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Informe nº 35/2023/CPRP/SCP

PROCESSO Nº 53500.014175/2023-24

INTERESSADO: BASE SERVIÇO DE INTEGRAÇÃO MÓVEL LTDA (BM), TELEFONICA BRASIL S.A.

ASSUNTO

Análise da aplicação de medida cautelar envolvendo suposta negativa em contratar elemento essencial de acesso às redes móveis.

REFERÊNCIAS

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações - LGT), que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações.

Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Lei nº 14.172, de 1º de junho de 2021, que estabelece diversas normas relativas à garantia de acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e a professores da educação básica pública, em virtude da calamidade pública decorrente da COVID-19.

Decreto Federal nº 10.952, de 27 de janeiro de 2022, que regulamenta a Lei nº 14.172, de 10 de junho de 2021, e estabelece os critérios de transferência automática de recursos, a título de apoio financeiro, aos Estados e ao Distrito Federal, para a garantia de acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e a professores da educação básica pública, por meio da Plataforma +Brasil.

Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998, que aprovou o Regulamento dos Serviços de Telecomunicações (RST).

Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013, que aprovou o Regimento Interno da ANATEL (RIA).

Processo nº 53500.007326/2023-98.

Processo nº 53500.014175/2023-24.

ANÁLISE

I - DOS FATOS

Em 27 de janeiro de 2023, foi protocolizada correspondência por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI nº 9748141) por BASE SERVIÇO DE INTEGRAÇÃO MÓVEL LTDA., doravante denominada BASE ou Reclamante. O referido documento trata-se de Reclamação Administrativa com pedido de Medida Cautelar inaudita altera pars em face de TELEFÔNICA BRASIL S.A., doravante denominada TELEFÔNICA ou Reclamada, com a indicação de suposta negativa em contratar elemento essencial de acesso às redes móveis, especificamente no tocante à aquisição de perfis elétricos.

Em 02 de fevereiro de 2023, foi encaminhado o Ofício nº 55/2023/CPRP/SCP-ANATEL (SEI nº 9768940), notificando a TELEFÔNICA para se manifestar (defesa) sobre os fatos narrados pela BASE no prazo de 15 (quinze) dias.

Em 06 de fevereiro de 2023, a TELEFÔNICA foi formalmente notificada do referido Ofício, conforme Certidão de Intimação Cumprida (SEI nº 9786932).

Em 22 de fevereiro de 2023, a TELEFÔNICA apresentou sua Defesa nos termos do documento SEI nº 9857524.

Em 28 de fevereiro de 2023, por meio da Petição SEI nº 9882354, a BASE se manifestou em relação às considerações contidas na peça de defesa apresentada pela TELEFÔNICA e reforçou o pedido de concessão da medida cautelar.

É o relato dos fatos processuais.

 

II - DOS ARGUMENTOS E PEDIDOS APRESENTADOS À ANATEL

ARGUMENTAÇÃO - BASE SERVIÇO DE INTEGRAÇÃO MÓVEL LTDA.

Por meio da Petição Inicial SEI nº 9748141 e seus anexos, a BASE informa recusa da operadora TELEFÔNICA em fornecer "perfis elétricos" para prestação de serviço de valor adicionado (SVA), conforme detalhado a seguir.

Inicialmente, a Reclamante menciona a edição da Lei nº 14.172, de 1º de junho de 2021, que estabeleceu diversas normas relativas à garantia de acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e a professores da educação básica pública, em virtude da calamidade pública decorrente da COVID-19. A referida Lei foi regulamentada posteriormente pelo Decreto Federal nº 10.952, de 27 de janeiro de 2022, o qual previu o repasse de valores para fazerem frente às disposição legais.

A BASE informa que desenvolveu uma "Plataforma de Conectividade" para fins educacionais com o objetivo de atender estudantes e professores da Rede de Ensino, apta a atender as necessidades e os objetivos detalhados na referida Lei.

Neste contexto, a Reclamante informa sua participação em diversos processos licitatórios promovidos por entes federativos que tiveram como objeto "soluções de conectividade móvel" para atendimento das previsões legais. A Reclamante informa que no contexto dessas contratações o acesso à internet seria um insumo e não objeto principal da contratação, visto que a solução de conectividade agrega diversas ferramentas e funcionalidades necessárias ao atendimento da necessidade em questão.

