dias contados da data da infração;

e) os relatórios referentes às semanas 1 (30/10 a 05/11) e 2 (06 a 12/11) poderão ser encaminhados até o dia 25 de novembro, mantidas as datas dos relatórios referentes às semanas subsequentes; e,

f) no relatório das semanas 1 e 2 deverão estar identificados, inclusive, os usuários que eventualmente tenham ultrapassado, entre os dias 3 e 10 de novembro, os limites fixados no inciso II do artigo 2º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO.

Informamos que está em análise a sugestão relacionada à exclusão da indicação da prestadora de serviços de telecomunicações junto à qual foi contratado o código de acesso consultado na ferramenta de que trata o art. 6º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO.

Ficamos à disposição para os eventuais esclarecimentos complementares que se façam necessários."

(Destaques no original)

Como visto, o bloqueio específico determinado pelo art. 2º, inciso II, do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884teve seu prazo dilatado, passando seu início para 25 de novembro de 2022, o que corresponde a 22 (vinte e dois) dias de prorrogação. Logo, constata-se a perda do objeto recursal da Tim no que tange a tal pleito.

II.C.2 - Da obrigatoriedade da divulgação da prestadora junto à qual foi contratado o código de acesso consultado (§ 2º do art. 6º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO)

Em seu Recurso Administrativo a TIM ponderou o seguinte:

"Da mesma forma, convém observar possíveis reflexos concorrenciais quando da divulgação em uma mesma página na Internet tanto das informações cadastrais de um determinado assinante, mas também, da prestadora de serviços de telecomunicações que o atende. Assim, é preocupante a utilização dos dados cadastrais de assinantes constantes desta nova ferramenta, inclusive com a possibilidade de um possível interesse de realização de milhões de consultas a este site frente eventuais impactos concorrenciais do resultado deste tipo de solução". (Destaquei)

Mais à frente, aludida prestadora apresentou uma possível solução para o problema acima apresentado:

"Caso essa Agência entenda em sentido contrário, a TIM pugna pela implementação de tal solução em página na Internet diversa da página do Consulta Número (https://www.abrtelecom.com.br/) com vistas a não produzir efeitos deletérios de os usuários identificarem erroneamente as prestadoras de serviços de telecomunicações como reais assinantes atrelados aos códigos de acesso em questão."

(Grifei)

O Despacho Decisório nº 5/2022/SRC (SEI nº 9397132) alterou a redação do § 2º do art. 6º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884) nos seguintes termos:

DE: § 2º A consulta deverá informar, no mínimo, a razão social e CNPJ do usuário acompanhados da indicação da prestadora de serviços de telecomunicações junto à qual foi contratado o código de acesso consultado.

PARA: § 2º A consulta deverá informar, no mínimo, a razão social e CNPJ do usuário titular do código de acesso consultado.

(Destaquei)

Como se vê, a Área Técnica excluiu o trecho "acompanhados da indicação da prestadora de serviços de telecomunicações junto à qual foi contratado", ou seja, a ferramenta a ser implementada pelas entidades não mais precisa divulgar a operadora de serviços de telecomunicações que presta o serviço àquele CNPJ consultado. Não houve o acolhimento da solução apresentada pela TIM, mas não restam dúvidas de que o seu objetivo foi alcançado.

Tratarei, assim, dos demais argumentos recursais.

II.C.3 - Dos supostos riscos do art. 6º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO

Enumerou a TIM alguns riscos referentes à ferramenta prevista no art. 6º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO. O primeiro é que o de que o dispositivo não se coadunaria com o disposto no art. 3º, inciso VI, da LGT, que prevê que o usuário tem direito à não divulgação do seu código de acesso.

O art. 6º do Despacho recorrido passou a ter o seguinte teor após a retratação promovida pelo Despacho Decisório nº 5/2022/SRC (SEI nº 9397132):

"Art. 6º Determinar às prestadoras de serviços de telecomunicações que disponibilizem na internet, conjuntamente, ferramenta por meio da qual seja possível ao cidadão interessado a consulta da identificação do titular de determinados códigos de acesso do STFC e do SMP, quando este for pessoa jurídica.

