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Referência: Caso responda este Ofício, indicar expressamente o Processo nº 53500.014686/2018-89
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Ofício nº 68/2023/AF-ANATEL

Ao Senhor

Carlos Manuel Baigorri

Presidente

Agência Nacional de Telecomunicações

SAUS, Quadra 06, Blocos C, E, F, H, Asa Sul

CEP: 70070-940 – Brasília/DF

  

Assunto: Decisão administrativa coordenada entre Anatel e Aneel para avaliação da proposta de regulamentação sobre compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações.

  

Senhor Presidente,

  

Cumprimentando-o cordialmente, faço referência à proposta de reavaliação da regulamentação sobre compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, conforme item 11 da Agenda Regulatória 2023-2024 da Anatel. Tal proposição foi objeto de sorteio no último dia 21 de setembro de 2023, data em que fui designado relator para o caso.

Antes de anunciar o propósito a que se objetiva este expediente, convém mencionar um dos mais importantes instrumentos instituídos pela Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, alterada pela Lei nº 14.210, de 30 de setembro de 20211. Trata-se do instituto da decisão administrativa coordenada, disciplinado pelo art. 49-A e seguintes da referida legislação, com grifos acrescidos:

"Art. 49-A. No âmbito da Administração Pública federal, as decisões administrativas que exijam a participação de 3 (três) ou mais setores, órgãos ou entidades poderão ser tomadas mediante decisão coordenada, sempre que: (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021)

I - for justificável pela relevância da matéria; e (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021)

II - houver discordância que prejudique a celeridade do processo administrativo decisório. (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021)

§ 1º Para os fins desta Lei, considera-se decisão coordenada a instância de natureza interinstitucional ou intersetorial que atua de forma compartilhada com a finalidade de simplificar o processo administrativo mediante participação concomitante de todas as autoridades e agentes decisórios e dos responsáveis pela instrução técnico-jurídica, observada a natureza do objeto e a compatibilidade do procedimento e de sua formalização com a legislação pertinente.

§ 2º (VETADO).

§ 3º (VETADO).

§ 4º A decisão coordenada não exclui a responsabilidade originária de cada órgão ou autoridade envolvida.

§ 5º A decisão coordenada obedecerá aos princípios da legalidade, da eficiência e da transparência, com utilização, sempre que necessário, da simplificação do procedimento e da concentração das instâncias decisórias.

§ 6º Não se aplica a decisão coordenada aos processos administrativos:

I - de licitação;

II - relacionados ao poder sancionador; ou

III - em que estejam envolvidas autoridades de Poderes distintos.

Art. 49-B. Poderão habilitar-se a participar da decisão coordenada, na qualidade de ouvintes, os interessados de que trata o art. 9º desta Lei.

Parágrafo único. A participação na reunião, que poderá incluir direito a voz, será deferida por decisão irrecorrível da autoridade responsável pela convocação da decisão coordenada.

Art. 49-C. (VETADO).

Art. 49-D. Os participantes da decisão coordenada deverão ser intimados na forma do art. 26 desta Lei.

Art. 49-E. Cada órgão ou entidade participante é responsável pela elaboração de documento específico sobre o tema atinente à respectiva competência, a fim de subsidiar os trabalhos e integrar o processo da decisão coordenada.

Parágrafo único. O documento previsto no caput deste artigo abordará a questão objeto da decisão coordenada e eventuais precedentes.

Art. 49-F. Eventual dissenso na solução do objeto da decisão coordenada deverá ser manifestado durante as reuniões, de forma fundamentada, acompanhado das propostas de solução e de alteração necessárias para a resolução da questão.

Parágrafo único. Não poderá ser arguida matéria estranha ao objeto da convocação.