Especificamente, a Reclamante pontua a participação em certames promovidos pelos Estados do Amazonas (SEI nº 9748153, 9748154, 9748157, e 9748163) e de Alagoas (SEI nº 97481559748156, e 9748164), no âmbito dos quais restou evidenciada a viabilidade técnica da solução por ela apresentada.

A BASE afirma ter encontrando óbice para a prestação do serviço SVA pretendido, uma vez que a operadora TELEFÔNICA se recusa a fornecer os "perfis elétricos" necessários para a prestação dos serviços e para a completa funcionalidade da "Plataforma de Conectividade" a ser utilizada pelos entes federativos licitantes. A Reclamante argumenta estar diante de uma prática abusiva por parte da Reclamada, nos seguintes termos:

31. A recusa no fornecimento do SMP para o desenvolvimento do serviço e/ou os preços excessivos são ações que evidenciam o nítido objetivo da Reclamada de inviabilizar a Reclamante e outras prestadoras de SVAs de obter as licitações. Isso necessariamente frustraria os processos licitatórios, forçando mudança de objeto, esvaziando o sentido da Lei 14.172/21.

32. Ante todo o exposto, não há dúvidas que a Reclamada tem condições de fornecer o serviço, sendo este, inclusive, ofertado em sua cartela de produtos, mas se vale de diversos subterfúgios para negar atualmente o fornecimento de perfis elétricos à Reclamante. Eis a ação antijurídica que precisa ser coibida pela Agência Reguladora.

Nestas circunstâncias é que se insere o pedido formulado pela Reclamante, inclusive com pedido de concessão de provimento cautelar a fim de que se determine que a Reclamada proceda ao imediato fornecimento, remunerado, a preço de mercado, dos "perfis elétricos" para a prestação do SVA desenvolvido pela Reclamada; e para que a Reclamada se abstenha de enviar qualquer missiva aos órgãos públicos da Federação que, direta ou indiretamente, imputem o comando da Lei nº 14.172/21 para empresas que exclusivamente prestem o SMP.

Quanto  ao pedido de concessão de medida cautelar, a BASE argumenta sobre a existência dos requisitos de periculum in mora e de fumus boni iuris, nos seguintes termos:

57. A presença do perigo de dano é latente haja vista a existência de contratos já adjudicados em prol da Reclamante (licitação dos estados do Amazonas e Alagoas). A não entrega do seu objeto pode acarretar aplicação de sanções à Reclamante. Isso sem falar do perigo indireto, de cunho social, que implica acesso à escola de ao menos 600.000 mil crianças).

58. O segundo requisito, de fumaça do bom direito, observa expressa previsão do art. 61, §2°, da LGT, o qual assegura à Reclamante o uso das redes de serviços de telecomunicações para a prestação do serviço de valor adicionado, cabendo à ANATEL assegurar esse direito.

Finalmente, a Reclamante pontua que o imediato fornecimento dos "perfis elétricos" não configura provimento administrativo irreversível, visto que, se por qualquer razão, ao longo da instrução do feito, for reconhecido direito à TELEFÔNICA em recusar o fornecimento do serviço, esta operadora estaria sendo remunerada em condições legítimas de mercado.

Os pedidos da Reclamante se deram nos seguintes termos:

62. De forma urgente, sem prejuízo de outras providências que se afigurem necessárias para cessar a conduta da Reclamada, requer-se a concessão inaudita altera pars de medida cautelar para, considerando o serviço de SVA prestado pela Reclamante:

i) que a Reclamada seja compelida a fornecer à Reclamante, no prazo de 05 (cinco) dias, pelo menos 650.000 (seiscentos e cinquenta mil) perfis elétricos, para fazer face aos contratos de Amazonas (AM) e Alagoas (AL), em preços de mercado praticados, tal qual demonstrado acima na presente manifestação, sob pena de multa diária a ser arbitrada pela Agência, considerando o poder econômico da Reclamada e o impacto social da infração;

