Boletim de Serviço Eletrônico em 08/06/2016
Timbre

Análise nº 40/2016/SEI/OR

Processo nº 53500.008501/2016-35

Interessado: Superintendência de Relações com Consumidores

CONSELHEIRO

OTAVIO LUIZ RODRIGUES JUNIOR

ASSUNTO

Medida cautelar quanto à prática de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia de banda larga fixa ofertada por prestadoras do Serviço de Comunicação Multimídia – SCM.

EMENTA

MEDIDA CAUTELAR. DETERMINAÇÃO DA SRC. PRÁTICAS DE REDUÇÃO DE VELOCIDADE, SUSPENSÃO DE SERVIÇO OU DE COBRANÇA DE TRÁFEGO EXCEDENTE APÓS O ESGOTAMENTO DA FRANQUIA DE BANDA LARGA FIXA. AVOCAÇÃO PELO CONSELHO DIRETOR. PARTICIPAÇÃO DE SETORES DA SOCIEDADE CIVIL NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO DA NORMATIVIDADE REGULATÓRIA​. NECESSIDADE DE ELABORAÇÃO DE ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO. CRIAÇÃO DE GRUPO DE TRABALHO.

Medida cautelar relativa à prática de redução de velocidade de transmissão de dados, suspensão de serviço e cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia de banda larga fixa ofertada por prestadoras do Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, bem como em relação ao cumprimento das condições fixadas no Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016.

Processo avocado por este Conselho Diretor por meio do Acórdão nº 151/2016, de 22 de abril de 2016, que determinou proibição da adoção de práticas de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia, ainda que tais ações encontrem previsão em contrato de adesão ou em plano de serviço, por prazo indeterminado, até ulterior decisão deste Colegiado.

Análise das manifestações encaminhadas à Anatel sobre o tema.

Estabelecimento do prazo de 60 (sessenta) dias para o recebimento de contribuições da sociedade civil sobre os possíveis efeitos de ações regulatórias relativas ao tema.

Solicitação de contribuições de entes, órgãos, plexos e especialistas vinculados ao meio acadêmico.

Encaminhamento dos autos para a área técnica, a fim de produzir se Análise de Impacto Regulatório - AIR.

Realização de reuniões públicas em data a ser designada por este Relator.

Constituição de grupo de trabalho para a sintetizar as contribuições da sociedade civil e examiná-las à luz dos resultados da AIR.

REFERÊNCIAS

Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor - CDC;

Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, Lei Geral de Telecomunicações - LGT;

Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal - LPA;

Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil - Marco Civil da Internet;

Regimento Interno da Anatel - RIA, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013;

Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia - RSCM, aprovado pela Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013;

Regulamento Geral de Direitos dos Consumidores de Serviços de Telecomunicações - RGC, aprovado pela Resolução nº 632, de 7 de março de 2014;

Portaria nº 1.455, de 8 de abril de 2016, do Ministro das Comunicações;

Informe nº 3/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016 (SEI nº 0414184);

Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016, publicado no D.O.U em 18 de abril de 2016 (SEI nº 0414329).

Matéria para Apreciação do Conselho Diretor nº 94/2016, de 22 de abril de 2016 (0434271);

Ata de Circuito Deliberativo do Conselho Diretor nº 22/2016, de 22 de abril de 2016 (0434441);

Acórdão nº 151, de 22 de abril de 2016 (0434444).

RELATÓRIO

Cuida-se de medida cautelar relativa à prática de redução de velocidade de transmissão de dados, suspensão de serviço e cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia de banda larga fixa ofertada por prestadoras do Serviço de Comunicação Multimídia – SCM, bem como em relação ao cumprimento das condições fixadas no Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016, publicado no D.O.U em 18 de abril de 2016, (0414329) e às manifestações encaminhadas à Anatel sobre o tema, em razão da decisão contida no Acórdão n º 151, de 22 de abril de 2016, que avocou o processo nº 53500.008501/2016-35, nos termos dos arts. 133, incisos V e XXXIII, e 134, IX, do Regimento Interno da Anatel, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013.

Do Acórdão nº 151/2016, de 22 de abril de 2016

O presente processo iniciou-se com o Informe nº 3/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016, por meio do qual a área técnica propôs à Superintendência de Relações com Consumidores - SRC a expedição de decisão cautelar para determinar que as prestadoras do SCM, com mais de 50 mil acessos em serviço, contados ao final de fevereiro de 2016, não adotassem, no âmbito dos seus contratos de adesão, práticas como: a) redução de velocidade; b) suspensão de serviço; c) cobrança de tráfego excedente, após o esgotamento da franquia de banda larga, ainda que tais possibilidades fossem previstas em contrato ou plano de serviço, até o cumprimento de determinadas condições. Ressalta-se que o citado Informe restou elaborado em razão da evidente repercussão social gerada pelo anúncio da imposição de restrições ao uso de banda larga fixa após o consumo da franquia contratada.

Acatando-se referida sugestão, a SRC exarou o Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016, publicado no Diário Oficial da União - D.O.U em 18 de abril de 2016, com o seguinte conteúdo:

"Art. 1º DETERMINAR, cautelarmente, que as empresas Algar Telecom S.A. (CNPJ nº 71.208.516/0001-74), Brasil Telecomunicações S.A. (CNPJ nº 01.236.881/0001-07), Cabo Serviços de Telecomunicações Ltda (CNPJ nº 02.952.192/0001-61), Claro S.A. (CNPJ nº 40.432.544/0001-47), Global Village Telecom Ltda (CNPJ nº 03.420.926/0001-24), OI Móvel S.A. (CNPJ nº 05.423.963/0001-11), Sky Serviços de Banda Larga Ltda (CNPJ nº 497.373/0001-10), Telefônica Brasil S.A. (02.558.157/0001-62), Telemar Norte Leste S.A. (CNPJ nº 33.000.118/0001-79), TIM Celular S.A. ( CNPJ nº 04.206.050/0001-80), Sercomtel S.A Telecomunicações (CNPJ nº 01.371.416/0001-89), OI S.A. (CNPJ nº 76.535.764/0001-43 se abstenham de adotar, no âmbito das ofertas comerciais do Serviço de Comunicação Multimídia – SCM (banda larga fixa), práticas de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia, ainda que tais ações encontrem previsão em contrato de adesão ou em plano de serviço, até o cumprimento cumulativo das seguintes condições:

I – comprovar, perante a Agência, a colocação ao dispor dos consumidores, de forma efetiva e adequada, de ferramentas que, nos termos dos arts. 22, V, VIII e IX, 44, 62 e 80, do RGC, permitam, de modo funcional e adequado ao nível de vulnerabilidade técnica e econômica dos usuários:

a) o acompanhamento do consumo do serviço;

b) a identificação do perfil de consumo;

c) a obtenção do histórico detalhado de sua utilização;

d) a notificação quanto à proximidade do esgotamento da franquia; e

e) a possibilidade de se comparar preços.

