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Análise nº 40/2023/AF

Processo nº 53500.303019/2022-54

Interessado: WINITY II TELECOM LTDA., TELEFONICA BRASIL S.A., CLARO S.A.

CONSELHEIRO

ALEXANDRE FREIRE

ASSUNTO

Análise de pedido de ingresso, na condição de interessado, apresentado por Claro S.A.

EMENTA

DIREITO REGULATÓRIO. ANUÊNCIA PRÉVIA. CONTRATO DE EXPLORAÇÃO INDUSTRIAL DE RADIOFREQUÊNCIAS. PEDIDO DE INGRESSO DE TERCEIRO INTERESSADO. QUESTÃO INCIDENTAL. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. PETIÇÃO EXTEMPORÂNEA. SÚMULA Nº 21/2017. ausência DE INTERESSE JURÍDICO. ADMISSIBILIDADE e desprovimento. PRECEDENTES.

1. A formalização extemporânea de pedidos não impede o seu conhecimento, desde que observada a Súmula nº 21, de 10 de outubro de 2017, da Anatel.

2. O requerente tem o ônus de comprovar o seu interesse jurídico para ser admitido como terceiro, conforme dicção do art. 9º, inc. II, da LPA, o que não se reputa atendido nos autos.

3. Reflexões relacionadas aos impactos concorrenciais de aprovação de operações e alegações sobre a necessidade de participação em tratativas negociais não conduzidas pela Anatel são irrelevantes para a caracterização do interesse jurídico, nos termos do art. 9º, inc. II, da LPA. Precedentes da Anatel.

4. Pelo indeferimento do pedido de ingresso. Pelo recebimento do requerimento como manifestação apresentada no exercício do direito constitucional de petição.

REFERÊNCIAS

Constituição Federal;

Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997 - Lei Geral de Telecomunicações (LGT);

Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, Lei de Processo Administrativo Federal (LPA);

Regimento Interno da Anatel, aprovado pela Resolução nº 612, de 29 de abril de 2013, (RIA);

Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 - Código de Processo Civil (CPC);

BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações. Acórdão nº 299, de 23 de agosto de 2021, no Processo Administrativo n.º 53500.043708/2021-13. Relator: Conselheiro Vicente Bandeira de Aquino Neto. Brasília: 2021;

BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações. Acórdão nº 362, de 29 de outubro de 2021, no Processo Administrativo n.º 53500.024507/2021-17. Relator: Conselheiro Moisés Queiroz Moreira. Brasília: 2021a;

BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações. Acórdão nº 25, de 15 de fevereiro de 2022, no Processo Administrativo n.º 53500.056706/2021-94. Relator: Conselheiro Emmanoel Campelo de Souza Pereira. Brasília: 2022;

BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações. Acórdão nº 65, de 30 de março de 2023, no Processo Administrativo n.º 53500.303019/2022-54. Relator: Conselheiro Alexandre Freire. Brasília: 2023;

BRASIL. Agência Nacional de Telecomunicações. Acórdão nº 117, de 30 de março de 2023, no Processo Administrativo n.º 53500.303019/2022-54. Relator: Conselheiro Alexandre Freire. Brasília: 2023a.

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. Regulatory Impact Assessment, OECD Best Practice Principles for Regulatory Policy; e

Agenda 2030: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas.

RELATÓRIO

Trata-se de requerimento de ingresso, na condição de terceira interessada, apresentado por Claro S.A., em 04/05/2023 (SEI 10226506).