ii) que a Reclamada seja compelida a fornecer à Reclamante tantos quantos forem perfis elétricos necessários a fazer face aos procedimentos licitatórios eventualmente adjudicados pela Reclamante, comprovados mediante a assinatura dos contratos com os entes federativos com fins educacionais. A venda deve observar preços de mercado praticados pela Representada, tal qual demonstrado acima na presente manifestação, sob pena de multa diária a ser arbitrada pela Agência, considerando o poder econômico da Reclamada e o impacto social da infração;

iii) que a Reclamada se abstenha de enviar qualquer missiva aos órgãos públicos dos entes da Federação, que direta ou indiretamente imputem o comando da Lei 14.172/21 para empresas que exclusivamente prestem o SMP. Essas missivas, além de induzir a existência de reserva regulatória não prevista, têm nítido propósito de tumultuar o processo licitatório e inviabilizar, no tempo, a destinação da rubrica orçamentária destinada no Decreto 10.952/22, além de pretender excluir a participação de prestadores de SVAs nas licitações;

63. Por fim, na conclusão da presente reclamação, que a Reclamada seja compelida a fornecer perfis elétricos que sejam caracterizados como insumo de Serviços de Valor Adicionado (SVAs) prestados pela Reclamante.

Em 28 de fevereiro de 2023, por meio da Petição SEI nº 9882354, a BASE se manifestou em relação às considerações contidas na peça de defesa apresentada pela TELEFÔNICA e reforçou o pedido de concessão da medida cautelar.

Nessa ocasião, a Reclamante afirma que não almeja prestar serviço de SMP, mas tão somente Serviços de Valor Adicionado (SVA), no âmbito dos quais a disponibilização de internet configura apenas como um dos insumos.

Foi ainda informado que não existe até a data da interposição de sua Petição SEI nº 9882354 nenhuma decisão judicial ou de Cortes de Contas que tenha reconhecido a antijuridicidade do modelo por ela proposto.

A BASE também mencionou a existência de instrumento contratual assinado junto ao Estado do Amazonas (SEI nº 9882355), que teria sua execução prejudicada pelo atraso na disponibilização dos "perfis elétricos" pretendidos.

Foi pontuado pela Reclamante não haver qualquer impedimento de ordem técnica , jurídica ou comercial em relação ao fornecimento de "perfis elétricos".

Finalmente, a Reclamante reforça o pedido de concessão de medida cautelar, repisando os argumentos que comprovariam o perigo de dano e a fumaça do bom direito.

 

ARGUMENTAÇÃO - TELEFÔNICA BRASIL S.A.

Em sua manifestação (SEI nº 9857524), a TELEFÔNICA afirma que os processos que decorram da verba disponibilizada pela União no contexto normativo da Lei nº 14.172, de 1º de junho de 2021, deveriam ter como objeto, necessariamente, a contratação de solução de conectividade móvel. 

Neste sentido, argumenta a Reclamada que a licitante vencedora de tais processos de contratação deveria ser capaz e estar apta a prestar serviços de telecomunicações de modo a fornecer a referida conectividade, ou seja, a própria prestação do Serviço Móvel Pessoal (SMP).

A TELEFÔNICA sustenta que no âmbito dos editais de alguns processos licitatórios, inclusive naqueles citados pela Reclamante (Amazonas e Alagoas), havia sido cometido grave equívoco, visto que deveriam prever que o objeto licitado se caracterizava de fato como prestação de serviço de telecomunicações e não apenas de Plataforma ou solução de conectividade genérica.

A Reclamada informa que teria inclusive atuado para questionar entes federativos que pretendiam formalizar contratações em desacordo com as normas que regem o setor de telecomunicações, nos seguintes termos:

Assim, o que se constata é que na medida em que as grandes prestadoras de SMP foram tomando conhecimento de tais editais, em tudo impróprios, atuaram para questionar os entes federativos acerca do objeto do certame, e, na inércia ou complacência desses com as ilegalidades apontadas, foram obrigados a se socorrer dos órgãos de controle, tais como os Tribunas de Contas junto a tais entes e ao Poder Judiciário. 

A argumentação da Reclamada é no sentido de que ao ingressar nos processos licitatórios, a Reclamante teria pleno conhecimento de que i) deveria prestar serviço de SMP para conseguir adimplir com as obrigações editalícias, e, ii) não detém qualquer outorga perante a Anatel a autorizando a prover SMP. Desta forma, pontua a TELEFÔNICA, os caminhos possíveis para que a Reclamada pudesse atender tais requisitos seria negociação de contratação dos serviços necessários ou a celebração de parcerias (por exemplo por meio de Rede Virtual MVNO).