II - informar ao consumidor, por meio de documento de cobrança e outro meio eletrônico de comunicação, sobre a existência e a disponibilidade das ferramentas referidas no inciso I;

III - explicitar, em sua oferta e nos meios de propaganda e de publicidade, a existência e o volume de eventual franquia nos mesmos termos e com mesmo destaque dado aos demais elementos essenciais da oferta, como a velocidade de conexão e o preço;

IV - emitir instruções a seus empregados e agentes credenciados envolvidos no atendimento em lojas físicas e demais canais de atendimento para que os consumidores sejam previamente informados sobre esses termos e condições antes de contratar ou aditar contratos de prestação de Serviço de Comunicação Multimídia, ainda que contratados conjuntamente com outros serviços.

Parágrafo único. As práticas referidas no caput somente poderão ser adotadas após 90 (noventa) dias da publicação de ato da Superintendência que reconheça o cumprimento das condições fixadas no presente artigo.

Art. 2º. FIXAR multa diária de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) por descumprimento da presente determinação, até o limite de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais)."

As empresas alcançadas pela determinação contida no referido Despacho Decisório foram notificadas de seu teor por meio dos Ofícios nºs 11 ao 20 (042310704231700423216042324804232740423291042333304233770423391 e 0423412), todos de 18 de abril de 2016, constantes dos autos em análise. 

Em seguida, expediu-se a Matéria para Apreciação do Conselho Diretor nº 94/2016, de 22 de abril de 2016, propondo-se a este Conselho Diretor a avocação do presente processo para permitir a análise, diretamente, de todas as manifestações a respeito do tema, assim como a deliberação sobre o cumprimento pelas prestadoras das condições fixadas no Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, sob a justificativa de sua grande repercussão social.

A matéria foi analisada pelo Conselho Diretor em circuito deliberativo, conforme solicitação de abertura presente nos autos (0434322), e seu resultado consta da Ata nº 22/2016, de 22 de abril de 2016, a qual foi materializada no Acórdão nº 151/2016, de 22 de abril de 2016, deliberando-se:

 

"a) avocar o Processo nº 53500.008501/2016-35, nos termos dos arts. 133, incisos V e XXXIII, e 134, IX, do Regimento Interno da Anatel, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013, de modo a permitir ao Conselho Diretor analisar diretamente todas as manifestações a respeito do tema, bem como deliberar sobre o cumprimento pelas prestadoras das condições fixadas no Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC (SEI nº 0414329);

b) como consequência da presente avocação, as prestadoras abrangidas pelo referido Despacho Decisório ficam impedidas de adotar práticas de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia, ainda que tais ações encontrem previsão em contrato de adesão ou em plano de serviço, por prazo indeterminado, até ulterior decisão do Colegiado;

c) determinar à Secretaria do Conselho Diretor que realize o sorteio do processo, nos termos do art. 137, X, do Regimento Interno da Anatel; e,

d) intimar, com urgência, as prestadoras do conteúdo da presente deliberação".

 

Em razão da referida decisão e do Despacho Ordinatório SCD (0434458), as empresas foram notificadas por meio dos Ofícios nºs 61 a 70 (043474604348230434827043483104348680434880043489004349080434920 e 0434929). Destaca-se que os Avisos de Recebimento - AR referentes a tais Ofícios encontram-se acostados aos autos, exceto em relação ao Ofício nº 69 (0434920), encaminhado à Tim S.A.

O presente processo foi distribuído a este Gabinete para apreciação em consequência do sorteio eletrônico realizado em 25 de abril de 2016, conforme Certidão (0435442) constante dos autos.

 

Das manifestações anexadas ao processo

De entre os objetivos da avocação do processo, encontrava-se a viabilização da análise pelo Conselho Diretor das diversas manifestações a respeito da franquia de banda larga fixa (alínea "a" do Acórdão nº 151/2016, de 22 de abril de 2016). Tais documentos foram juntados aos autos, ao estilo da seguinte enumeração:  

a) Do Requerimento do CDUST (SEI nº 53500.011451/2016-73)

Em 29 de abril de 2016, o Comitê de Defesa dos Usuários dos Serviços de Telecomunicações - CDUST realizou reunião cuja pauta foi o Despacho nº 01/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016, e o Acórdão nº 151, de 22 de abril de 2016. Nessa ocasião, o Presidente do CDUST, Conselheiro Aníbal Diniz, designou como relator da matéria o Dr. Rafael Zanatta, pesquisador do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC, e, ao final, o Grupo assim formulou seu posicionamento dirigido a este Conselho Diretor:

"a) Uma resposta da Anatel que esteja em sintonia com os direitos dos cidadãos e aos princípios do uso da internet no Brasil;

b) A reanálise dos dispositivos que preveem a comercialização de planos de serviço com base em franquias de volumes de dados no Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia (Resolução nº 614 de 2013).

c) Que tal reanálise leve em conta as discussões atuais sobre o tema, o impacto dos modelos de cobrança sobre a sociedade e que incorpore os preceitos do Código de Defesa do Consumidor e do Marco Civil da Internet, entre outros. E, ademais, que tal reanálise não prescinda de Análise de Impacto Regulatório

d) Nos termos da Portaria Anatel n° 927/2015, seja considerado no processo o fortalecimento da participação social e a observação da perspectiva do usuário nas decisões da Anatel.

e) Que sejam chamados na etapa de tomada de subsídios o Comitê Gestor da Internet, os centros de pesquisa sobre internet nas universidades brasileiras e as organizações de defesa dos consumidores, como Procons e ONGs.

f) As práticas de redução de velocidade devem ser proibidas, assim como a suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia no Serviço de Comunicação Multimídia (Resolução nº 614 de 2013), até o término do processo de Análise de Impacto Regulatório dessa medida nos moldes da Portaria Anatel n° 927/2015". (Grifou-se)

b) Do Ofício do Ministério das Comunicações (SEI nº 53500.008608/2016-83)

Por meio do Ofício nº 12638/2016/SEI-MC, de 14 de abril de 2016, o então Ministro de Estado das Comunicações deu ciência à Anatel das seguintes considerações:

 

"2. Nesse contexto, temos acompanhado com preocupação as notícias de que algumas grandes empresas pretendem instituir novas formas de cobrança pelos seus pacotes de dados, por meio do estabelecimento de franquias nas ofertas de banda larga fixa.