§ 1º A ferramenta de que trata o caput será gratuita para o público em geral, acessível independentemente de cadastramento prévio e poderá aproveitar a estrutura de plataforma existente para outra finalidade. 

§ 2º A consulta deverá informar, no mínimo, a razão social e CNPJ do usuário titular do código de acesso consultado.

§ 3º Quando o acesso for de titularidade de pessoa física, não deverá ser fornecido qualquer dado relacionado ao titular.

§ 4º A entrada em operação da ferramenta de que trata o caput deverá ocorrer em 60 (sessenta) dias, sob coordenação do GT-NUM.

§ 5º O disposto neste artigo aplica-se a todas as prestadoras de serviços de telecomunicações que fazem uso de recursos de numeração e não apenas às prestadoras de serviços de telecomunicações indicadas como interessadas no presente Despacho Decisório."

O art. 3º, inciso VI, da LGT, presente desde a edição dessa Lei, tem seu conteúdo direcionado às antigas Listas Telefônicas Obrigatórias e Gratuitas (LTOG), que eram organizadas a partir do nome do usuário, de modo que seria possível identificar qual o respectivo código de acesso.

Corroborando tal fato, tem-se que o art. 213 da LGT, que estabelece a necessidade de divulgação, lhe faz referência expressa:

"Art. 213. Será livre a qualquer interessado a divulgação, por qualquer meio, de listas de assinantes do serviço telefônico fixo comutado destinado ao uso do público em geral.

§ 1º Observado o disposto nos incisos VI e IX do art. 3º desta Lei, as prestadoras do serviço serão obrigadas a fornecer, em prazos e a preços razoáveis e de forma não discriminatória, a relação de seus assinantes a quem queira divulgá-la.

§ 2º É obrigatório e gratuito o fornecimento, pela prestadora, de listas telefônicas aos assinantes dos serviços, diretamente ou por meio de terceiros, nos termos em que dispuser a Agência."

Como bem expôs a Área Técnica, o que o dispositivo veda é a identificação do código de acesso a partir do nome do usuário, e não o inverso. No caso da ferramenta de que trata a Medida Cautelar, esse código de acesso já estará à disposição do interessado na pesquisa, que o utilizará como chave da consulta para identificação da titularidade de quem lhe direcionou uma chamada. Semelhante argumentação aplica-se ao disposto no art. 22-A e 35-D do RSTFC, bem como ao inciso XIV do art. 6º e 105 do RSMP. No que pertine ao inciso XIII do art. 6º do RSMP, verifico que tal dispositivo diz respeito à função de "Exibição do ID de Chamada", comumente presente nos aparelhos celulares. Do mesmo trata o art. 65-L do Regulamento dos Serviços de Telecomunicações (segundo a redação da Resolução nº 738, de 21 de dezembro de 2020), conforme se vê no § 1º do referido dispositivo:

"Art. 65-L. Não constitui quebra de sigilo a identificação, pelo usuário chamado, do usuário originador da chamada, quando este não opuser restrição à identificação de seu código de acesso.

§ 1º As prestadoras devem oferecer ao usuário, observadas as condições técnicas, a facilidade de restrição de identificação prevista no caput, quando solicitado.

§ 2º A restrição de identificação prevista no caput não atinge as ligações e mensagens destinadas aos Serviços Públicos de Emergência, aos quais deve ser sempre permitida a identificação do código de acesso do usuário originador da chamada ou da mensagem.

§ 3º As prestadoras devem oferecer ao usuário, observadas as condições técnicas e quando solicitado, a facilidade de bloqueio da chamada a ele dirigida que não trouxer a identificação do código de acesso do assinante que a originou.

§ 4º As obrigações deste artigo são exigíveis das prestadoras que possuam recursos de numeração atribuídos."

(Grifei)

Em outras palavras, mais uma vez os referidos dispositivos não se aplicam ao presente caso, razão pela qual deixo de acatar as alegações apresentadas.