Narrou que:

a operação em avaliação nos autos afasta-se do escopo original do Edital do 5G, conforme manifestações prévias da PFE/Anatel e das superintendências envolvidas no exame do caso;

é parte interessada no feito, com amparo no art. 5º, inc. XXXIV, alín. “a”, da Constituição Federal, no art. 9º, inc. II, da Lei nº 9.784/99, e no art. 47, inc. II, do RIA;

diretamente, atua no mercado de serviço móvel pessoal, de telefonia fixa local e de longa distância, de serviço de comunicação multimídia, e de TV por assinatura, e, indiretamente, por meio de sua controladora e/ou de coligadas, em outros mercados regulados pela Anatel, como o de exploração de capacidade satelital;

o seu interesse exsurge da circunstância de ser concorrente direta das anuentes e de explorar atividades que deverão ser diretamente impactadas pela operação sobre a qual recai o pedido de anuência prévia;

está em condições de contribuir substancialmente com as negociações e discussões a serem travadas na análise do pedido de anuência;

a operação possui contornos não triviais do ponto de vista regulatório e concorrencial, demandando avaliação criteriosa por parte da Anatel e cautela quanto à construção de eventual autocomposição;

na sua percepção, a parceria entabulada entre as anuentes encontra óbice nas regras editalícias do Leilão 5G e que, por isso, sequer cogitara em desenvolver qualquer pactuação com objeto semelhante ao apresentado nos autos;

teria ela própria interesse em abrir diálogos com a Winity caso a operação se mostrasse viável do ponto de vista jurídico e concorrencial;

após firmar parceria com a Telefônica, a Winity não terá incentivos para expandir seu mercado a jusante, acrescentando que isso pode impactar os valores que ela poderá praticar no uso de sua rede e que "deve-se evitar que a Operação crie incentivos para que a Winity dificulte o acesso ou imponha preços abusivos não só para o acesso às radiofrequências adquiridas no Leilão do 5G, como também quando da prestação de serviços de telecomunicações no atacado"; e

considerando os potenciais impactos do arranjo entre as anuentes, tem interesse em participar das tratativas para um encerramento amigável do caso.

Requer lhe seja franqueado acesso à documentação não protegida por sigilo, participação nas interlocuções, com vistas à possibilidade de integrar eventual acordo, e a elucidação dos pontos a seguir:

i. Lista de cidades/localidades abrangidas pelos Contratos, identificadas por contrato;

ii. Com relação ao Contrato de EIR, a Winity também irá utilizar concomitantemente à Telefônica, o mesmo trecho da subfaixa, sendo a Winity em caráter primário e a Telefônica em caráter secundário? Ou a Telefônica irá explorar exclusivamente esse trecho da faixa?

iii. Com relação ao Contrato de EIR, caso haja outro interessado em utilizar esta faixa, também em caráter secundário, há o compromisso da Telefonica em coordenar um uso compartilhado?

iv. Com relação ao Contrato de EIR, haverá alteração do posicionamento da subfaixa (realinhamento) de 700MHz da Winity e/ou da Telefônica, de modo que elas se tornem continuas?

v. Com relação ao Contrato de Ran Sharing qual a modelagem técnica de Ran Sharing que se pretende estabelecer (MOCN, GWCN, etc)?

vi. Com relação ao Contrato de Ran Sharing, a Telefonica irá irradiar esta faixa apenas em nome da Winity ou poderá também fazer uso para seus clientes em toda a extensão da faixa adquirida pela Winity (10 + 10 MHz)? Ou em parte (5+5MHz)?

vii. Como será atendida a obrigação de roaming prevista no Edital do Leilão 5G, que recai sobre a Winity? O roaming será disponibilizado pela Winity ou pela Telefônica? Se for pela Winity, como isso se dará em termos técnicos/operacionais? A Winity deverá garantir interconexão com as demais prestadoras?

É o relatório.

ANÁLISE

O objeto da presente Análise cinge-se exclusivamente à apreciação de pedido de ingresso, como terceira interessada, apresentada por Claro S.A., doravante denominada Claro.

Essa fundamentação será desenvolvida em 3 (três) partes. Primeiramente, examina-se os requisitos para o recebimento da peça apresentada pela requerente. Em seguida,  analisa-se a conveniência do seu ingresso para participação nas negociações desenvolvidas pelas anuentes. Ao fim, reafirma- se a aderência da presente razão de decidir aos valores da OCDE e dos ODS da ONU.