3. Assim, solicito que a Anatel adote medidas com vistas a evitar práticas abusivas e mitigar os potenciais efeitos nocivos de tal conduta sobre os consumidores brasileiros, assegurando que não haja alteração arbitrária dos contratos vigentes e que sejam plenamente respeitados os direitos dos usuários de banda larga fixa no País e a legislação setorial". (Destacou-se)

 

A correspondência do Ministério foi encaminhada à SRC, que elaborou o Informe nº 9 (SEI nº 0481947), cuja essência apreende-se deste excerto:

 

"3.9. Em linha com as premissas do CDC e do RGC, esta SRC adotou, por meio do Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, publicado no D.O.U de 18.04.2016, medida cautelar na qual determinou que as prestadoras do SCM com mais de 50 mil acessos em serviço se abstivessem, cautelarmente, de praticar redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia até decisão posterior da superintendência. Note-se que os textos integrais do Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, SEI nº 0414329, e do documento que o instruiu - Informe nº 3/2016/SEI/SRC, SEI nº 0414184 - encontram-se anexos ao presente. A documentação encontra-se autuada no processo 53500.008501/2016-35, que tramita de forma exclusivamente eletrônica, por meio do SEI.

3.10. A decisão cautelar foi implementada ante a notícia, amplamente divulgada, de que a prestadora Vivo passaria a adotar a cobrança por franquia (cf. itens 3.1 a 3.7 do Informe nº 3/2016/SEI/SRC).

3.11. Preponderou, na inclusão das demais prestadoras no escopo da cautelar, a percepção acerca do risco de que as empresas viessem a emular a atitude da operadora Vivo, quer por meio da aplicação prática de franquias já eventualmente previstas em contrato, quer por meio da criação de novas regras de cobrança (cf. os já mencionados itens 3.1 a 3.7 e, também, o item 3.17 do Informe nº 3/2016/SEI/SRC)

3.12. Ressalte-se que a decisão pela adoção de medida cautelar deu-se em razão da celeridade exigida no caso concreto, considerando-se o rito previsto para outros mecanismos de atuação regulatória. Tratava-se, como se argumentou nos oitavo e nono considerando do Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, bem como nos itens 3.18 a 3.21 do Informe nº 3/2016/SEI/SRC, do instrumento mais célere para prevenir possível violação aos direitos de informação ostensiva previstos no RGC.

3.13. Nesse sentido, no Informe nº 3/2016/SEI/SRC e no Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, o periculum in mora foi identificado no risco de prejuízo potencial a milhões de consumidores de banda larga fixa, os quais poderiam ser impactados pela mudança dos planos da Vivo e, também, pela perspectiva de que tal mudança viesse a ser seguida pelas demais operadoras. Somou-se a esta possibilidade a constatação de que a alteração da forma de cobrança do SCM poderia se tornar irreversível, sendo que eventual intervenção posterior teria pouco ou nenhum efeito, considerada a significativa quantidade de consumidores expostos à mudança (cf. já mencionados itens 3.18 a 3.21 e, de forma especial, item 3.20 do Informe nº 3/2016/SEI/SRC).

3.14. Para a adoção da medida cautelar, o requisito do fumus boni iuris foi considerado atendido ante a necessidade de resguardar as obrigações relativas à proteção do consumidor. Destacou-se, nos sexto e sétimo considerando daquela decisão, bem como no inc. I do art. 1º do Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, o feixe de regras do RGC relacionadas à informação prévia e ostensiva dos pontos fundamentais da prestação do serviço. Enfatizou-se, também, que, em uma relação de consumo, diante da alteração de uma prática historicamente consolidada, a hipossuficiência do consumidor transfere às prestadoras o ônus de demonstrar, perante o órgão regulador, que medidas protetivas foram plenamente adotadas (cf. itens 3.9 a 3.16 do Informe nº 3/2016/SEI/SRC)". (Grifou-se)

 

O referido informe foi encaminhado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Telecomunicações por meio do Ofício nº 105/2016/SEI/PR-ANATEL, de 25 de maio de 2016 (0515410). 

c) Da manifestação da Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça (SEI nº 53500.011052/2016-11)

A Secretaria Nacional do Consumidor - SENACON, por meio do Ofício nº 59/2016/CGEMM/DPDC/SENACON-MJ (0489258), de 11 de maio de 2016, apresentou as deliberações aprovadas na 3ª Reunião do Grupo de Trabalho Consumo e Telecomunicações do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - GT Telecom, coordenado por aquela Secretaria, quais sejam:

Em sua primeira deliberação, manifestou apoio aos encaminhamentos dados no âmbito do CDUST, alertando sobre "a necessidade de se incorporar ao debate sobre a franquia da internet fixa aspectos concorrenciais e de infraestrutura de rede, que precisam também ser objeto de conhecimento e amplo debate público". 

 Já em relação à segunda deliberação, informa que houve consenso no GT Telecom que "configuram práticas comerciais abusivas a oferta, a comercialização e a previsão contratual de imposição de franquia, bloqueio ou diminuição da velocidade na prestação de serviços para acesso à internet por banda larga lixa por parte das operadoras prestadoras de SCM até que se tenha deliberação final sobre o tema".

Ao final, a SENACON colocou-se ao dispor deste Conselho Diretor para a participação das discussão que forem realizadas sobre o tema no âmbito desta Agência.

d) Da manifestação do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (SEI nº 53500.008995/2016-58)

O eminente Conselho Federal da OAB encaminhou o Ofício nº 030/2016-AJU, de 19 de abril de 2016, requerendo "alteração imediata na Resolução nº 614/2013 - Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia especialmente seu art. 63, inciso III, por contrariar a legislação em vigor em relação aos contratos em curso". Fundamenta sua solicitação com base no art. 7º da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, destacando que esta é "expressa ao assegurar aos consumidores diversos direitos, dentre eles a impossibilidade de suspensão ou cancelamento do serviço, salvo por inadimplemento (inciso IV)".