A TELEFÔNICA sustenta que os únicos agentes a deterem o chamado "perfil elétrico" seriam os próprios provedores de SMP, sejam eles prestadores de origem ou MVNOs autorizados. Neste sentido, argumenta a Reclamada que inexiste qualquer norma legal ou regulamentar que obrigue um provedor de SMP a ofertar a qualquer empresa terceira "perfis elétricos", assim como inexiste em seu portfólio de produtos o fornecimento de tais perfis.

Os pedidos requeridos pela TELEFÔNICA se deram nos seguintes termos:

(a) Preliminarmente, não seja concedida a medida cautelar requerida pela Reclamante, dada a ausência dos pressupostos necessários à sua concessão;

(b) Sejam julgados improcedentes os pedidos formulados pela Reclamante no âmbito da presente Reclamação Administrativa;

(c) Seja a Reclamante sancionada por notória litigância de má-fé, nos termos que esta D. Agência entender como suficientes; e 

(d) Seja garantido à TELEFONICA o direito de apresentar informações complementares sobre a matéria que se discute.

III - DA ANÁLISE

DA POSSIBILIDADE E DA COMPETÊNCIA

De início, é fundamental realizar alguns apontamentos sobre a subsunção do presente caso às disposições da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações - LGT), conforme desenvolvido a seguir.

A Lei Geral de Telecomunicações (LGT), Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, prevê que cabe à ANATEL adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade.

O referido diploma legal confere à Agência a competência de compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de telecomunicações e de reprimir as infrações aos direitos dos usuários (art. 19, XVII e XVIII), entre outras. Confiram-se os termos do aludido dispositivo legal:

Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:

X - expedir normas sobre prestação de serviços de telecomunicações no regime privado;

XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;

XVI - deliberar na esfera administrativa quanto à interpretação da legislação de telecomunicações e sobre os casos omissos;

XVII - compor administrativamente conflitos de interesses entre prestadoras de serviço de telecomunicações;

XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários;

XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE;

O estatuto regimental da Agência prevê ainda que aquele que tiver seu direito violado, nos casos relativos à legislação de telecomunicações, poderá propor reclamação administrativa perante a Agência, observado o procedimento disposto no art. 102 do Regimento Interno da ANATEL (RIA), aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013.

Cabe ainda mencionar a competência legal conferida à ANATEL para regular os condicionamentos do uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado e dirimir conflitos entre prestadores de serviços de valor adicionado e prestadores de serviços de telecomunicações, nos termos do art. 61 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações - LGT, e do art. 64-A do Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998.

Inconteste, pois, que compete à ANATEL atuar nesta Reclamação Administrativa.

Por fim, tem-se que o processo seguiu as fases devidas de instrução, contando com oferecimento de Defesa (SEI nº 9857524) por parte da Reclamada, em resposta ao Ofício nº 55/2023/CPRP/SCP-ANATEL (SEI nº 9768940).

Diante do exposto nesta seção, caracteriza-se a competência desta Agência para a apreciação da presente Reclamação Administrativa com pedido de Medida Cautelar e conclui-se pela legitimidade da BASE SERVIÇO DE INTEGRAÇÃO MÓVEL LTDA., peticionar contra prestadora de serviço de telecomunicações perante a Anatel.

E é com fundamento nos dispositivos supramencionados que se procederá à análise do pedido de cautelar em apreço.

 

DA ANÁLISE DA CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR

A aplicabilidade de medidas cautelares encontra-se intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento do processo, seja ele de que natureza for, judicial ou administrativo. A tutela cautelar é um instrumento de garantia processual, tendo por finalidade assegurar a efetividade de um determinado provimento a ser produzido como resultado final de um processo.

Conforme definição proposta por Humberto Theodoro Júnior (in Curso de direito processual civil, vol. II. 34ª ed. Rio de janeiro. Forense. Pg. 363), a medida cautelar pode ser definida como:

A providência concreta tomada pelo órgão judicial para eliminar uma situação de perigo para direito ou interesse de um litigante, mediante conservação de estado de fato ou de direito que envolve as partes, durante todo o tempo necessário para o desenvolvimento do processo principal.