 

I - Sobre a admissibilidade do pedido de ingresso de terceiro interessado realizado em petição extemporânea

 

O recebimento de petições intempestivas encontra respaldo positivo no entendimento consolidado da Anatel, cristalizado na sua Súmula nº 21, de 10 de outubro de 2017, a qual dispõe sobre o tratamento a ser conferido para os casos da espécie, nos seguintes termos:

Súmula nº 21, de 10 de outubro de 2017

"As petições extemporâneas, quando não caracterizado abuso do exercício do direito de petição, devem ser conhecidas e analisadas pelo Conselho Diretor desde que protocolizadas até a data de divulgação da pauta de Reunião na Biblioteca e na página da Agência na internet.

É facultado o exame dessas petições, no caso concreto, pelo Conselheiro ou pelo Conselho Diretor após o prazo estipulado e até o julgamento da matéria, sobretudo se a manifestação do interessado trouxer a lume a notícia de fato novo ou relevante que possa alterar o desfecho do processo.

Não há necessidade de desentranhamento de petições extemporâneas, ainda que não conhecidas por esse órgão colegiado" (destacou-se)

A requerente apresentou pedido de ingresso em 11/05/2023, após a submissão do processo ao Conselho Diretor da Anatel, o que se deu em 19/12/2022 (Certidão 9582083).

A princípio, isso implicaria a sua inadmissão por extemporaneidade.

No entanto, dado que o referido petitório foi formalizado enquanto ainda pendente inclusão dos autos em pauta deliberativa do CD-Anatel, cabível o conhecimento da postulação.

 

II - Exame do interesse jurídico da requerente

 

Na Análise nº 24/2023/AF (SEI 10002204), acolhida pelo Acórdão nº 65, de 30 de março de 2023 (SEI 10036032), da relatoria do Conselheiro Alexandre Freire, em que foram examinados os requerimentos de ingresso, na condição de terceiros interessados, apresentados pela Associação Brasileira de Infraestrutura para as Telecomunicações - Abrintel, por Unifique Telecomunicações S.A e por Brisanet Servicos de Telecomunicacoes S.A. levou-se em consideração as seguintes balizas para a caracterização do interesse jurídico:

6.9 Inicialmente, considera-se adequado estabelecer importantes premissas de trabalho, de modo a elucidar o sentido e o alcance do conceito jurídico de interessado para fins de incidência do art. 9º, inc. II, da Lei nº 9.784/99.

6.10 Confira-se a redação de tal disposição, que estabelece o rol de legitimados a atuarem no processo administrativo, seja na condição de titulares dos direitos e interesses sobre os quais recaem seu objeto (art. 9º, inc. I), seja na condição de terceiros não titulares desses direitos (art. 9º, inc. II), mas potencialmente afetados pelos efeitos do ato a ser proferido, seja na condição de substitutos processuais na defesa de interesses transindividuais (art. 9º, incs. III e IV):

Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999:

Art. 9º São legitimados como interessados no processo administrativo:

I - pessoas físicas ou jurídicas que o iniciem como titulares de direitos ou interesses individuais ou no exercício do direito de representação;

II - aqueles que, sem terem iniciado o processo, têm direitos ou interesses que possam ser afetados pela decisão a ser adotada;

III - as organizações e associações representativas, no tocante a direitos e interesses coletivos;
IV - as pessoas ou as associações legalmente constituídas quanto a direitos ou interesses difusos.

6.11 Nas linhas seguintes, será feito um paralelo com a figura do assistente processual a que se referem os arts. 119 e ss. do CPC, dado que tal diploma normativo possui aplicação supletiva e subsidiária para o tema em apreciação (art. 15 do CPC).