Veja-se a manifestação da OAB, em seu tópico essencial:

"Embora a citada Resolução tenha sido editada em 2013 não houve, no ponto, conformação de seus termos à novel legislação do Marco Civil, razão pela qual as prestadoras não podem, unilateralmente, alterar os contratos em curso de modo a restringir, suspender ou cancelar o serviço na hipótese da utilização ultrapassar o pacote de dados contratado.

Na prática, os normativos dessa r. Agência em vigor autorizam modelo de prestação de serviços em contrariedade à lei, notadamente no que toca à limitação da franquia de consumo (art. 63, III, Res. n. 614/2013), enquanto que o Marco Civil da Internet só admite a restrição, suspensão ou cancelamento na hipótese de inadimplência.

Referido normativo não se sobrepõe à lei, tampouco se admite que esteja em confronto com o microssistema de defesa do consumidor (Lei Federal nº 8.078/90), pelo que as condições impostas por essa r. Agência acabam por chancelar medidas vedadas pela lei e impossibilitar o acesso à internet, tido como serviço essencial ao exercício da cidadania.

A deliberação dessa Agência em Medida Cautelar publicada no DOU, nº 73, de 18/04, revela-se insuficiente ao tentar coibir medidas abusivas realizadas pelas prestadoras, tais como redução de velocidade, suspensão de serviço ou cobrança adicional de tráfego excedente ao limite de dados estabelecido na franquia, quando, em verdade, reafirma a previsão constante na Resolução e contrária à Lei Federai n. 12.965/2014" (Grifou-se)

Em resposta à OAB, foi encaminhado o Informe nº 8/2016/SEI/SRC (0481923) por meio do Ofício nº 6/2016/SEI/SRC-ANATEL (0490664), no qual se prestaram os esclarecimentos sobre a medida tomada cautelarmente pela Agência e informou-se a respeito da deliberação ocorrida no âmbito do CDUST em relação à proposta de reanálise dos dispositivos do Regulamento do SCM.

e) Da manifestação da Hughes Telecomunicações do Brasil Ltda (SEI nº 53504.005588/2016-59)

Encontra-se anexa ao presente processo, ainda, a manifestação da Hughes Telecomunicações do Brasil, encaminhada por meio da correspondência HTBR/DJUR-REG-065/2016 (0496909), de 16 de maio de 2016, da qual se destacam os seguintes pontos:

"A Hughes tem acompanhado de perto o debate sobre as franquias de dados nos serviços fixos de acesso à internet e gostaríamos de demonstrar nosso apoio a essa Agencia nesta discussão de suma importância para o nosso país.

A Hughes tem posição favorável ao uso de franquias para qualquer tipo de serviço banda larga. Vemos isso como condição importante para que o serviço de banda larga tenha condições de ser prestado de forma econômica e justa para o assinante.

Entretanto, este não é o motivo desta correspondência. O objetivo aqui é mostrar que, no caso de serviços de banda larga sem fio, prestados através do uso de espectro de rádio frequência, o uso de franquia é fundamental para a própria existência destes serviços.

(...)

Não obstante as questões jurídicas que viabilizam a existência de franquias em qualquer modalidade de prestação de serviços de banda larga, quer seja fixa, quanto móvel, um fator crítico neste debate e que está sendo menosprezado é a questão do uso de espectro de rádio frequência na oferta de banda larga.

(...)

Sobre a questão do uso justo do espectro, nas soluções de banda larga oue utilizam sistema de RF, os assinantes literalmente disputam cada unidade de espectro disponível. Desta forma, um assinante que utiliza mais do que o previsto para o plano que contratou literalmente está "invadindo" o espaço de outro assinante. Trata-se de um jogo de soma zero, onde o benefício de um necessariamente implica num prejuízo para outro assinante.

Deste fato vem a importância do estabelecimento de franquias em serviços de banda larga que usam espectro (...)".

Assim, ao final, solicita que sejam levadas em consideração, nas futuras definições sobre o tema franquias de dados, as particularidades dos serviços de banda larga que usam espectro e os serviços via satélite baseados em bada ka.

É o relato.

FUNDAMENTAÇÃO

DA ANÁLISE

No Acórdão nº 151/2016, de 22 de abril de 2016, conforme relatado no item 4.6 acima, deliberou-se, em resumo, que ficaria a cargo do Conselho Diretor:

 

analisar diretamente todas as manifestações a respeito do tema;

deliberar sobre o cumprimento pelas prestadoras das condições fixadas no Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC;

decidir sobre o impedimento, por prazo indeterminado, de as prestadoras adotarem práticas de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia.

 

Antes de iniciar a análise propriamente dita, tem-se por necessário salientar que o uso da internet no Brasil e a sua relevância para os cidadãos vem ganhando destaque nos últimos anos, tornando-se essencial na vida das pessoas. Nesse sentido, publicou-se a Lei nº 12.965, de 12 de abril de 2014, tratada como o Marco Civil da Internet, que estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Dentre seus artigos, destaca-se o caput do art. 7º da referida norma, que trata dos direitos e garantias dos usuários:

 

"Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos (...)". (Grifou-se)

 

Nota-se, portanto, que a essencialidade do acesso à Internet para os cidadãos e para o desenvolvimento do País tem sido reconhecida pela prática legislativa e em atos emanados do Poder Executivo, a exemplo do disposto no art. 1º da recente Portaria nº 1.455, de 8 de abril de 2016, do extinto Ministério das Comunicações. Veja-se:

 

"Art. 1º O acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania e o Poder Público deve atuar de modo a promover o acesso de todos aos serviços de banda larga, com custos acessíveis e em níveis de qualidade compatíveis com as expectativas dos usuários". (Grifou-se)

 

Dito isto, quanto à franquia de banda larga fixa, tema desta análise, ressalta-se o disposto no art. 63 da Resolução nº 614, de 28 de maio de 2013, que aprovou o Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia - RSCM:

 

"Art. 63. O Plano de Serviço deve conter, no mínimo, as seguintes características:

I - velocidade máxima , tanto de download quanto de upload, disponível no endereço contratado, para os fluxos de comunicação originado e terminado no terminal do Assinante, respeitados os critérios estabelecidos em regulamentação específica;

II - valor da mensalidade e critérios de cobrança; e,

III - franquia de consumo, quando aplicável.