Art. 49-G. A conclusão dos trabalhos da decisão coordenada será consolidada em ata, que conterá as seguintes informações:

I - relato sobre os itens da pauta;

II - síntese dos fundamentos aduzidos;

III - síntese das teses pertinentes ao objeto da convocação;

IV - registro das orientações, das diretrizes, das soluções ou das propostas de atos governamentais relativos ao objeto da convocação;

V - posicionamento dos participantes para subsidiar futura atuação governamental em matéria idêntica ou similar; e

VI - decisão de cada órgão ou entidade relativa à matéria sujeita à sua competência.

§ 1º Até a assinatura da ata, poderá ser complementada a fundamentação da decisão da autoridade ou do agente a respeito de matéria de competência do órgão ou da entidade representada.

§ 2º (VETADO).

§ 3º A ata será publicada por extrato no Diário Oficial da União, do qual deverão constar, além do registro referido no inciso IV do caput deste artigo, os dados identificadores da decisão coordenada e o órgão e o local em que se encontra a ata em seu inteiro teor, para conhecimento dos interessados". 

Como se percebe, na linha de uma perspectiva que busca se afastar de decisões impositivas e não dialogadas em favor de decisões cooperativas e coordenadas entre agentes estatais, na esteira do que vem sendo defendido por Adrian Vermeule2, tal instituto tem a pretensão de promover uma gestão mais colaborativa e democrática nas decisões administrativas, ao mesmo tempo que visa a ampliar a segurança jurídica necessária para os administrados e o respeito à duração razoável do processo.

Muito embora seja possível identificar múltiplas influências, tal expediente possui inspiração mais direta na conferência de serviços italiana, regulamentada pela Lei nº 241, de 7 de agosto de 1990 – Lei de Procedimento Administrativo3, vindo a ser aprofundado por meio da "Lei nº 340, de 24 de novembro de 2000, e, por fim, pela Lei nº 15, de 11 de fevereiro de 2005, que trouxe inovações, sobretudo, na modalidade decisória da Conferência de Serviços4.

Quanto aos propósitos e modalidades do instituto da conferência de serviços, cumpre destacar o que dizem a seu respeito Maria Coeli Simões Pires e outros5:

"[A] Conferência de Serviços apresenta-se como procedimento de consensualização e simplificação da atividade administrativa, voltada, dentre outros fins, para adquirir autorizações, atos, licenças e permissões, mediante convocação de um colegiado especial, cujos termos são, especificamente, preparados por lei.

(...)

Ademais, o instrumento assume significativa importância, particularmente no que se refere a decisões que invocam multiplicidade de interesses e pluralidade de órgãos administrativos, cada qual com o respectivo centro de poder".

No Brasil, Egon Bockmann Moreira e Elisa Schmidlin Cruz, por exemplo, têm enfatizado que, por um lado, a decisão coordenada “incrementa o diálogo e a participação democrática na formação dos atos administrativos; por outro, diminui os conflitos (e respectivos custos), harmonizando perspectivas e soluções consensuais6. Com efeito, como bem observam, "os órgãos e entidades são incentivados a desenvolver esforços colaborativos, a fim de negociar soluções multipartes – inclusive, com incidência unitária em seus polos ativos (os sujeitos administrativos a quem se imputam os atos) e passivos (as pessoas privadas que experimentarão, direta ou indiretamente, os efeitos do ato)”.7

Ainda sobre o tema, cita-se importante doutrina de Antônio do Passo Cabral8, a respeito da historicidade, finalidade e abrangência do instituto, com grifos acrescidos:

"Em vista de resultados mais eficientes pela coordenação das competências estatais, a tendência contemporânea, no Brasil e no estrangeiro (e não só no direito administrativo, mas até mesmo no campo das competências jurisdicionais) é de um regime mais maleável, com transferências, modificações e alocações funcionais cooperativas e combinatórias.

Trata-se de infundir a virada gerencial do direito administrativo para incrementar a adequação das formalidades do processo administrativo aos cânones de uma administração pública onde a eficiência passou a ser tão relevante.

(...)