6.12 Nesse cenário, vislumbra-se que as disposições processuais podem oferecer um norte interpretativo importante e necessário para, conforme acima, uma melhor compreensão do sentido e alcance do art. 9º, inc. II, supratranscrito, disposição esta que se constitui em ponto fulcral na avaliação dos pleitos apresentados.

6.13 Assentadas essas premissas, destaca-se que o art. 119 do CPC admite o ingresso na lide, como terceiro interessado, àquele que demonstrar interesse jurídico na demanda.

6.14 Por sua vez, esse interesse jurídico não se firma em meras alegações de ordem econômica e/ou concorrencial, mas sim, na demonstração, pelo interessado, de que pode ser afetado, pelo desfecho da lide, em sua esfera jurídica de direitos e obrigações mantidas diretamente com uma das partes principais da relação processual (autor ou réu). Isto é, o interesse jurídico é caracterizado pela existência de um liame de conexão ou dependência direta entre o objeto da lide e a relação jurídica desenvolvida com terceiro alheio à relação processual.

6.15 Acrescenta-se que o CPC e a Lei nº 9.784/99 operam com terminologias jurídicas distintas. O primeiro faz uma diferenciação entre partes principais e terceiros, enquanto a última emprega o termo "interessado" indistintamente tanto para o titular do direito apreciado pela Administração Pública como para o terceiro não titular que possa ter interesse jurídico. Em tal situação, tangencia-se o termo "terceiro interessado" delineado pelo CPC.

6.16 De qualquer forma, colocando em suspenso essas distintas abordagens terminológicas, entende-se que o CPC e a Lei nº 9.784/99 dialogam entre si, oferecendo-se contributos interpretativos recíprocos.

6.17 Por essa ótica, nenhum dos pleitos ora analisados encontraria respaldo no art. 9º, inc. II, da Lei nº 9.784/99, eis que é cediço que o procedimento administrativo se desenvolve numa relação bilateral. Essa relação é composta pela Administração Pública (que exerce papel decisório por meio de seus órgãos e autoridades, conforme arts. 1º, § 2º, incs. I e II, 11 e 48, da Lei nº 9.784/99), de um lado, e pelas anuentes (na condição de partes interessadas), de outro.

6.18 No entanto, é importante considerar que, por vezes, haverá situações em que terceiros não participantes de uma relação processual administrativa podem ter sua esfera de direitos e obrigações afetadas pelas deliberações desta Agência, sendo legítimo franquear-lhes a oportunidade de poderem contribuir nos processos decisórios que sejam matizados por esse potencial.

6.19 Sendo assim, e conferindo um sentido e alcance ao art. 9º, inc. II, da Lei nº 9.784/99, compatível com as garantias constitucionais do contraditório e do devido processo legal, deve ser deferido o pedido de ingresso de terceiro no processo em que demonstre ter interesse juridicamente afetado por eventual deliberação desta Agência.

Na mesma oportunidade, reafirmou-se o entendimento dominante do Conselho Diretor da Anatel, no sentido de que a mera preocupação e análise sobre os possíveis desdobramentos e efeitos concorrenciais advindos de uma operação societária, sem a efetiva comprovação da existência de interesse jurídico afetado pela decisão que venha a ser proferida no processo em que se pretende ingressar, não habilitam o ingresso de uma prestadora como terceira interessada.

Diferentemente da situação apresentada por Unifique Telecomunicações S.A. e por  Brisanet Serviços de Telecomunicações S.A., tem-se por não caracterizado o interesse jurídico da requerente.

Com efeito, a requerente já detém faixa na região de 700 MHz do espectro, adquirido no Edital nº 02/2014/SOR/SPR/CD-Anatel, além de outras outorgas para operação em frequências abaixo de 1 GHz. No Edital nº 01/2021/SOR/SPR/CD-Anatel, ela também adquiriu faixas nas regiões de 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz.