§ 1º O Plano de Serviço que contemplar franquia de consumo deve assegurar ao Assinante, após o consumo integral da franquia contratada, a continuidade da prestação do serviço, mediante:

I - pagamento adicional pelo consumo excedente, mantidas as demais condições de prestação do serviço; ou,

II - redução da velocidade contratada, sem cobrança adicional pelo consumo excedente".

 

É de ser mencionado, ainda, o disposto na Resolução nº 632, de 7 de março de 2014, que aprova o Regulamento Geral de Direitos dos Consumidores de Serviços de Telecomunicações - RGC sobre o tema:

 

"Art. 22. No espaço reservado, o Consumidor deve ter acesso, no mínimo:

(...)

V - ao relatório detalhado dos serviços prestados dos últimos 6 (seis) meses;

(...)

VIII - a recurso que lhe possibilite o acompanhamento adequado do uso do serviço contratado, durante sua fruição;

IX - ao perfil de consumo dos últimos 3 (três) meses;

(...)

Art. 44. A prestadora que não se enquadre como Prestadora de Pequeno Porte deve disponibilizar, na sua página na internet, mecanismo de comparação de Planos de Serviço e ofertas promocionais que permita aos interessados identificar a opção mais adequada ao seu perfil de consumo.

(...)

Art. 62. A Prestadora deve fornecer relatório detalhado dos serviços e facilidades prestados, em ordem cronológica, a todos os seus Consumidores, em espaço reservado em sua página na internet e, mediante solicitação, por meio impresso, incluindo, quando aplicável, no mínimo, as seguintes informações:

(...)

VII - o volume diário de dados trafegados;

VIII - os limites estabelecidos por franquias e os excedidos;

(...)

Art. 80. O Consumidor deve ser comunicado quando seu consumo se aproximar da franquia contratada.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às Prestadoras de Pequeno Porte".

 

Ao estilo da literalidade dos regulamentos em vigor da Agência, em princípio, existe previsão para que as empresas prestadoras do SCM (banda larga fixa) estabelecessem cláusula de franquia em seus contratos. Ressalta-se, contudo, conforme bem informou a área técnica no Informe nº 3/2016/SEI/SRC, de 15 de abril de 2016, que "a previsão de franquia somente é admitida se prévia e expressamente informada ao usuário do serviçoAlém disso, a adoção do modelo está condicionada à oferta, pela prestadora, de alternativas para que o consumidor siga utilizando o serviço após o consumo total da franquia, seja por meio de redução da velocidade, seja por meio de pagamento adicional pelo consumo excedente". É oportuno transcrever, ainda, o seguinte trecho do informe:

 

"Deve-se ter em mente, ainda, que, embora limitações com base no volume de dados trafegados sejam admitidas pela regulamentação vigente, conforme dispõe o art. 63 do RSCM, é fato notório que se consolidou, no setor regulado, o costume de não se aplicar, na prática, o limite de dados, ainda que eventualmente previsto em contrato de adesão, moldando assim os próprios hábitos de fruição do serviço pelo consumidor.

De acordo com as práticas atuais do mercado de banda larga fixa, a grande maioria dos consumidores, pelo simples fato de nunca ter sofrido qualquer tipo de restrição à fruição do serviço de banda larga fixa após ter extrapolado a franquia contratada, tende a não estar familiarizada com a mensuração de consumo baseada em volume de dados trafegados ou habituada a fazer uso de ferramentas de acompanhamento e volumetria".

 

Além dessa observação e em que pese à previsão regulamentar, é notório que o estabelecimento de franquia e sua utilização consolidou-se no mercado do serviço móvel pessoal - SMP, no qual o serviço de banda larga móvel é comercializado pelo volume de dados e quantidade de minutos. Idêntica assertiva não é adequada quanto à comercialização da banda larga fixa, comercializada, costumeiramente, pela velocidade de conexão. Dito de outro modo, enquanto na banda larga móvel o consumidor se acostumou a adquirir seus planos de serviço pelo volume de dados, na banda larga fixa, o que tem prevalecido é a velocidade a ser contratada. Tal prática é corroborada, inclusive, pelas próprias empresas quando da oferta de seus planos de serviços. Exemplifica-se:

 

Anúncio da Banda Larga Fixa no sítio eletrônico da NET: http://www.netcombo.com.br/internet-2

Anúncio da Banda Larga Móvel no sítio eletrônico da Claro: http://www.claro.com.br/simulador-planos/simular/#pos

 

Feita esta introdução quanto às normas regulatórias conexas à presente análise e a forma de como se consolidou a comercialização da banda larga fixa no Brasil, é de se enaltecer que, posteriormente à vigência Regulamento Geral de Direitos dos Consumidores de Serviços de Telecomunicações – RGC e do Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia – RSCM, passou a vigorar no país o Marco Civil da Internet, o que, para alguns setores da doutrina nacional, teria instituído um direito de acesso à internet, com características, suporte fático e natureza jurídica bastante complexos.

Essa sucessão de normas permitiu a formação de duas correntes, ainda que não consolidadas, na interpretação de seus efeitos sobre as práticas comerciais e os direitos dos consumidores. De um lado, há quem defenda, louvado em interpretação histórica, a partir do exame dos trabalhos de elaboração legislativa do Marco Civil da Internet, que se integra no suporte fático do direito de acesso estabelecido no art. 7º da Lei nº 12.965/2014, a limitação a seu exercício (franquia ou exigência de valores excedentes), bem como inexistir um caráter de fundamentalidade (na concepção constitucional do termo) a tal direito. Em sentido oposto, há quem identifique no mesmo art.7º do Marco Civil da Internet a configuração de um suporte fático amplo ao mencionado direito, insusceptível de restrição ou de limitação por empresas ou mesmo por atos normativos emanados do poder regulador. Existem mesmo os que entendem ser o direito de acesso à internet um direito fundamental, dada a integração desse novo serviço ao patrimônio mínimo dos indivíduos.