Ainda sustentou a Tim em seu Recurso que o constante do Informe nº 74/2019/PRRE/SPR (SEI nº 4172813), proferido nos autos 53500.018833/2019-71, teria afastado a legalidade do procedimento previsto no art. 6º do Despacho Recorrido:

"O referido informe refutou a determinação judicial, registrando que “Desta forma, considerando que a prestadora tem o dever legal de manter o sigilo dos dados cadastrais e comunicações, tem-se que, para que seja possível atender a decisão judicial em comento, ou seja, para que seja possível à prestadora fornecer os dados cadastrais de acesso pertencentes a usuário de outra prestadora, esta última teria que ceder os dados à primeira, o que poderia configurar uma quebra ilegal do sigilo dos dados cadastrais deste usuário, vez que esses dados teriam de ser fornecidos primeiramente a uma parte não legítima para detê-los.”

(Destaques no original)

Todavia, verifica-se que aludido Informe estava a tratar de uma especificidade quanto à forma de operacionalização da decisão judicial proferida na Ação Civil Pública nº 0002818-08.2010.4.05.8500, tramitada na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe, cujo dispositivo determinou o seguinte:

3. DISPOSITIVO

Ante todo o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para condenar a ANATEL à obrigação de fazer, consistente no seguinte: a) regulamentar, no prazo de até 120 (cento e vinte) dias, o acesso, independentemente de ordem judicial, pelos titulares de linhas telefônicas destinatários de ligações, a dados cadastrais, de titulares de linhas telefônicas que originaram as respectivas chamadas; b) estabelecer no regulamento a obrigação de as operadoras de telefonia fornecer nome completo e CPF (ou CNPJ) do originador da chamada, ao passo em que o titular da linha telefônica deverá fornecer às operadoras, no mínimo, a data e o horário da chamada que foi dirigida à linha de que é titular e em relação à qual se quer obter os referidos dados(Grifei)

Conforme aludida decisão, o procedimento para que determinado cidadão tivesse acesso aos dados do originador de uma chamada telefônica seria o seguinte: o cidadão fornece à sua prestadora de telefonia a data, o horário e o número do originador da ligação; essa prestadora, então, consulta a qual operadora aquele código de acesso pertence e solicita a essa operadora os dados cadastrais (nome completo e CPF/CNPJ); ao receber esses dados, a prestadora os repassa ao seu cliente que os solicitou.

Como se vê, na dinâmica determinada pela decisão judicial o acesso aos dados cadastrais passa por uma prestadora que não é a que originalmente detém os dados, ou seja, tais informações são enviadas para uma prestadora que não possui nenhuma relação com o originador da chamada. E foi isso que o Informe nº 74/2019/PRRE/SPR (SEI nº 4172813) salientou que poderia configurar uma quebra ilegal do sigilo.

O art. 6º em comento determina a criação de uma ferramenta cuja dinâmica em nada se assemelha à dinâmica de referida decisão judicial. 

As distinções ficam mais claras a partir da leitura do excerto abaixo do Informe em questão:

Entraves de ordem técnica e operacional

3.44. Com relação aos entraves operacionais na implementação da decisão judicial em comento, esclarecemos que, conforme definido na legislação, é dever das prestadoras manter o registro e zelar pelo sigilo das comunicações e dos dados cadastrais de seus usuários pelo prazo de cinco anos. Os dados relativos aos titulares das linhas em geral estão armazenados nos registros cadastrais da prestadora. Já os dados relativos a chamadas efetuadas e recebidas por determinado acesso MSISDN (número telefônico móvel) não estão prontamente disponíveis e devem ser gerados conforme necessário, se processando os chamados CDR "Call Detail Record" - Registro de Detalhes da Chamada.

3.45. Os CDRs têm como objetivo faz o registo (log) de todas a interações de um terminal móvel com a rede e, por consequência, uma diversidade de informações não relacionadas às chamadas em si são coletadas para cumprir essa finalidade. Por exemplo, diversos registros CDR são gerados no momento que o terminal é ligado (como o local onde ele foi ativado, o IMEI do equipamento móvel, o endereço IP que ele recebeu para conexão de dados) ou quando ele realiza o hand-off (alteração da antena que está atendendo o equipamento móvel).