Para tanto, devemos propor uma maior flexibilidade procedimental, com redução da rigidez formal do processo administrativo. E é dentro dessa evolução histórica que se deve compreender a mudança operada pela Lei n. 14.210/2021 na Lei n. 9.784/99, que introduziu uma seção inteira (capítulo XI-A) para disciplinar a decisão administrativa coordenada.

(...)

As finalidades precípuas da decisão administrativa coordenada são aumentar a segurança jurídica nos processos administrativos (em consonância com o mandamento do art.30 da LINDB), e também incrementar a eficiência no exercício das competências administrativas (art.37 da Constituição da República; art.2º, caput, e art.49-A §5º, ambos da Lei n.9.784/99)".

No presente caso, o trabalho conjunto realizado entre a Agência Nacional de Telecomunicações - Anatel e a Agência Nacional de Energia Elétrica - Aneel para a elaboração da proposta normativa aqui tratada evidenciam a necessidade de se apreciá-la em seu mérito em deliberação igualmente conjunta.

Tal entendimento encontra respaldo no art. 35 da Lei nº 9.784/99, o qual determina que,quando necessária à instrução do processo, a audiência de outros órgãos ou entidades administrativas poderá ser realizada em reunião conjunta, com a participação de titulares ou representantes dos órgãos competentes, lavrando-se a respectiva ata, a ser juntada aos autos.”

A propósito, ressalta-se que a principiologia que regula a atuação da Administração Pública - notadamente o princípio constitucional da eficiência e os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e do interesse público a que se refere o art. 2º, caput, da Lei nº 9.784/99 – deixa claro que o racional que deve nortear a decisão coordenada é justamente a busca por resultados que o cidadão brasileiro, pagador de tributos, espera que ela lhe traga.

Aliás, o art. 2º, parágrafo único, incs. IX e XIII, da Lei nº 9.784/99 estabelece que a Administração Pública deve observar os critérios de “adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados” e de “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.”

Portanto, cabe enfatizar que, além de ser um instituto que se reveste de caráter principalmente democrático e deliberativo, a decisão administrativa coordenada confere maior eficiência e celeridade processual na tomada de decisão que envolva mais de uma instituição, como se evidencia no presente caso. É por essa razão que se faz merecedora a transcrição das pertinentes observações do professor Paulo Modesto, com grifos acrescidos9:

"A fragmentação organizatória, resultado de diferenciações cada vez mais complexas de interesses e tarefas assumidas pelo Estado contemporâneo, mudou radicalmente esse cenário. Entrou em evidência a necessidade de coordenar essa complexa estrutura administrativa, seja com a disciplina coerente do procedimento e do processo administrativo (inclusive o direito de participação e audiência do cidadão), seja com o estabelecimento de sistemas transversais de tratamento de informação e direção normativa (v.g. sistemas unificados de pessoal, gestão orçamentária, assessoramento jurídico, gestão patrimonial). Além disso, aos poucos, mudou a forma dos escalões superiores do Estado lidarem com os escalões inferiores ou subordinados. O ato administrativo de comando, a emissão de ordens unilaterais, hierárquicas ou de supervisão, foi sendo substituído pelo recurso frequente a acordos, compromissos, pactos, transações, adotados com a função de substituir ou preparar a edição dos atos unilaterais subsequentes

Trata-se de movimento mundialmente conhecido como "administração concertada", "administração consensual", "contratualização da administração pública", que somente no Brasil ainda causa perplexidade, talvez por nossa arraigada cultura autoritária, centralista e hierarquizante, fruto de uma história marcada por pequenos hiatos de vivência democrática".

Com essas considerações, propõe-se que sejam inauguradas as tratativas com a Presidência da Diretoria Colegiada da Aneel, a fim de que seja realizada reunião conjunta para a tomada de decisão quanto à proposta de regulamentação sobre compartilhamento da estrutura de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações, cujo teor encontra-se na agenda de deliberação deste Conselho Diretor da Anatel e da Diretoria Colegiada da Aneel. 