Trata-se de um riquíssimo debate jurídico, mas, em razão do sistema constitucional de regulação dos serviços de telecomunicações, cabe à Anatel a tríplice missão de decidir conflitos, exercer a atividade nomogenética e sancionar condutas que infrinjam suas regras. O constituinte derivado, como já tive a oportunidade de salientar em artigo acadêmico, operou um processo de deslegalização material de amplas esfera de normatividade no setor de telecomunicações e atribuiu à Anatel o poder regulatório em sentido amplo, capaz de enfeixar essas três atuações.

Por diversas razões, algumas de caráter histórico, outras ligadas ao processo de transformação jurídica, política e social de uma instituição de Direito do Estado, como é uma agência reguladora, a atividade da Anatel sofreu uma sensível erosão em termos de percepção social de sua eficácia e de sua legitimação social. Poder-se-ia simbolizar esse câmbio pelos célebres versos de Luís Vaz de Camões, em seus Sonetos:

 

"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança:

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades".

 

No entanto, os Sonetos não são suficientes para capturar essa mudança. Uma hipótese que talvez sirva para se compreender esse fenômeno está no fato de que a regulação é uma atividade jurídica – preponderantemente jurídica – mas que se louva em elementos técnicos de variegada ordem, ao estilo dos econômicos, os tecnológicos e os concorrenciais. Para além disso, mesmo na esfera estritamente jurídica, há de se permanentemente resolver conflitos de qualificação, como saber se incidem regras de Direito Administrativo Regulador, Direito Econômico, Direito Civil e Direito do Consumidor sobre uma dada relação jurídica. Esse carrefour gera um estado de perplexidade na população leiga e também na comunidade jurídica. Quanto a esta última, a dificuldade sofre com o acréscimo da dificuldade de se compatibilizar fundamentos metajurídicos (econômicos e tecnológicos) com a interpretação puramente normativa.

À pouca habilidade em comunicar ao povo tais complexidades ínsitas à atuação regulatória, soma-se uma percepção social generalizada, independentemente de classes sociais, quanto à qualidade dos serviços fruídos pelos usuários. Verdadeira ou não, agravada pelo fato de serem as telecomunicações mais presentes na vida do brasileiro do que o saneamento básico ou a saúde, tal percepção criou uma enorme dificuldade de se legitimar políticas regulatórias que, mesmo em nome de respeitáveis argumentos de sustentabilidade dos investimentos ou da natureza escassa dos recursos empregados, possam ser compreendidas como uma forma de restringir direitos. Em paralelo, o que demonstra a riqueza do debate sobre o tema, há os que admitem haver equidade na diferenciação de perfis de consumo e de fruição de serviços de telecomunicações, de modo a onerar que deles mais se utiliza e reduzir o custo para os que os fruem de maneira não intensiva.

A reação social à possibilidade de criação de restrições ao uso ilimitado da internet em banda larga fixa no Brasil é apenas um exemplo dessa situação. E não é um privilégio brasileiro, porquanto há debates semelhantes em diversos países do mundo, especialmente com o avanço do tráfego de dados sobre os serviços tradicionais sobre voz.

Como saldo positivo dessa polêmica, tem-se a ativa participação de setores da sociedade civil no processo de construção da normatividade regulatória, o que ultrapassou a já tradicional dicotomia empresas-entidades de defesa dos consumidores.

Os documentos juntados aos autos são a prova disso.

O requerimento do CDUST (SEI nº 53500.008608/2016-83), conforme relatado no item 4.11 desta análise, requereu expressamente que a Anateli) fizesse nova análise de seus regulamentos permissivos da comercialização de planos de serviço com base em franquias de volume de dados; ii) utilizasse-se do instrumento da Análise de Impacto Regulatório – AIR nessa revisão dos textos vigentes; iii) observasse o fortalecimento da participação social e a perspectiva do usuários; e iv) chamasse o Comitê Gestor da Internet (CGI.Br), os centros de pesquisa sobre internet, as universidades brasileiras e as organizações de defesa do consumidor.

No que se refere ao primeiro ponto, entende-se de suma importância resgatar o histórico das contribuições realizadas pela sociedade quando da das Consultas Públicas de nºs 45/2011 e 14/2013, referentes, respectivamente, ao RSCM e ao RGC

É notável que não tenha havido contribuição contrária ao artigo referente à franquia previsto no RSCM. Na espécie, apresentaram-se somente propostas de ajustes de redação. Do mesmo modo, o modelo de franquia para a banda larga fixa não foi apontado como prática abusiva no âmbito das contribuições recebidas na consulta referente ao RGC.

Em que pese a esta observação, é honesto intelectualmente registrar que, à época de tais consultas, a prática das empresas quanto à comercialização da banda larga fixa era focada em velocidade, tal como se faz ainda hoje. Não se cogitava de limitação ou de restrição de acesso por meio da aplicabilidade do modelo de franquia para a banda larga fixa.

Nesse ponto, reitera-se que o presente processo, conforme bem destacou a área técnica no Informe nº 3/2016/SEI/SRC, teve início em razão da "repercussão social da possibilidade de imposição de restrições ao uso após o consumo da franquia no SCM". De modo mais específico:

 

"(...) Diversas organizações da sociedade civil questionam a medida, ante a possível frustração de expectativas legítimas do consumidor, construídas a partir da divulgação de ofertas e de publicidade que podem ter contribuído para disseminar a percepção de um serviço que não possuiria limitações de volume de tráfego como as anunciadas.

3.7. Até a presente data, em sítio da Internet dedicado ao encaminhamento de petições públicas (Avaaz.org), o tema do bloqueio da conexão alcançou número vultoso de subscrições (1,2 milhão). Do mesmo modo, a página presente na rede social Facebook, intitulada Movimento Internet Sem Limites, já conta com 369 mil curtidas".

 

Torna-se evidente, portanto, em razão da situação fática e das práticas comerciais arraigadas, a necessidade de a Agência analisar o tema sob uma óptica mais ampla, inclusive debruçando-se sobre seus normativos vigentes. 

Tal medida deve ser realizada em consonância com o processo de regulamentação da Agência, cujo rito encontra-se descrito na Portaria Anatel nº 927, de 5 de novembro de 2015.

Nos termos do art. 2º dessa Portaria, o processo de regulamentação deve ser norteado, dentre outras diretrizes, pelo fortalecimento da participação social e pela observância à perspectiva do usuário nas decisões da Anatel.