A circunstância ser titular de outorgas em diversas faixas de frequência, inclusive aquela sobre a qual recai o pedido de anuência prévia, na verdade, infirma a presença de interesse jurídico. Afinal de contas, o desfecho eventualmente dado ao pedido de anuência prévia não repercutirá no feixe de direitos e obrigações assumidos pela requerente perante a Anatel. Independente da solução conferida ao caso concreto, a requerente continuará responsável pelas outorgas atualmente detidas nos termos em que lhe foram concedidas.

Dada a conjuntura de já explorar a faixa de 700 MHz e de ter adquirido faixas mais altas no Edital do 5G, os argumentos relacionados à viabilidade de seu modelo de negócios não merecem acolhida, acrescentando-se que a requerente já é autorizada do Serviço Móvel Pessoal com Poder de Mercado Significativo, conforme Ato nº 5.514/2018 (SEI nº 2985528), e por isso, sequer seria elegível à aquisição do lote A1.

Em tempo, reafirma-se o entendimento do Conselho Diretor da Anatel no sentido de que as demais reflexões apresentadas pela peticionária, relacionadas aos impactos concorrenciais de eventual aprovação da operação, por si sós, são irrelevantes  para a caracterização do interesse jurídico necessário ao deferimento do pleito, nos termos do art. 9º, inc. II, da Lei 9.784/99 (neste sentido, cf. Acórdão nº 299, de 23 de agosto de 2021, no Processo Administrativo n.º 53500.043708/2021-13 - Relator: Conselheiro Vicente Bandeira de Aquino Neto; Acórdão nº 362, de 29 de outubro de 2021, no Processo Administrativo n.º 53500.024507/2021-17 - Relator: Conselheiro Moisés Queiroz Moreira e Acórdão nº 25, de 15 de fevereiro de 2022, no Processo Administrativo n.º 53500.056706/2021-94 - Relator Emmanoel Campelo de Souza Pereira).

Ainda quanto ao ponto, são pertinentes as seguintes reflexões, as quais, guardadas as devidas proporções - porquanto relacionadas aos procedimentos conduzidos nas cortes federais norte-americanas - evidenciam bem a importância de se estabelecer, tanto quanto possível, um ponto ótimo que consiga conciliar, da maneira mais eficiente possível, a abertura dialógica do processo com a necessidade de preservação de seu desenvolvimento regular:

A análise apresentada neste artigo sugere que os amici curiae, muitas vezes desempenham um papel importante no litígio federal. No entanto, a postura atual, que permite o acesso virtualmente descontrolado à apresentação de manifestações, cria uma ameaça muito real para o julgamento eficiente dos casos. Manifestações que se limitam a repetir argumentos que já foram totalmente examinados e manifestações contendo informações distorcidas ou não confiáveis não oferecem nenhuma utilidade significativa para o tribunal, enquanto resumos que educam o tribunal sobre questões técnicas complexas ou informam o tribunal sobre os possíveis impactos de uma decisão sobre terceiros oferecem insights valiosos para o processo de tomada de decisão. Este artigo sugere que o atual regime processual coloca um ônus muito pesado sobre os tribunais para separar o joio do trigo, levando assim muitos tribunais a admitirem livremente praticamente todas as manifestações que são apresentadas.

À luz da realidade onde os litigantes muitas vezes requerem, coordenam, gerenciam e orquestram manifestações de apoio como amici curiae, este artigo sugere que o sistema processual deve reconhecer abertamente essa prática e atribuir mais responsabilidade pelo policiamento do conteúdo dessas manifestações às partes. Especificamente, as regras de procedimento devem exigir a troca antecipada de informações sobre a atividade pretendida de amicus de cada litigante. Essas informações vão além da mera identificação do amicus curiae, para incluir informações sobre o amicus e seu interesse no litígio (tais informações podem se assemelhar às informações exigidas em um laudo pericial de acordo com a Regra 26 das Federal Rules of Civil Procedure), e um esboço dos argumentos ou informações que serão contidas no escrito. Uma troca antecipada dessas informações permitiria aos litigantes identificar tentativas de inundar o tribunal com manifestações que nada acrescentam à discussão, permitindo-lhes assim pressionar o adversário para evitá-las. Também daria aos litigantes mais tempo para avaliar a confiabilidade manifestações dos amici adversos e preparar uma resposta apropriada.