Por fim, é importante que tais ajustes prevejam a participação das Procuradorias Federais Especializadas e das Ouvidorias de ambas as instituições na reunião, conforme práxis já inseridas em suas respectivas atividades. 

Coloco meu gabinete à disposição para esclarecimentos e demais informações que julgar necessárias.

Sem mais para o momento, deixo meus sinceros protestos de consideração e estima.

Respeitosamente,

 

ALEXANDRE FREIRE

Conselheiro Diretor da Anatel

 

___________________________________________________________________

[1] Previamente à Lei nº 14.210/2021, podem ser citadas algumas experiências promovidas por alguns Estados da Federação, tais como Minas Gerais (conforme art. 5º, § 2º, da Lei Delegada 180/2011, e regulamentação pelo Decreto nº 45.757, de 07/10/2011 – atualmente revogados) e Bahia (Lei nº 12.209/2011 – art, 28).

[2] VERMEULE, Adrian. Law’s Abnegation: From Law’s Empire to the Administrative State. Harvard University Press. 2016

[3] Destacado que tal país já tivera por experiências prévias isoladas no setor no setor elétrico, no setor urbanístico, dentre outros.

[4] PIRES, Maria Coeli Simões; COSTA, Mila Batista Leite Corrêa da; CORDEIRO, Caio Barros; CARDOSO, José Luiz Ferreira. Conferência de serviços: reflexões e perspectivas para a construção de um novo instrumento de governança democrática. In: CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO PÚBLICA, 5., jun. 2012, Brasília. Anais eletrônicos. Brasília: 2012. p. 7. Disponível em: <http://consad.org.br/v-congresso-consad-trabalhos-apresentados/>. Acesso em: 06 fev. 2023.

[5] PIRES, Maria Coeli Simões; COSTA, Mila Batista Leite Corrêa da; CORDEIRO, Caio Barros; CARDOSO, José Luiz Ferreira. Conferência de serviços: reflexões e perspectivas para a construção de um novo instrumento de governança democrática. In: CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO PÚBLICA, 5., jun. 2012, Brasília. Anais eletrônicos. Brasília: 2012. p. 8-10. Disponível em: <http://consad.org.br/v-congresso-consad-trabalhos-apresentados/>. Acesso em: 06 fev. 2023.

[6] MOREIRA, Egon Bockmann; CRUZ, Elisa Schmidlin. “Decisão coordenada” (Lei nº 14.210/2021): orquestrando soluções administrativas que criam valor. In: MOREIRA, Egon Bockmann; GARCIA, Flávio Amaral; CUÉLLAR, Leila; CRUZ, Elisa Schmidlin (orgs.).Direito Administrativo e alternative dispute resolution: arbitragem, dispute board, mediação e negociação. 2.ed. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p.72.

[7] MOREIRA, Egon Bockmann. O processo administrativo no Direito brasileiro – Princípios constitucionais e a Lei nº 9.784/1999. Belo Horizonte: Fórum, 2022, p. 190.

[8] CABRAL. Antonio do Passo. Comitologia Decisional no Processo Administrativo: novos arranjos de competências administrativas entre coordenação e divisão de atribuições. In: CABRAL. Antonio do Passo; MENDONÇA, José Vicente Santos de (coord.). Decisão Administrativa Coordenada: reflexões sobre o art. 49-A e seguintes da Lei n. 9.784/99. São Paulo: Editora Juspodium, 2022, p. 47-82.

[9] MODESTO, Paulo. Autovinculação da Administração Pública. Revista Brasileira de Direito Público - RBDP, Belo Horizonte, ano 8, n. 29, abr./jun. 2010. Disponível em:<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=67633>. Acesso em: 24 setembro 2010.

 

  


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Documento assinado eletronicamente por Alexandre Reis Siqueira Freire, Conselheiro, em 26/09/2023, às 14:14, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


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