Além disso, dentre as etapas contempladas no processo de regulamentação (art. 4º), destaca-se a elaboração da Análise de Impacto Regulatório - AIR, que, no caso concreto, teria como escopo a identificação e medição dos possíveis benefícios, custos e efeitos de ações regulatórias relativas à franquia de banda larga fixa, de forma a subsidiar a futura tomada de decisão por este Conselho Diretor.

Ademais, sugere-se que a equipe do projeto seja coordenada pela Superintendência de Planejamento e Regulamentação – SPR, com a participação de membros da Superintendência de Relações com Consumidores – SRC e Superintendência de Competição – SCP, dado que o tema tem aspectos legais, concorrenciais e consumeristas que devem ser abordados.

Adicionalmente, há necessidade de se garantir a participação da sociedade nessa tarefa. Vale lembrar que a citada Portaria prevê a possibilidade de realização das seguintes atividades quando da condução de uma AIR:

 

"Art. 15.   Na condução da Análise de Impacto Regulatório podem ser realizadas as seguintes atividades, dentre outras:

I - coleta de dados e informações por meio da realização de Reuniões, Câmaras Técnicas, Grupos Focais, Tomada de Subsídio ou outros meios que a Equipe de Projeto considerar relevantes;

II - coleta de dados e informações das seguintes fontes, dentre outras:

a) Grupos Afetados pela eventual ação regulatória da Agência;

b) Órgãos da Anatel;

c) Órgãos externos, respeitadas as competências regimentais específicas; e,

d) Organismos internacionais;

III - discussão interna com unidades organizacionais que participam do processo de Análise de Impacto Regulatório;

IV - definição de critérios e condições para estabelecer, caso a caso, o nível de profundidade da Análise de Impacto Regulatório e as metodologias a serem utilizadas;

V - avaliação da necessidade de contratação de consultoria; e,

VI - definição de metodologia para Monitoramento do ato normativo a ser estabelecido". (Grifou-se)

 

Aplicando-se tal dispositivo ao presente caso, entende-se que, durante a elaboração da AIR, a equipe de projeto deve, dentre outras atividades, coletar dados e informações da sociedade civil, o que se constitui em uma forma de apreciação prévia da visão social sobre o tema.

A perspectiva de reavaliação das resoluções vigentes não implica compromisso com quaisquer das teses já descritas sobre a natureza do direito previsto no art. 7º do Marco Civil da Internet. É necessário sobretudo avaliar se os atuais documentos normativos são suficientes de per si para proteger os consumidores e, seja preservando o modelo de liberdade de criação de planos, seja determinando a obrigatoriedade de planos ilimitados, o que implicará, se assim se julgar oportuno, o aprimoramento das atuais regras.

E, nesse processo de construção regulatória, a Anatel possui a oportunidade única de experimentar uma forma inovadora de legitimação de seu discurso regulatório por meio da participação intensa e massiva da sociedade civil, para além dos mecanismos tradicionais de consulta e audiência públicas. É produtivo, oportuno e bom para a Agência oxigenar-se ainda mais com a legitimação pelo procedimento, como já definiu Niklas Luhmann.

Quanto à manifestação do então Ministério das Comunicações (Ofício nº 12638/2016/SEI-MC, de 14 de abril de 2016), esclarece-se que a medida cautelar avocada por este órgão Colegiado já constitui medida "com vistas a evitar práticas abusivas e mitigar os potenciais efeitos nocivos de tal conduta sobre os consumidores brasileiros, assegurando que não haja alteração arbitrária dos contratos vigentes e que sejam plenamente respeitados os direitos dos usuários de banda larga fixa no País e a legislação setorial". Ademais, vale lembrar que as informações sobre essa decisão da Anatel foram devidamente enviadas ao Ministério por meio do Ofício nº 105/2016/SEI/PR-ANATEL, de 25 de maio de 2016.

No que se refere ao posicionamento da SENACON, entende-se que, de fato, a Análise de Impacto Regulatório - AIR  sugerida pelo CDUST deve também contemplar os aspectos concorrenciais e de infraestrutura de rede relativos à prestação de banda larga fixa. Quanto aos demais aspectos, de ordem exclusivamente jurídica, sobre eles se poderá dizer mais adequadamente após a conclusão dos estudos que este voto proporá

No que diz respeito à manifestação do Conselho Federal da OAB (Ofício nº 030/2016-AJU, de 19 de abril de 2016 - 0426536), ela expressa o respeitável entendimento de que haveria uma contradição entre o inciso IV do art. 7º do Marco Civil da Internet e os dispositivos contidos no RSCM e no RGC, que possibilitam a comercialização de planos de serviços de internet com base em franquia de volume dados, citados nos itens 5.5 e 5.6 da presente análise.

O questionamento do venerável Conselho Federal da OAB soma-se ao debate jurídico já assinalado e deverá ser levado em conta nos estudos a serem desenvolvidos sobre a matéria. Note-se, ademais, que a participação da OAB no processo de construção da legitimidade regulatória desta Agência é algo por demais honroso e deve ser objeto de especial aproveitamento pelo Conselho Diretor.

No que diz respeito à correspondência Hughes Telecomunicações do Brasil Ltda., por fim, saliente-se que o tema relativo  ao uso do espectro de radiofrequência nas soluções de banda larga também deve ser examinado na AIR. Trata-se de uma cautela relevante, a fim de que sejam aferidos possíveis efeitos da eliminação de franquias na prestação do serviço, em especial a queda da qualidade percebida do usuário.

Quanto à necessidade de deliberar sobre o cumprimento pelas prestadoras das condições fixadas no Despacho Decisório nº 1/2016/SEI/SRC, entende-se que o Acórdão nº 151/2016 tem caráter geral de suspensão das condutas ali descritas, razão pela qual é desnecessário deliberar sobre o seu cumprimento nesta fase processual.

Ademais, quanto à  decisão  sobre o impedimento, por prazo indeterminado, de as prestadoras adotarem práticas de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia, propõe-se a manutenção do impedimento enquanto não se forem ultimadas as etapas aqui sugeridas e o julgamento final da matéria.