(SIMARD, Linda Sandstrom. An Empirical Study of Amici Curiae in Federal Court: A Fine Balance of Access, Efficiency, and Adversarialism. Review of Litigation, Volume 27, Issue 4, p. 710-711, Summer 2008, tradução livre).

Deste modo, a requerente não demonstra interesse jurídico específico na causa, devendo ser indeferido o pedido apresentado.

No entanto, a manifestação da requerente deve ser recebida como petição amparada em direito constitucionalmente assegurado no art. 5º, inc. XXXIV, alín. "a", da Carta Maior:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:

a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;

[...]

Em adição, registre-se que os pontos apresentados pela requerente são questões que se encontram na esfera de avaliação desta Agência quando da análise de casos análogos, e, certamente, também serão contemporizadas na decisão quanto ao pedido de anuência prévia formulado nestes autos.

 

III - Considerações sobre a desnecessidade de ingresso da peticionante como terceiro interessado para participação nas tratativas de autocomposição

 

Em 30/03/2023, esta relatoria expediu os Ofícios nº 18/2023/AF-ANATEL (SEI 10019152) e nº 19/2023/AF-ANATEL (SEI 10019815) às anuentes para que manifestassem o seu interesse na produção de uma solução autocompositiva para o caso.

Em tais comunicações, consignou-se que as anuentes, caso se posicionassem em tal sentido, deveriam tão somente especificar o termo final para apresentação do resultado das negociações. Apenas se ressalvou que, caso chegassem a algum entendimento, este deveria ser aderente às premissas, à lógica e à essência do Edital nº 1/2021-SOR/SPR/CD-ANATEL (Edital do 5G), ser viável do ponto de vista concorrencial e regulatório e observar o teor das premissas veiculadas do Informe nº 31/2023/CPRP/SCP (SEI 9840647).

Como se pode notar, não há, por parte da Anatel, uma participação ativa nesses diálogos. Os stakeholders do mercado são os agentes que estão em melhores condições de desenvolver um desenlace eficiente para o caso por disporem de informações privadas que, em princípio, lhes habilitam a identificar com melhor acurácia as consequências - tanto as boas quanto as ruins - de cada um dos cursos de ação possível. À Anatel, inclusive em observância aos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, resta a incumbência de avaliar a conformidade de eventual acordo com as condicionantes referidas anteriormente.

Dito isso, não há, nem nunca houve, qualquer impedimento à requerente para que se dirigisse diretamente às anuentes para participar na construção dos diálogos a que se referem as missivas em análise, restando caracterizada a ausência de qualquer pertinência dessa circunstância ao exame do pedido de ingresso. Acrescenta-se, ainda, que a conclamação das anuentes ao desenvolvimento dessas tratativas se constitui em fato de conhecimento público, tendo circulado nos meios de comunicação como nas mídias da Anatel desde o final de março.

Ante a circunstância de a peticionante integrar grupo econômico cujo controle é exercido, em última instância, pela América Móvil, cujo capital se encontra listado no exterior, espera-se que ela explore racionalmente oportunidades que maximizem os seus ganhos e, sendo assim, empreenda esforços para participar das tratativas desde o seu início, caso já não o tenha feito.