No regime jurídico administrativo a atuação cautelar do agente público competente, tem escopo semelhante, no sentido de outorgar situação provisória de segurança, porém, não aos interesses particulares dos litigantes, mas ao próprio interesse público, finalidade maior a orientar e conformar todo exercício da função administrativa. Assim sendo, para a proteção provisória do interesse público tem cabimento a atuação da tutela cautelar, prevenindo-o contra o risco do dano imediato ou da ineficácia do processo.

A proposição de medidas com caráter urgente, como a adoção de uma medida cautelar, envolve a análise da existência de fumus boni iuris e periculum in mora.

fumus boni iuris traduz-se, literalmente, como “fumaça do bom direito”. É um sinal ou indício de que o direito pleiteado de fato existe. Não há, portanto, a necessidade de provar a existência do direito, bastando a mera suposição de verossimilhança.

Já o periculum in mora traduz-se, literalmente, como “perigo na demora”. Para o direito brasileiro, é o receio que a demora da decisão cause um dano grave ou de difícil reparação ao bem tutelado. Isso frustraria por completo a apreciação ou execução da ação principal. A configuração do periculum in mora exige a demonstração de existência ou da possibilidade de correr um dano jurídico ao direito da parte de obter uma tutela jurisdicional eficaz na ação principal.

Do Fumus boni iuris

Para que se reconheça o requisito do fumus boni iuris, suficiente é o indício ou suposição de que o direito existe.

Dos elementos apontados nos autos, verifica-se que a controvérsia trata de suposta negativa em contratar elemento essencial de acesso às redes móveis.

Considerando a estrutura de mercado apresentada por meio da Petição Inicial (SEI nº 9748141), sob uma ótica inicial e superficial, tem-se que o relacionamento com a Reclamada é essencial para que a Reclamante desenvolva adequadamente sua atividade econômica, na medida em que unicamente por meio desse relacionamento é que se faz possível a operacionalidade da "Plataforma de Conectividade" desenvolvida pela Reclamante, assim como o atendimento das obrigações por ela assumidas perante entes federativos contratantes.

Neste sentido, enquadrando-se possivelmente como prestadora de Serviço de Valor Adicionado (SVA), a Reclamante deve ter assegurado o acesso às redes de serviços de telecomunicações por meio de contratos de livre pactuação com as provedoras, as quais devem atuar de forma isonômica e não discriminatória, nos termos do art. 64-A da Resolução nº 73, de 25 de novembro de 1998, que aprovou o Regulamento dos Serviços de Telecomunicações (RST).

Pelo exposto, resta atendido o requisito do fumus boni iuris para concessão da cautelar. Os indícios suficientes para caracterizar tal requisito recaem no possível cerceamento de acesso às redes móveis a uma suposta prestadora de Serviço de Valor Adicionado (SVA).

Do Periculum in mora

O Congresso Nacional, ao editar a Lei nº 14.172, de 1º de junho de 2021, estabeleceu diversas normas relativas à garantia de acesso à internet, com fins educacionais, a alunos e a professores da educação básica pública, em virtude da calamidade pública decorrente da COVID-19.

Neste sentido, verifica-se um caráter emergencial das ações vinculadas ao diploma legal, visto se tratar de desenho de política pública voltada à mitigação de danos causados pelos impactos da COVID-19 na educação básica pública. Ou seja, existe uma premência na formalização dos instrumentos contratuais relacionados ao tema, a fim de atender uma necessidade específica de garantia de acesso à internet a alunos e professores, no contexto limitado da pandemia.

Caso se estenda uma definição acerca do objeto, a formalização dos instrumentos contratuais mencionados pela Reclamante em sua peça inicial não surtirão mais os efeitos pretendidos ou até mesmo não contará mais com a disponibilidade de recursos para o seu adimplemento, visto que os recursos transferidos pela União aos Estados e ao Distrito Federal, que não forem aplicados até 31 de dezembro de 2023, após atendidas as finalidades e as prioridades previstas no art. 3º da Lei nº 14.172/2021, ou que forem aplicados em desconformidade com o disposto naquela Lei, serão restituídos, na forma de regulamento, aos cofres da União, até o dia 31 de março de 2024. 