As peculiaridades do caso devem ser compreendidas como uma oportunidade de experimentação de novos métodos de relacionamento com a sociedade no exercício da atividade regulatória da Agência. E tal pode-se dar pelo emprego das técnicas de persuasão colaborativa, nas quais regulador e sociedade se apresentam reciprocamente como interlocutores abertos à diminuição de assimetrias cognitivas. Ou, em uma perspectiva já aceita no âmbito do Poder Judiciário, especificamente na interpretação constitucional, por intermédio da “doutrina da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição” (Lehre von der offenen Gesellschaft der Verfassungsinterpreten), paradigma teorético desenvolvido nos anos 1970 por Peter Häberle e divulgada no Brasil por Gilmar Mendes.

A doutrina da offenen Gesellschaft der Verfassungsinterpreten deita suas raízes na obra de Friedrich Schleiermacher e na antiga tradição luterana de abertura da atividade interpretativa aos não iniciados. No campo da jurisdição constitucional, isso resultou na incorporação dos “amigos da Corte” e das audiências públicas ao processo decisório do Supremo Tribunal Federal. O próprio modelo regulatório brasileiro favoreceu-se dessa doutrina, quando de sua concepção nos anos 1990, ao inserir algumas dessas figuras (consultas e audiências públicas).

No entanto, o presente processo, a partir do requerimento CDUST (SEI nº 53500.008608/2016-83), o Conselho Diretor pode inovar no processo de participação social  e implementá-lo em uma fase pré-decisória, com a presença de representantes ligados às pautas do setor, mas também a pessoas ou instituições que atuem como expertos ad hoc, contribuindo com seus saberes, suas experiências e suas compreensões do problema sob as ópticas jurídica, tecnológica e econômica.

De tal mercê que é de ser admitido o requerimento CDUST (SEI nº 53500.008608/2016-83) para o fim de que: a) se faça uso do “instrumento da Análise de Impacto Regulatório – AIR nessa revisão dos textos vigentes”; b) sejam observados “o fortalecimento da participação social e a perspectiva do usuários”; c) sejam convidados a participar desse processo centros de pesquisa sobre internet,  universidades e organizações de defesa dos consumidores. E, acrescenta este relator, a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público e outros agentes públicos que direta ou indiretamente possuem conexão com a matéria aqui deliberada.

CONCLUSÃO

Como proposta de encaminhamento, entende este relator que, em conformidade com o item 5.41 desta Análise, atendendo-se parcialmente ao requerimento do CDUST, seria oportuno adotar as seguintes providências:

Baixar o processo em diligência, remetendo-se os autos para a área técnica, a fim de produzir Análise de Impacto Regulatório, no prazo de 120 dias, cujo objeto compreenderá, de entre outros aspectos a serem detalhados em ato próprio deste relator: a) possíveis efeitos de ações regulatórias relativas à prática de redução de velocidade, suspensão de serviço ou de cobrança de tráfego excedente após o esgotamento da franquia de banda larga fixa ofertada por prestadoras do Serviço de Comunicação Multimídia – SCM; b) considerar, nessa AIR, especificamente o conteúdo normativo dos dispositivos do RSCM, do RGC e do Marco Civil da Internet aplicáveis à espécie, sob os aspectos jurídicos, econômicos, concorrenciais e tecnológicos;

Os ofícios descritos no item “a” referido, haverão de ser desenvolvidos na área técnica por meio de um grupo executivo formado por representantes da Superintendência de Planejamento e Regulamentação – SPR, que coordenará a AIR, com a participação de membros da Superintendência de Relações com Consumidores – SRC  e da Superintendência de Competição – SCP;

Em simultâneo, determinar a abertura de prazo de 60 (sessenta) dias para o recebimento de contribuições da sociedade civil sobre o tema objeto do item “a” referido, conforme detalhamento a ser feito por este Relator, ouvida a área técnica;

Considerando-se a aderência temática, o interesse social e a representatividade no setor, por meio de expediente formal expedido por este Relator, serão solicitadas as contribuições mencionadas no citado item “c” dos seguintes entes, órgãos, plexos e especialistas vinculados ao meio acadêmico: a) Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; b) o Ministério Público Federal, por meio de designação do Senhor Procurador-Geral da República; c) a Secretaria de Acompanhamento Econômico – SEAE; d) a Secretaria Nacional do Consumidor – SENACON; e) o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC; e) a Associação Brasileira de Defesa do Consumidor – Proteste;  f) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio de designação de seu Presidente; g) o Comitê Gestor da Internet - CGI.Br; h)  a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações – ABRINT; i) a Associação Brasileira de Internet – ABRANET; j) Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviços Móvel Celular e Pessoal – SINDITELEBRASIL e outras entidades que sejam relevantes para a regulação da matéria;

 O relator convidará, por meio de ato expressão, professores e especialistas em Direito, Economia e Ciências Exatas, a fim de que, no prazo do item “c”, ofereçam contribuições para a regulação da matéria;

Nos 30 (trinta) dias subsequentes ao encerramento do prazo indicado no item “c”,  realizar-se-ão reuniões públicas, com os representantes indicados nos itens “d” e “e”, em datas e locais a serem designados por este Relator, a fim de que esses documentos sejam apresentados sinteticamente e debatidos;

Concluída a etapa de contribuições prévias, realizados os debates e compilados os estudos deles decorrentes, o material será encaminhado ao grupo executivo, referido no item  “b”, a fim de que seja utilizado na elaboração do AIR. O grupo executivo deverá sintetizar as contribuições da sociedade civil e examiná-las quando da elaboração da AIR;

A todo tempo será possível dilatar os prazos referidos nos itens precedentes, de modo a que se possa assegurar a máxima participação social no processo de construção da AIR e que as contribuições da sociedade civil possam ser adequadamente examinadas pelo grupo executivo;

Após isso, os autos voltarão ao Conselho Diretor para, por meio de Análise a ser elaborada por este relator e submetida a matéria nos moldes do Regimento Interno da Agência;

Designar o Conselheiro Aníbal Diniz como coordenador adjunto das atividades referidas nos  itens “c” a “g”, funcionando em cooperação com o Relator ou em suas ausências ou impedimentos eventuais.


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Documento assinado eletronicamente por Otavio Luiz Rodrigues Junior, Conselheiro, em 08/06/2016, às 12:54, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 30, II, da Portaria nº 1.476/2014 da Anatel.


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Referência: Processo nº 53500.008501/2016-35 SEI nº 0555006