3.46. Desta forma, o processo simplificado para identificar quem realizou chamadas para o usuário de uma operadora A em determinado dia envolveria: (i) identificar as linhas ativas do usuário naquele momento; (ii) extrair dos diversos registros CDRs aqueles relacionados as chamadas deste usuário na janela de tempo definida; (iii) com base nos CDRs montar o extrato das chamadas recebidas/realizadas pelo usuário e; (iv) buscar na base cadastral a correlação entre os números que realizam chamadas para o usuário e os respectivos registros cadastrais, desde que os números pertençam a mesma operadora.

3.47. Repisamos, no entanto, que apesar da referida decisão judicial entender que, juridicamente, não se trata de quebra de sigilo, em termos técnicos o processo acima descrito é exatamente o utilizado no processo de quebra de sigilo judicial e, por consequência, a implementação da decisão judicial em comento implicará em altos investimentos para o atendimento dessas novas demandas e trará um impacto direto no atendimento, pelas prestadoras, dos pedidos de quebra de sigilo judicial, que são cada vez mais demandados pelos investigadores frente ao crescimento do combate à corrupção e à lavagem de dinheiro no país.

3.48. Adicionalmente, com relação ao último passo do processo acima descrito, qual seja, a identificação dos dados cadastrais dos números que realizaram as chamadas para o usuário, esclarecemos que a prestadora do usuário somente é capaz de identificar os dados cadastrais dos números que pertencem a usuários também atendido por elas, tendo em vista que uma prestadora não tem acesso à base de dados cadastral das outras prestadoras.​

3.49. Em casos similares, nos pedidos de quebra de sigilo judicial, a prestadora fornece para o solicitante apenas os números que realizaram/receberam chamadas para um respectivo alvo, cabendo ao investigador, em seguida, realizar novas solicitações de dados cadastrais daqueles números, que devem ser direcionadas para cada uma das prestadoras. Neste cenário, de acordo com o disposto no artigo 15 da Lei nº 12.850, de 2 de agosto de 2013, é possível que a autoridade com poder de investigação solicite os dados cadastrais independentemente de autorização judicial. Contudo, hoje esta é única possibilidade legal para obtenção desses dados.

3.50. Desta forma, considerando que a prestadora tem o dever legal de manter o sigilo dos dados cadastrais e comunicações, tem-se que, para que seja possível atender a decisão judicial em comento, ou seja, para que seja possível à prestadora fornecer os dados cadastrais de acesso pertencentes a usuário de outra prestadora, esta última teria que ceder os dados à primeira, o que poderia configurar uma quebra ilegal dos sigilo dos dados cadastrais deste usuário, vez que esses dados teriam de ser fornecidos primeiramente a uma parte não legítima para detê-los.

3.51. Frente a isso, entende-se que o cumprimento da decisão judicial em comento é tecnicamente complexo e financeiramente custoso, além de haver dúvidas sobre a legalidade da condução de algumas das etapas necessárias à implementação do processo, no cenário onde o número chamador não pertence à prestadora."

(Destaques no original)

Ademais, tal decisão judicial ainda ampliava para pessoas físicas (que obviamente possuem uma maior proteção constitucional de sua intimidade se comparadas às pessoas jurídicas) o acesso a esses dados cadastrais, entes que a Medida Cautelar expressamente excluiu no § 3º do art. 6º do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO.

Deixo de acatar, assim, as alegações apresentadas pela empresa quanto a esse ponto.

Dessa maneira, concluo pelo não provimento dos 3 (três) Recursos Administrativos interpostos em face do Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884).

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, voto pelo conhecimento e não provimento dos Recursos Administrativos interpostos contra o Despacho Decisório nº 250/2022/COGE/SCO (SEI nº 9294884).


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Documento assinado eletronicamente por Vicente Bandeira de Aquino Neto, Conselheiro Relator, em 08/12/2022, às 18:43, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


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Referência: Processo nº 53500.323164/2022-51 SEI nº 9482518