Assim, diante da necessidade do aprofundamento das questões técnico-jurídicas que envolvem o caso em apreço, primando pela prevalência do interesse público entende que se faz presente o requisito do periculum in mora.

DO ENCAMINHAMENTO PARA A PROCURADORIA FEDERAL ESPECIALIZADA JUNTO À ANATEL

Sobre a necessidade de envio à Procuradoria Federal Especializada junto à Anatel (PFE/Anatel), conforme art. 38, § 1º, e no art. 92, ambos do Regimento Interno da Anatel, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013, percebe-se que a Portaria nº 642, de 26 de julho de 2013, alterada pela Portaria nº 739, de 11 de setembro de 2013, que disciplina os casos de manifestação obrigatória do órgão jurídico, foi taxativa ao elencar em quais situações as resoluções de conflitos devem ser apresentadas à PFE, e nela não consta disposição de envio para manifestação em fase cautelar.

Assim, entende-se pelo não encaminhamento dos autos à PFE/Anatel, neste momento.

CONCLUSÃO

Por todo exposto, com fundamento nos artigos 19 e 61 da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações - LGT, propõe-se:

DETERMINAR que TELEFÔNICA BRASIL S.A. assegure à BASE SERVIÇO DE INTEGRAÇÃO MÓVEL LTDA., no prazo de até 10 (dez) dias contados da publicação deste Despacho, a disponibilidade de até 650.000 (seiscentos e cinquenta mil) perfis elétricos, relativos às obrigações por ela contratadas perante o Estado do Amazonas (Ata de Registro de Preços nº 0313/2022-1) e o Estado de Alagoas (Pregão Eletrônico nº 10667/2022 SRP).

DETERMINAR que BASE SERVIÇO DE INTEGRAÇÃO MÓVEL LTDA. e TELEFÔNICA BRASIL S.A. estabeleçam tratativas negociais com o objetivo de conceber relacionamento contratual em conformidade com a regulamentação para o adequado provimento dos serviços ao Estado do Amazonas (Ata de Registro de Preços nº 0313/2022-1) e ao Estado de Alagoas (Pregão Eletrônico nº 10667/2022 SRP) em até 30 (trinta) dias contados da publicação deste Despacho.

CONDICIONAR a ativação dos acessos à plataforma à formalização de instrumento contratual fruto das tratativas negociais do item II do presente Despacho.

DETERMINAR que BASE SERVIÇO DE INTEGRAÇÃO MÓVEL LTDA. e TELEFÔNICA BRASIL S.A. façam constar do instrumento contratual referido no item III cláusula que indique a existência do processo administrativo SEI nº 53500.007326/2023-98 e da sua sujeição às deliberações constantes do autos do referido processo.

DETERMINAR à BASE SERVIÇO DE INTEGRAÇÃO MÓVEL LTDA. que, no prazo de até 10 (dias) dias contados da publicação deste Despacho, promova comunicação formal junto aos contratantes mencionados no item I, informando da existência do presente processo administrativo cautelar, assim como do processo SEI nº 53500.007326/2023-98, inclusive quanto à possibilidade de reversibilidade desta decisão, tendo em vista seu caráter provisório.

DETERMINAR à BASE SERVIÇO DE INTEGRAÇÃO MÓVEL LTDA. que comprove o cumprimento do item V à ANATEL, no prazo de até 5 (cinco) dias contados da data da comunicação formal junto aos contratantes mencionados no item I.

FIXAR multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), por eventual descumprimento do item I, até o limite de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais).

FIXAR multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por eventual descumprimento do item IV, até o limite de R$ 100.000,00 (cem mil reais).

NOTIFICAR as partes do teor da presente decisão.


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Documento assinado eletronicamente por José Borges da Silva Neto, Superintendente de Competição, em 01/03/2023, às 14:10, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


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Documento assinado eletronicamente por Fábio Casotti, Gerente de Monitoramento das Relações entre Prestadoras, em 01/03/2023, às 14:18, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


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Documento assinado eletronicamente por Maria Eugenia Martins de Moura, Analista Administrativo, em 01/03/2023, às 14:30, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


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Referência: Processo nº 53500.014175/2023-24 SEI nº 9861373