 

IV - Reafirmação da busca de parâmetros para aperfeiçoamento dos debates públicos dos temas afeitos à Anatel e aderência às recomendações de boas práticas da OCDE e aos ODS da ONU

 

À semelhança do já assentado na Análise nº 24/2023/AF (SEI 10002204) - acolhida pelo Acórdão nº 65, de 30 de março de 2023 (SEI 10036032) - e na Análise nº 38/2023/AF (SEI 10207058) - acolhida pelo Acórdão nº 117, de 11 de maio de 2023 (SEI 10226398) - mencionadas anteriormente, reafirmam-se as reflexões ali trazidas, no sentido de que a Anatel vem desenvolvendo uma cultura de transparência, accountability e abertura dialógica em sua trajetória institucional, reforçada pelo arcabouço jurídico que lhe rege, notadamente o art. 21 da LGT, e os arts. 4º e ss. da Lei nº 13.848/2019, além dos diversos normativos editados por seu Conselho Diretor.

Neste particular, também é renovado o endosso às lições de Cass Sunstein, no sentido de que essa abertura dialógica é um instrumento eficiente para mitigar vieses e assimetrias de informação decorrentes da racionalidade limitada dos diversos stakeholders, contribuindo para a melhoria da qualidade regulatória (The Cost-Benefit Revolution. Cambridge, MA: MIT Press, 2018, p. 111-112).

Tal prática, aliás, também está alinhada com as recomendações expedidas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a qual percebe a participação desses agentes como um elemento importante para o incremento dessa qualidade regulatória (Regulatory Impact Assessment, OECD Best Practice Principles for Regulatory Policy. OECD Publishing, Paris, 2020, p. 27. Disponível em: <https://doi.org/10.1787/7a9638cb-en>. Acesso em 23 mar. 2023).

Essa linha de raciocínio está em sintonia com as Metas 16.6, 16.7, 16.8 e 16.10 do Objetivo 16 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, relacionados a um processo de tomada de decisão responsiva, transparente e democrática pelas instituições do Estado Brasileiro, a seguir transcritos:

Objetivo 16. Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis

(...)

16.6 Desenvolver instituições eficazes, responsáveis e transparentes em todos os níveis

16.7 Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis

16.8 Ampliar e fortalecer a participação dos países em desenvolvimento nas instituições de governança global

(...)

16.10 Assegurar o acesso público à informação e proteger as liberdades fundamentais, em conformidade com a legislação nacional e os acordos internacionais

Por outro lado, há outros bens jurídicos que são sacrificados com eventual dilação excessiva da controvérsia, notadamente o direito constitucional à razoável duração do processo assegurado às anuentes e o princípio constitucional da eficiência, especialmente no que diz respeito à cultura de uma Administração Pública voltada à concretização de resultados para o cidadão.

Disso, assevera-se que essa participação dialógica não deve se dar às custas de uma dilação indevida da lide, conforme já salientado pelo Exmo. Ministro Dias Toffoli em decisão proferida no RE 1037396 (RE 1037396, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento: 06/11/2019, Publicação: 12/11/2019).

Essa limitação quanto à forma e ao número de contribuições para a tomada de decisões pela Administração Pública, aliás, é uma ideia que encontra ressonância, também, no Direito Norte-Americano (cf. SHAPIRO, David L. The choice of rulemaking or adjudication in the development of administrative policy. Harvard Law Review. Volume 78, Number 5, p. 931, mar. 1965), não se constituindo em ponderação restrita ao cenário nacional quanto à salutar marcha processual.

No presente caso, o indeferimento do pedido de ingresso está em linha com essas premissas por buscar, por meio de uma interpretação do art. 9º, inc. II, da Lei 9.784/99 voltada à preservação de uma higidez procedimental, de modo que essa abertura dialógica não se constitua em fator de ruína de seu próprio escopo.

 

CONCLUSÃO

 

Voto por:

indeferir pedido de ingresso, na condição de terceira interessada, formalizado por Claro S.A e receber sua manifestação com fundamento no art. 5°, inc. XXXIV, alín. “a”, da Constituição Federal.


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Documento assinado eletronicamente por Alexandre Reis Siqueira Freire, Conselheiro, em 15/05/2023, às 20:24, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no art. 23, inciso II, da Portaria nº 912/2017 da Anatel.


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Referência: Processo nº 53500.303019/2022-54 SEI nº 10229607